O que une Rúben Amorim, João Pereira, o Sporting e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF)? À primeira vista, talvez seja preciso puxar pela memória, mas o mais atento adepto do futebol português certamente se recordará do que envolve estas quatro partes.
E não é só o facto de Amorim e João Pereira serem treinadores da equipa principal do Sporting. É mesmo o curso de treinador de futebol. Aconteceu há pouco mais de três anos com o agora novo treinador do Manchester United e volta agora à berlinda com João Pereira. José Pereira, presidente da ANFT, revelou, em entrevista à Antena 1, que vai avançar com uma queixa contra o novo treinador do Sporting devido à falta de habilitações para exercer a função de treinador de futebol no principal escalão do futebol nacional. Uma 'saga' que aconteceu com Amorim, em 2021.
"A Associação Nacional de Treinadores de Futebol não pode reconhecer [João Pereira] como treinador do Sporting, atendendo a que não tem a certificação exigida para o desempenho das funções. Nessa circunstância, naturalmente, teremos de tomar as medidas indispensáveis e necessárias, que são tradição desta Associação, que são denunciar a situação junto das autoridades competentes", frisou José Pereira, apontado para o facto de João Pereira não ter ainda o nível III de treinador, o chamado UEFA A.
Regulamentação vs realidade no futebol português
Mas, afinal, para que serve o curso de treinador de futebol e porque tem levantado tanta celeuma? O Desporto ao Minuto contactou duas fontes distintas, uma que participa num curso de treinador de futebol e outra conhecedora da realidade regulamentar em Portugal, para tentar descobrir o porquê destas situações se repetirem com frequência.
Por norma, estes cursos de treinador de futebol em Portugal para acesso aos níveis III e IV da UEFA acontecem de forma algo esporádica, mas esta temporada, e talvez pelo número grande de candidatos, a Federação Portuguesa de Futebol alargou o número de vagas previstas. Na época 2024/25, estão a realizar-se dois cursos extensivos e um curso intensivo. No total, serão 90 vagas divididas pelos 3 grupos.
Para se ter acesso ao nível III, o UEFA A, é necessário que o candidato já tenha completado os dois níveis anteriores: o UEFA B (normalmente conhecido como nível II) e o UEFA C (o nível I). As inscrições para os dois primeiros níveis têm de ser feitas junto da respetiva associação de futebol.
E quem tem acesso aos níveis mais elevados? Fontes contactadas pelo Desporto ao Minuto revelam a existência de critérios de seleção que podem favorecer um candidato ao invés de outro. O que, tendo em conta a existência de poucas vagas, deixa muitas pessoas de fora. Para a seleção de candidatos pesa, por vezes, a promoção de uma divisão para outra, a integração numa equipa de futebol feminino ou numa equipa técnica a atuar num escalão superior do futebol português.
Por norma, a duração dos cursos dos níveis III e IV dura uma época desportiva. Mas existe alguma maneira de dar a volta a esta situação? Sim, existe. É comum os treinadores de futebol que são portadores do curso UEFA B deslocarem-se a outros países para, num espaço de tempo muito menor, verem as suas habilitações melhoradas. Foi o que aconteceu com Rúben Amorim.
Quando ainda era treinador do Casa Pia - Amorim chegou até a ser suspenso por não ter as qualificações necessárias para exercer o cargo de treinador em Portugal - recebeu as suas insígnias da UEFA na Irlanda do Norte, em 2019. Pouco depois de ter tirado a Licença B, em Belfast, o terceiro nível, assumiu o comando da equipa B do Braga até ter chegado à equipa principal minhota e a Alvalade. Posteriormente, e com a tal queixa da ANTF pelo meio, Amorim tirou o UEFA Pro, o último nível de treinador.
O que dizem o regulamento de competições e o disciplinar?
Fonte contactada pelo Desporto ao Minuto, e conhecedora dos meandros disciplinares que existem em Portugal, defende que José Pereira está certo em avançar com a queixa, por estar a cumprir a regulamentação em vigor. O artigo 82 do regulamento de competições da Liga Portugal é claro. Cada clube presente na I Liga deve inscrever, junto das instituições competentes, um treinador principal que seja portador do UEFA Pro (nível IV) e um treinador adjunto com o UEFA A (nível III). João Pereira não cumpre nenhum destes critérios.
"Não foi só com o Ruben Amorim, aconteceu em vários outros casos. Basta ver os mapas de castigos do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol para se perceber que existem multas para treinadores não habilitados para a função. Os próprios delegados da LPFP devem reportar o caso, por exemplo, esteja na flash interview ou se levante para dar instruções, por isso implica um incumprimento dos regulamentos", frisou José Pereira, em declarações à agência Lusa.
O agora treinador da equipa principal do Sporting já concluiu o segundo nível do curso de treinador, mas ainda não recebeu o certificado. João Pereira tinha sido inscrito como adjunto da equipa principal, num sinal claro de que a estrutura de futebol do Sporting já o estava a preparar como eventual sucessor de Rúben Amorim.
Enquanto não receber o certificado da UEFA, Tiago Teixeira, seu adjunto e detentor do quarto nível, aparecerá nas fichas de jogo como o treinador principal, tal como aconteceu nos tempos iniciais de Amorim em Alvalade. Na altura, Emanuel Ferro era o treinador principal, mesmo não o sendo, e aparecia nas conferências de imprensa.
A situação terá de ser replicada, agora, pela estrutura leonina. João Pereira não poderá estar nas conferências de imprensa do Sporting, sendo, provavelmente, substituído por Tiago Teixeira. Também não poderá dar instruções aos seus jogadores no relvado do estádio, sob pena de existirem infrações disciplinares. O artigo 96-A do regulamento disciplinar da Liga estabelece que, quer o clube, quer o infrator serão multados se João Pereira pisar a linha.
O que se segue? João Pereira aparecerá na ficha de jogo como adjunto de Tiago Teixeira, tal como acontecia na equipa B dos leões, até que cumpra o nível III, algo que deverá acontecer até ao final do presente ano. Depois disso, seguir-se-á a inscrição no UEFA Pro. Até lá, caberá a Tiago Teixeira ser o 'substituto' de Rúben Amorim no comando técnico da equipa principal do Sporting.
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