As declarações à agência Associated Press (AP) são da ministra dos Assuntos Sociais e do Trabalho, Hind Kabawat, a única mulher e a única cristã no gabinete de 23 membros formado em março para liderar a Síria durante um período de transição após a destituição do ex-presidente Bashar al-Assad numa ofensiva rebelde em dezembro.
O ministério que lidera será um das mais importantes, à medida que o país começa a reconstrução após quase 14 anos de guerra civil.
Kabawat sublinhou que as medidas tomadas na semana passada pelos Estados Unidos e pela União Europeia (UE), que suspenderam temporariamente a maioria das sanções impostas à Síria ao longo de décadas, permitirão que esse trabalho comece.
"Antes, conversávamos, fazíamos planos, mas nada podia acontecer na prática porque as sanções estavam a impedir tudo e a restringir o nosso trabalho. [Com o levantamento das sanções], agora podemos passar à reconstrução".
Um dos primeiros programas que o novo governo planeia lançar é o de «escolas temporárias» para os filhos de refugiados e pessoas deslocadas internamente que regressam às suas áreas de origem.
Kabawat, que lembrou que 90% da população vive abaixo da linha de pobreza, admitiu que vai demorar para que o abrandamento das sanções mostre efeitos no terreno, porque o desbloqueio de algumas das restrições financeiras envolverá uma burocracia complicada.
A guerra civil que começou em 2011 também deslocou metade da população pré-guerra do país, de 23 milhões de pessoas. O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) estima que cerca de meio milhão de pessoas tenham regressado à Síria desde que al-Assad foi deposto. Mas a situação económica difícil e a infraestrutura danificada também dissuadiram muitos refugiados de voltar.
A pobreza generalizada também alimentou uma cultura de corrupção pública que se desenvolveu na era de al-Assad, incluindo a solicitação de subornos por funcionários públicos e extorsões por forças de segurança em postos de controlo.
Os novos governantes da Síria prometeram acabar com a corrupção, mas enfrentam uma batalha difícil. Os funcionários públicos recebem salários muito abaixo do custo de vida e o novo governo até agora não conseguiu cumprir a promessa de aumentar os salários do setor público em 400%. "Como posso combater a corrupção se o salário mensal é de 40 dólares (35 euros)", questionou Kabawat.
Os novos governantes do país, liderados pelo presidente Ahmad al-Sharaa -- antigo líder do Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS, um grupo insurgente islâmico sunita que liderou a ofensiva contra Assad - têm sido alvo de escrutínio por parte dos países ocidentais devido ao tratamento dado às mulheres sírias e às minorias religiosas.
Em março, os confrontos entre as forças de segurança do governo e grupos armados pró-al-Assad degeneraram em ataques sectários de vingança contra membros da seita alauita, à qual o Presidente deposto pertence. Centenas de civis foram mortos. O governo formou uma comissão para investigar os ataques, que ainda não divulgou as suas conclusões.
Muitos também criticaram o governo de transição por dar apenas uma representação simbólica às mulheres e às minorias. Além de Kabawat, o gabinete inclui apenas um membro de cada uma das seitas drusa e alauita e um curdo.
Apesar de ser a única mulher no gabinete, Kabawat disse que «agora há uma oportunidade maior para as mulheres» do que sob o regime de al-Assad e que hoje não há comissão formada que não tenha elementos femininos.
"As mulheres sírias sofreram e trabalharam muito nestes 14 anos. Todos os homens e mulheres sírios precisam de ter um papel na reconstrução das instituições", referiu, apelando aos que desconfiam de al-Sharaa para que lhe deem uma oportunidade.
Embora o Ocidente tenha acolhido bem o novo Presidente -- sobretudo após a recente reunião de alto nível com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump -- outros não se esquecem de que lutou contra as forças norte-americanas no Iraque após a invasão de 2003 ou que o seu grupo, o HTS, foi formado por uma ala da Al-Qaida, embora mais tarde tenha cortado os laços.
"As pessoas costumavam chamar terrorista a (Nelson) Mandela. Acabou por se tornar o primeiro líder entre aqueles que libertaram a África do Sul e, depois disso, de repente, ele já não era mais um terrorista", advogou Kabawat, sublinhando que todos devem dar a al-Saharaa a mesma oportunidade que deram aos sul-africanos.
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