Rede internacional de teatros debate em Lisboa envolvimento comunitário

A futura rede internacional de teatros, que será formalizada na primavera em Florença, esteve hoje em discussão no Teatro São Luiz, em Lisboa, com propostas para envolver as comunidades e repensar o papel da arte na sociedade contemporânea.

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Lusa
07/03/2025 19:42 ‧ há 2 dias por Lusa

Cultura

Teatros

O encontro reuniu diretores artísticos, encenadores, programadores de vários países parceiros daquela que será uma rede que liga teatros de várias cidades, com o objetivo de, através de pequenos feitos artísticos, levar a arte para as ruas, ao encontro das pessoas, e re-humanizar as cidades.

 

Este é o foco principal desta iniciativa nascida em 2018, que tem o nome provisório de Place des théâtres, que trabalha para articular a arte com a saúde, o desporto e o ensino, e que hoje ganhou nova força com a criação em Portugal da Gazeta das Praças -- um folheto sobre dinâmicas sociais e artísticas nas praças, ruas, largos e jardins da cidade - e de projetos inovadores como a Farmácia Poética.

"Há três gazetas a circular neste momento, em França, Itália e agora inaugurámos a portuguesa. A Farmácia Poética, fomos nós os primeiros a experimentar e Florença vai replicar esse modelo, e nesta primavera teremos realmente formalizada a rede", disse à Lusa Miguel Loureiro, diretor artístico do São Luiz Teatro Municipal.

Esta rede de teatros é um conceito dinâmico, sem uma estrutura formal rígida, focado na responsabilidade das instituições culturais, como o São Luiz e outros teatros internacionais.

Envolvendo atualmente 14 países, o projeto teve impulso em Florença, no Teatro della Pergola, e em Paris, no Théâtre de la Ville, com o seu diretor, Emmanuel Demarcy-Mota, como um dos principais dinamizadores.

A ideia é que além da programação artística tradicional, os teatros possam expandir a sua atuação para o espaço público, envolvendo a comunidade em questões como saúde e educação.

Um dos projetos centrais é as consultas poéticas, em que atores vestidos de médicos ocupam praças e jardins, interagem com transeuntes, turistas e instituições como hospitais e escolas, promovendo a poesia como ferramenta de conexão e bem-estar, explicou o diretor artístico.

Miguel Loureiro contou que a Farmácia Poética foi inaugurada na quinta-feira no quiosque junto à bilheteira do teatro e que conta com "duas atrizes formadas, uma portuguesa e uma francesa, que vão falando com as pessoas sobre problemas, sobre impressões, sobre observações, e depois a médica, poeta, atriz, escolhe ler um poema para partilhar e para discutirem esse poema".

"Num mundo pleno de confusão, com vários ciclos a fechar, e outros a abrir-se para o incógnito, temos equipas de 40, 50, 60 pessoas a trabalhar permanentemente nos teatros. Podemos fazer um bocadinho mais, nas praças à volta do teatro, nas ruas, aqui no Largo do Picadeiro, na Praça do Chiado, no Largo Trindade Coelho, com a Brotéria, com a Santa Casa, instituições vizinhas. Podemos fazer um bocadinho mais para tratar questões importantes, como a saúde e a educação", acrescentou.

Neste âmbito, os atores também já estiveram dentro de hospitais ou de escolas, visitaram o Colégio Pina Manique, na Casa Pia, e no sábado, Dia Internacional da Mulher, os atores/médicos vão estar a consultar quem passa e a prescrever poesia só de poetas mulheres, ou poetisas, à volta dessa efeméride, adiantou.

Em Portugal, já há oito atores formados para esta prática, e o conceito está a ser explorado até ao nível do Serviço Nacional de Saúde, considerando a poesia como uma forma de apoio à saúde mental e ao combate à solidão, explicou, exemplificando com o caso da Roménia (que tem a cidade Sibiu como parceira da rede), em que "as consultas poéticas são vistas com uma grande popularidade entre os idosos que vivem sozinhos nas casas".

Outro projeto desta rede é a Escola Nómada, que aposta na formação de atores profissionais para circularem pelos vários países dialogantes nestes encontros e atuarem no espaço público, abordando problemas reais de forma acessível, para além do público tradicional do teatro.

As novas relações entre os teatros permitem construir pontes entre a Europa e África, abrindo-se igualmente a outros continentes, com base numa visão comum, expressa na Carta 18-XXI.

Esta carta não é um conjunto de regras fixas, mas sim um mapa vivo que evolui ao ritmo do mundo e das gerações que o moldam, acompanhando os jovens que fazem 18 anos neste século, que redefinem os paradigmas da arte, da ciência, da identidade e da diversidade, explicou Marco Giorgetti, diretor do Teatro dela Pergola, para quem "os atos dos dias de Lisboa serão mais do que um espaço de reflexão: serão uma declaração ao mundo".

Os encontros periódicos nas diferentes cidades ajudam a consolidar os princípios da rede, como este encontro a que se chamou "Atos de Lisboa", e que prepara o próximo encontro, em Florença, em maio, a que se seguirá outro em Paris, em junho.

"E depois, vamos agregando, mas o objetivo não é político, entre nações, mas sim o de conectar teatros e cidades a nível global, expandindo a rede para novos países como os Estados Unidos, a Alemanha, os Países Baixos, o Japão e a Coreia do Sul", adiantou Miguel Loureiro.

Ao nível da cidade de Lisboa, o Teatro São Luiz está a expandir a sua atuação além das salas de espetáculo, com três grandes focos a ser desenvolvidos: relações com hospitais, nomeadamente ao nível da pediatria e saúde mental, parcerias com escolas e universidades, e intersecção com o desporto.

Sobre esta última, Miguel Loureiro deu como exemplo as últimas Olimpíadas de Paris, altura em que em Florença, na Praça da Annunziata, foram dispostas seis ou sete mesas de ping-pong, nas quais atores profissionais do Teatro Nacional Italiano "diziam as linhas de Dante e de produções clássicas, a estudarem o texto, a decorarem, e de cada vez que faziam a divisão do verso, batiam com a bola. Havia pessoas que passavam e que jogavam com eles".

Para o próximo encontro em Paris, o diretor do São Luiz vai indicar dois especialistas de ciência e saúde, possivelmente um deles da Fundação Champalimaud, para se integrarem nessas relações e as fortalecerem.

A diversidade linguística é central no projeto, que quer promover uma espécie de "comunidade europeia dos espetáculos", em que o inglês não é a língua franca.

O teatro permite compreender realidades sociais e políticas, mesmo sem domínio da língua. A arte reflete preocupações, como é o caso da guerra na Ucrânia, e crises políticas, sem ser ativismo direto, mas através de pequenos gestos no espaço público, que, apesar de discretos, têm impacto político e cultural, explicou.

A comunicação e a divulgação desta rede junto do tecido cultural e social português é outra das prioridades do diretor do teatro, que quer dar a conhecer o que está a acontecer no São Luiz, mas também chamar a colaborar todos os interessados.

"Porque a nossa vontade é essa, é que isto se torne, como disse a crítica italiana [durante o encontro], algo que passe do teatro para a praça, da praça para a cidade, e da cidade para os outros continentes, que podem ser nossos parceiros".

Neste momento estão ligados nesta "rede em devir" -- como lhe chamou Miguel Loureiro -- Paris, Roma, Florença, Lisboa, Sibiu, Barcelona, Yaoundé e Douala (Camarões), Kigali (Ruanda), Bamako (Mali), Brazzaville (Congo), Gjilan e Pristina (Kosovo), entre outras.

Como disse Emmanuel Demarcy-Mota, "são necessárias novas alianças entre países, línguas e disciplinas para enfrentar as violências do mundo e fortalecer as armas da inteligência e da cultura".

Leia Também: Dia Mundial do Teatro reflete sobre desafios sociais e ambientais

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