Morreu 'Pepe' Mujica, "o presidente mais pobre do mundo". Um perfil

O ex-Presidente uruguaio José "Pepe" Mujica, símbolo da esquerda latino-americana, morreu hoje aos 89 anos, informou o atual chefe de Estado, Yamandu Orsi,

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Lusa
13/05/2025 21:51 ‧ há 6 horas por Lusa

Mundo

Mujica

com profundo pesar que anunciamos o falecimento do nosso camarada 'Pepe' Mujica. Presidente, ativista, líder e guia. Vamos sentir muito a sua falta, meu velho", escreveu Orsi na rede X.

 

Apelidado como "o presidente mais pobre do mundo", Mujica revelou no início deste ano que um cancro no esófago, diagnosticado em maio de 2024, se tinha espalhado e que o seu corpo envelhecido já não tolerava o tratamento.

"O guerreiro tem direito ao descanso", disse numa entrevista recente, na qual reconheceu que o seu ciclo tinha terminado "há algum tempo" e pedia para o deixarem partir tranquilamente.

A vida de José Mujica foi dedicada ao ativismo, culminando num mandato presidencial de cinco anos marcado pela austeridade a que se impôs e por mensagens de solidariedade muito distantes da grande retórica política.

O seu perfil singular tornou-o num símbolo que transcendeu as fronteiras de um pequeno país de apenas 3,4 milhões de habitantes.

Nascido em Montevideu, em 1935, numa família de ascendência italiana e basca, José Alberto Mujica Cordano inclinou-se inicialmente para a ala conservadora do Partido Nacional, mas cedo se separou para se juntar ao Movimento de Libertação Nacional (MLN), o grupo guerrilheiro Tupamaro de esquerda radical, na década de 1960.

Durante a ditadura civil-militar uruguaia (1973-1985), participou com os Tupamaro em assaltos e sequestros. Ferido a tiro e preso quatro vezes, esteve 15 anos na prisão, embora tenha escapado em duas ocasiões da cadeia de Punta Carretas.

A chegada da democracia ao Uruguai em 1985 significou a sua libertação, após ter sofrido tortura e ameaça de execução, beneficiando de uma amnistia que o fez reentrar na política.

Fê-lo dentro do partido no qual serviria para o resto da vida, a Frente Ampla, e em 1994 ganhou um lugar na Câmara dos Representantes. A sua popularidade cresceu e, uma década depois, em 2004, foi o senador mais votado na história do Uruguai.

Após ter exercido o cargo de ministro da Agricultura e Pescas, a Frente Ampla designou-o como candidato presidencial nas eleições de 2009, que venceu à segunda volta e esteve em funções até 2015.

Mujica recebeu a presidência em 2005 do seu colega Tabaré Vázquez, mas rapidamente deixou claro que o seu estilo discursivo e político estava longe do padrão, mesmo num país em que parte da esquerda via o venezuelano Hugo Chávez e a sua "Revolução Bolivariana" como um modelo a seguir.

Incluiu antigos guerrilheiros Tupamaro e sociais-democratas no seu gabinete e sua animosidade em relação ao consumismo e aos protocolos tradicionais foi particularmente discutida e tornou-se palpável na sua vida diária.

Mujica evitava os veículos oficiais e defendia a sua rotina numa pequena "chacra" (quinta) perto de Montevideu com a sua mulher, Lucía Topolansky, também ela uma fervorosa ativista de esquerda, onde combinava a liderança do Estado com o cultivo de flores e legumes.

Humilde, terra a terra, informal, polémico e adorado pelas camadas populares, quando chegou ao poder, vendeu a residência presidencial de verão para financiar programas sociais.

Em 2014, rejeitou uma oferta multimilionária de um xeque árabe pelo seu antigo Volkswagen "Carocha" de 1987, alegando que iria ofender os amigos que lho deram, e em 2019 doou vários hectares da sua propriedade para construir habitações para ex-presidiários.

Líderes e jornalistas estrangeiros desfilaram por esta pequena propriedade e, a partir deste símbolo de austeridade, defendeu iniciativas como a doação de parte do seu salário de Presidente --- no final do seu mandato, declarou que tinha doado mais de meio milhão de dólares (cerca de 450 mil euros).

Na arena política, promulgou a lei de despenalização do aborto vetada pelo seu antecessor, promoveu a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e assinou uma reforma inovadora que autorizava a produção e a venda de canábis.

Os seus críticos, no entanto, atacaram-no por não aproveitar os benefícios de um país em crescimento para consolidar melhorias nos serviços básicos, como a educação e a saúde, ou para empreender reformas significativas num estado que permanecia marcado pela desigualdade.

Também não foi um símbolo de consenso político para a esquerda regional, como ficou evidente quando, na reta final do seu mandato, assinou um polémico acordo com os Estados Unidos para acolher prisioneiros da Baía de Guantánamo, no âmbito da tentativa do então Presidente norte-americano, Barack Obama, de encerrar a prisão de suspeitos de terrorismo.

Nos últimos anos, não poupou críticas ao rumo tomado por países como a Venezuela e o Governo de Nicolás Maduro que considerava autoritário.

A Constituição proíbe a reeleição imediata do presidente e do vice-presidente, mas Mujica não abandonou completamente a política quando devolveu a liderança a Tabaré Vázquez em 2015. Com grande popularidade dentro e fora do Uruguai, regressou ao poder legislativo como senador.

Foi eleito para o Senado em duas eleições consecutivas, mas em 2020, aos 85 anos, demitiu-se prematuramente, motivado pela pandemia da covid-19 e pela sua saúde cada vez mais debilitada. "Há um tempo para chegar e um tempo para partir na vida", argumentou na altura.

Nunca esteve porém completamente ausente, e a sua voz foi invocada numerosas vezes nos últimos anos como porta-voz de uma esquerda dialogante e analistas consideram, aliás, que o seu apoio foi fundamental para a vitória de Yarmandú Orsi nas eleições presidenciais de 2024.

No entanto, Mujica tem aparecido nas notícias nos seus últimos anos sobretudo pela sua saúde. Em janeiro revelou que o cancro se tinha espalhado para outros órgãos e que estava a desistir de continuar o tratamento: "É só até aqui que vou".

Leia Também: Morreu José 'Pepe' Mujica, ex-presidente do Uruguai. Tinha 89 anos

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