Em entrevista concedida à Lusa em Genebra, o embaixador Yevhenii Tsymbaliuk recordou "as atrocidades" cometidas pela Federação Russa na Ucrânia desde 2014, e de forma particularmente intensa desde a invasão em grande escala em fevereiro de 2022, admitindo tem "dificuldade em identificar algum direito humano que não seja violado pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia".
"Tem de haver responsabilização e será feita. Muitos na Rússia desvalorizam, dizem que tal nunca sucederá, mas na realidade estão com medo. Um exemplo recente que mostra que realmente estão com medo é o facto de, nas recentes negociações em Istambul, tal como divulgado pela comunicação social, uma das exigências apresentadas pela delegação russa ser a de a Ucrânia prescindir de todo e qualquer pedido de compensações", aponta.
De acordo com o diplomata, "se não tivessem medo, não pensariam nisso e não fariam tais pedidos", naturalmente rejeitados por Kiev, pois "a responsabilização sempre fez parte dos planos e roteiros de paz da Ucrânia".
"Acho que pensam muito nisso. É muito difícil ignorar a posição da comunidade internacional. Sabemos que tudo pode mudar de um dia para o outro e, normalmente, os ditadores no mundo não têm um final de vida feliz. Estou certo de que na Rússia têm medo. E devem ter medo. Devem acordar com esse sentimento e tê-lo todo o tempo. E que pelo menos o medo os previna de cometerem ainda mais atrocidades e crimes contra a humanidade", diz.
Falando à Lusa na Representação Permanente da Ucrânia junto da Gabinete da ONU em Genebra, e tendo na parede atrás de si uma fotografia emoldurada de um civil a caminhar diante de um edifício residencial em escombros, Tsymbaliuk, que ocupa o cargo desde dezembro passado após uma longa carreira diplomática durante a qual lidou de perto com questões de direitos humanos, diz que a Rússia viola de forma sistemática todos os direitos humanos e o direito internacional, "até as próprias 'regras' da guerra".
"Menciono em primeiro lugar o direito à vida, porque a vida humana é o valor mais importante e, na nossa resistência à agressão russa, claro que tentamos preservar a vida humana o máximo possível. Infelizmente, a Rússia, apesar de dizer que considera a possibilidade de um cessar-fogo ou de negociações, continua - e deixe-me ser muito direto -- com as matanças, porque não encontro outro termo para ataques contra civis nas principais cidades ucranianas, como Kiev, Kharkiv, Kherson, Zaporijia e Dnipro", afirma.
Deplorando também a forma como os prisioneiros de guerra ucranianos são "permanentemente torturados, fisicamente e moralmente", o embaixador aborda de seguida uma das atrocidades que considera estar ao nível "dos piores exemplos medievais", o das "crianças raptadas pela Federação Russa para serem doutrinadas", que se estima rondarem as 19 mil.
Apontando que os russos "são mestres" na forma de executar esses raptos e deportações forçadas e ilegais, relata que muitas vezes "as pessoas são mortas e as crianças levadas", mas "também há outras formas de as 'roubar'", explicando que, por exemplo, os russos "usam os chamados campos de verão para convidar crianças dos territórios ocupados para participarem nestes campos, e as crianças nunca regressam".
No processo de "doutrinação", prossegue, a Federação Russa tenta apagar todas as raízes ucranianas e "ensina a sua versão da História".
"Uma pessoa disse uma vez que todos os países têm um futuro imprevisível, mas só há um país que tem um passado imprevisível: é a Rússia. Porque os livros [de História] são reescritos cada vez que a situação o exige", comenta.
Admitindo que é muito difícil obter e recolher informação sobre os casos das crianças raptadas, Yevhenii Tsymbaliuk considera, no entanto, que todos os dados recolhidos "já permitem colocar [o Presidente russo] Vladimir Putin e a senhora [comissária de direitos da criança da Rússia, Maria] Lvova-Belova sob investigação", tendo de resto levado o Tribunal Penal Internacional a emitir mandados de detenção contra ambos.
Neste contexto, o embaixador ucraniano expressou a sua gratidão "a todos os organismos da ONU que estão ativamente a monitorizar a situação", particularmente a Missão de Observação dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia -- "sempre dos primeiros a chegar para testemunhar com os próprios olhos, registar e reportar o que acontece no terreno" -, mas também o Alto Comissariado das Nações Unidas para a Ucrânia e a Comissão Internacional Independente de Inquérito da ONU sobre a Ucrânia.
"É muito importante, porque o facto de a informação vir da ONU, assim como a metodologia utilizada, torna-a inquestionável. Estamos muito gratos pelo seu trabalho", declara.
De acordo com dados divulgados esta semana pelas Nações Unidas, desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, pelo menos 13.279 civis, incluindo 707 crianças, foram mortos. O número confirmado de civis feridos é de 32.449, incluindo 2.068 crianças.
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