"Ninguém questiona que, mais cedo ou mais tarde, voltaremos a ser confrontados com outro vírus pandémico. Por definição, cada dia que passa estamos um dia mais perto de uma nova pandemia, embora não seja possível prever ao certo quando ocorrerá", diz, à Lusa, o parasitologista Miguel Prudêncio, investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
A pandemia de covid-19, causada pelo coronavírus respiratório SARS-CoV-2, foi declarada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020 e, de acordo com dados comunicados à agência da ONU, já matou mais de sete milhões de pessoas, entre os mais de 700 milhões de infetados.
Decorridos cinco anos, a Lusa procurou saber junto de cientistas portugueses qual o risco e as razões do aparecimento de uma nova pandemia.
Segundo a geneticista Luísa Pereira, há "várias razões a contribuir para o risco elevado de pandemias". Uma delas é a "cada vez maior globalização e destruição de ambientes naturais, que potenciam o 'salto' de agentes patogénicos de outros organismos para humanos".
A investigadora do i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, que lidera o grupo que estuda a diversidade genética, elenca também as alterações climáticas, que aumentam a distribuição de mosquitos, moscas, carraças, pulgas, que transportam microrganismos patogénicos, como bactérias, fungos, vírus, parasitas, para "populações até agora 'naifs'".
Foi o que sucedeu no "caso dos surtos autóctones de dengue na ilha da Madeira, em países do sul da Europa e em estados do sul dos Estados Unidos", ilustra.
O bioquímico Miguel Castanho assinala que "os desequilíbrios ecológicos podem favorecer novas pandemias", uma vez que os vírus "fazem parte de equilíbrios ambientais e estão fortemente correlacionados com o que acontece com populações de fungos".
"A destruição de grandes 'habitats' naturais, como a Amazónia, pode ter custos elevadíssimos, não só na forma de eventos climatéricos extremos, como em pandemias", adverte o docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular.
Basicamente, segundo Miguel Castanho, a pandemia de covid-19 acordou o mundo de "uma longa ilusão", a de que os microrganismos que causam doença "estavam derrotados".
"Todos sabemos" que uma nova pandemia "pode acontecer e devemos estar preparados e prontos quando acontecer", sublinha.
Para a imunologista Helena Soares, sim, está-se mais perto do que nunca de uma nova pandemia.
"Devido à combinação de fatores ambientais, como a destruição de ecossistemas e a sua urbanização, aliada ao trânsito global de pessoas e mercadorias, o que aumenta a exposição a agentes infecciosos novos como já estabelecidos", justifica.
A investigadora do laboratório de Imunobiologia e Patogénese Humana da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa lembra a este propósito que, depois da covid-19, emergiram infeções pelo vírus 'mpox' e "focos preocupantes" de gripe das aves e reemergiram infeções por dengue, sarampo e difteria.
Helena Soares acrescenta um outro fator que pode colocar o mundo "mais perto" de uma nova pandemia, a complacência.
"Não só face à vacinação, mas também a outras medidas preventivas", como ficar em casa e usar máscara quando uma pessoa adoece com uma patologia infetocontagiosa.
Aos descrentes das vacinas, a geneticista Luísa Pereira deixa um alerta.
"As pessoas têm memórias muito curtas, infelizmente. A elevada taxa de vacinação em meados do século XX protegeu-nos imenso contra a maioria das doenças infecciosas, deixámos de ver pessoas doentes e a morrer com estas doenças. Os pais deixam de vacinar os filhos, as doenças aparecem novamente e não vão ficar confinadas a um país".
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