Ao lado da filha, com uma parede pintada de azulejos e fado ao fundo, esta antiga trabalhadora vai contando que chegou à cidade há mais de uma década, vinda da Autoeuropa. Em vez de voltar para Portugal, Maria deixou o grupo e casou-se com o atual marido que é funcionário da Volkswagen há 35 anos.
"Porque aqui vai tudo dar ao mesmo nome", comenta, entre risos.
O grupo automóvel de 10 marcas está nas conversas, nas lojas, nos nomes das ruas e é a principal, e praticamente única, atração turística de uma cidade com 120 mil habitantes, onde 60% estão empregados direta ou indiretamente na VW.
"O ambiente aqui não é o melhor. Embora haja conversas de corredor, os alemães não têm por hábito expressar muito o que sentem. Mas há notoriamente um ambiente pesado. Até mesmo nos efetivos, nota-se que não há tranquilidade. Existe um sentimento de insegurança. Fala-se de redução de postos de trabalho e redução de salários", revela um português que trabalha na linha de montagem.
"Já se nota que as pessoas não compram o que compravam, não gastam o que gastavam. Nota-se que a economia está em recessão, há uma redução no consumo", conta, durante a pausa do seu turno.
Este português, que prefere não ser identificado, não tem dúvidas, "se a fábrica está em crise, a cidade morre."
As chaminés gigantes do edifício alaranjado com o logótipo da WV são o símbolo da cidade fundada durante o regime nazi, em 1988. Wolfsburgo foi construída para albergar os trabalhadores que produziam o chamado KdF-Wagen, que mais tarde ficou famoso como o Fusca.
Do outro lado da fábrica e das chaminés que não param de deitar fumo, há um desses modelos em exposição na "Autostadt" (cidade do carro).
"Se acontecer alguma coisa grave à WV, Wolfsburgo, numa escala diferente, vai ser como Detroit, nos Estados Unidos, nos anos 90, quando a indústria automóvel norte-americana colapsou. Ou seja, uma cidade com bairros fantasmas, com insegurança, pobreza, zonas degradadas. Mas não acredito que isso chegue a esse extremo. Acho que há um exagero também para criar um alerta", revela João, nome fictício.
Este português, há mais de três décadas a trabalhar para a gigantes dos automóveis, admite já ter "planos B e C" para o seu futuro.
"Por um lado, eu pensei que o resto da minha vida ativa ia ser passada na VW, mas se não for assim, também não encaro como um drama. Não me preocupo muito, é mais expectativa. A situação social na Alemanha com o avanço da extrema-direita preocupa-me mais, por isso já antes disto estava a considerar sair", partilha.
Depois de já ter trabalhado em três diferentes países, sempre com o emblema azul e branco na camisola, admite que o ambiente agora é muito diferente.
"Noto uma diferença grande. O ambiente extremamente negativo. Há muita insegurança entre as pessoas. A maior parte dos empregados da VW têm as suas raízes aqui na região e encararam este trabalho como sendo para a vida toda. Nunca se imaginaram numa situação destas. Não há pânico, mas sim muita insegurança e incerteza", confessa.
"Nota-se no dia-a-dia. Há pouca paciência para temas de 'team building', que antes as pessoas encaravam de outra forma (...) e também na componente social, nas implicações que tem uma perda de poder da WV e do poder de compra dos trabalhadores, as implicações que isso tem para a economia da região. As pessoas têm medo que as casas que têm passem a valer menos, as pessoas que têm pequenos negócios têm medo que fechem", continua.
A dona do "Saudade" vê a chávena do café meia cheia. Para Maria, que arriscou abrir portas durante toda a incerteza do fecho de fábricas e despedimentos, esta crise é apenas mais uma que vai passar. "Eles fazem isto até para assustar um bocado as pessoas, mas daqui a dois ou três meses já está tudo bem", defende.
João lamenta que a empresa não tenha comunicado a situação da melhor maneira o que gera um clima de incerteza e imprevisibilidade.
"Para muita gente isto é uma surpresa. Eu estava por dentro de alguns temas. Não com a gravidade que isto se apresentou em termos de vendas, mas isto já se via chegar. Os prognósticos não têm sido muito bons e por algum lado tinha de se cortar. Fechar fábricas são palavras maiores aqui no grupo. Agora foi quebrado o tabu. Alguma vez tinha de acontecer e foi agora", destaca Manuel, que opta por não divulgar o verdadeiro nome.
Já trabalhou em Wolfsburgo mas mudou-se há poucos anos para uma das empresas do grupo, na capital alemã.
"Na empresa onde estou há um pouco de tudo. Há pessoas que chegaram há dois, três anos e não têm problemas em mudar. As pessoas que vieram de outras empresas, como a Audi ou a Volkswagen, com 15 ou 20 anos de casa, já não estão com muita vontade de mudar. Mas também estão apreensivos. Na minha unidade vai decidir-se agora o que fazer. Pessoas com funções ditas não essenciais, provavelmente extinguem-se e logo se vê o que acontece com as pessoas", explica.
"Já ando a ver outras coisas, mas na Alemanha, no setor automóvel, esta tudo muito mau. Esta tudo a anunciar cortes, congelamento de contratações. O único setor que esta a florescer é o setor do armamento, a única área que nos últimos dois anos tem subido o número de contratações brutalmente", esclarece.
A Volkswagen teve um lucro de 7.590 milhões de euros até setembro, menos 33,1% face ao período homólogo, devido à queda das vendas na China. Os trabalhadores do grupo na Alemanha vão ser convocados para greves a partir de 01 de dezembro.
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