Num 'briefing' ao Conselho de Segurança da ONU sobre a situação no Afeganistão, a chefe da Missão de Assistência da ONU nesse país (UNAMA), Roza Otunbayeva, afirmou que os afegãos continuam a enfrentar uma grave crise humanitária definida por décadas de conflito, pobreza enraizada, choques induzidos pelo clima, grande crescimento populacional e riscos crescentes de proteção, especialmente para as mulheres e meninas do país.
Contudo, apesar das necessidades estarem a aumentar, os cortes no apoio externo estão já a ter um impacto significativo no povo afegão, com mais de 200 unidades de saúde encerradas no mês passado, afetando diretamente cerca de 1,8 milhões de pessoas.
Além disso, os serviços essenciais de nutrição para crianças foram limitados e os parceiros de implementação desses serviços reduziram significativamente a sua capacidade de coordenação, denunciou a representante da ONU.
"Vidas e meios de subsistência serão perdidos e os ganhos de desenvolvimento serão ainda mais corroídos", alertou Roza Otunbayeva.
A líder da UNAMA focou-se particularmente na situação das mulheres e meninas no Afeganistão, acusando o regime talibã de tratar as suas obrigações internacionais de "forma seletiva", rejeitando algumas dessas obrigações com base na alegada interferência na soberania do país ou violação das suas tradições.
"Mas, para sermos muito claros, estas obrigações internacionais afetam não só a possibilidade de progresso ao longo do percurso político, mas, mais crucialmente, o bem-estar de toda a população do Afeganistão, cujas vozes devem ser incluídas no percurso político", frisou.
O último relatório da UNAMA, que foi distribuído ao Conselho de Segurança em 21 de fevereiro, menciona vários decretos recentes do Talibãs, com por exemplo a "Lei sobre a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício", que foi promulgada em agosto de 2024, e que teve um impacto "desproporcional nas mulheres e restringiu ainda mais a sua liberdade de movimento e acesso a serviços essenciais".
O relatório também aborda a proibição de mulheres e meninas frequentarem institutos médicos, uma medida que a ONU considera "discriminatória e contrária às obrigações internacionais de direitos humanos" e que restringirá ainda mais o acesso à assistência médica no país.
"Esta nova restrição aprofunda um fosso a longo prazo na capacidade do país de proteger a saúde das mulheres e, na verdade, de todos os afegãos. Isto irá agravar ainda mais a mortalidade materna e infantil no Afeganistão, já uma das mais elevadas do mundo", alertou.
"Os afegãos ressentem-se cada vez mais das intrusões nas suas vidas privadas por parte das autoridades de facto. Temem um maior isolamento do Afeganistão do resto do mundo", acrescentou ainda Roza Otunbayeva.
Na reunião, a maioria dos Estados-membros defenderam a reversão imediata das políticas e práticas dos Talibãs que violam os direitos humanos de mulheres e meninas e instaram o regime a cumprir as obrigações internacionais.
Antes do encontro, a Dinamarca, França, Grécia, Guiana, Panamá, Coreia do Sul, Serra Leoa, Eslovénia e Reino Unido emitiram um comunicado conjunto em que reiteraram a sua "forte condenação à discriminação de género contínua e sistémica dos Talibãs e ao aumento da violência de género".
"Hoje, as mulheres e meninas do Afeganistão são apagadas da vida pública e suas vozes são silenciadas. Os Talibãs emitiram mais de 80 decretos e diretivas visando especificamente a autonomia, os direitos e a vida diária de mulheres e meninas", assinalaram, condenando "nos termos mais fortes" essas políticas.
Os signatários destacaram ainda os mandados de prisão pedidos pelo procurador do Tribunal Penal Internacional contra dois líderes seniores do regime Talibã e o compromisso de procurar por responsabilização por crimes de género, incluindo perseguição de género.
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