"As gerações mais velhas tinham mais 'soft skills' e não sabiam"

Pedro Silva escreveu o livro 'Soft Skills para Todos', mais competências e menos desculpas. O autor afirma que "as 'soft skills' são acessórias, mas, no trabalho diário, são fundamentais".

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Maria Gouveia
22/10/2024 08:30 ‧ 22/10/2024 por Maria Gouveia

Economia

Livros

'Soft Skills para Todos' é um livro de Pedro Silva, um especialista em desenvolvimento pessoal que já trabalhou com cerca de 150 empresas, nacionais ou internacionais. O autor falou com o Notícias ao Minuto sobre porque é que as 'soft skills' são tão importantes em contexto laboral e de que forma a ausência destas competências sociais pode levar "ao desgaste das relações profissionais” ou “aos problemas de produtividade”.

 

Pedro Silva adianta que "no pós-contratação, as 'soft skills' acabam por ter um papel muito mais importante do que tiveram no processo de recrutamento". Afirma que neste processo, estas competências pessoais "são acessórias, mas no trabalho diário são fundamentais". Destaca também as gerações mais novas, referindo que as mesmas, na sua opinião, desenvolvem as 'soft skills' mais tarde.

Com base na sua experiência, afirma que, em Portugal, "ainda somos um pouco resistentes à ideia de criar e inovar antes de ser necessário". 

Muitas vezes, aquilo que leva ao desgaste de relações profissionais, aos problemas de produtividade, às dificuldades das pessoas se sentirem bem ao longo dos anos nas empresas são, sobretudo, competências pessoais, como a inteligência emocional, gestão de tempo e organização do trabalho

Como é que surgiu a ideia de escrever o livro?

A ideia foi surgindo, creio que não existiu um momento. A ideia foi surgindo em função do trabalho que vou fazendo que é, sobretudo, profissional - formação em desenvolvimento pessoal e programas de 'team building'. Desenvolvi as minhas ideias, fui aprendendo e, a certa altura, comecei a organizar estas ideias e percebi que era interessante organizá-las em forma de livro e fazê-las chegar a um maior número de pessoas. Gosto de escrever e, por isso, foi relativamente fácil passar dos conteúdos das formações e das palestras para um formato de livro. Faltava depois a oportunidade que surgiu com um convite do Manuel Andrade, da Idioteque, para nos sentarmos e conversarmos sobre o que poderia ser feito para criarmos um livro. Assim surgiu o ‘Soft Skills para Todos’.  

Afirma que "nove em cada 10 profissionais são contratados pelo currículo (hard skills) e demitidos pelos comportamentos (soft skills)". Há um divisor geracional ou é algo que acontece desde sempre?

Aquilo que existe entre o momento em que as pessoas são contratadas e o que é valorizado nesse momento (da contratação) é sobretudo técnico, funcional. São as 'hard skills' que as pessoas precisam, que as pessoas têm para exercer a profissão que são importantes. Depois tentamos acrescentar-lhes algumas ideias sobre 'soft skills'. Diria que à medida que as pessoas vão trabalhando (no pós-contratação), as 'soft skills' acabam por ter um papel muito mais importante do que tiveram no processo de recrutamento. [Num processo de recrutamento] diria que as 'soft skills' são acessórias, mas, no trabalho diário, são fundamentais.

Muitas vezes, aquilo que leva ao desgaste de relações profissionais, aos problemas de produtividade, às dificuldades das pessoas se sentirem bem ao longo dos anos nas empresas são, sobretudo, competências pessoais, como a inteligência emocional, gestão de tempo e organização do trabalho. Tudo isto acaba por impactar, brutalmente, a vida profissional, assim como o quotidiano das pessoas, o que pode levar, muitas vezes, a rupturas e a saídas das empresas ou organizações. 

Aquilo que vemos hoje em dia, é que as gerações mais jovens têm a nível social, particularmente, menos 'soft skills'. Desenvolvem-nas mais tarde, mas sabem que existem

A questão geracional é muito interessante. Na minha perspectiva, as gerações mais velhas tinham mais 'soft skills' e não sabiam que as tinham. Vivia-se e crescia-se de forma diferente. Crescia-se na rua, crescia-se em comunidade e, portanto, havia um conjunto de competências pessoais e sociais que eram mais desenvolvidas, mais cedo e mais estimuladas.

Aquilo que vemos hoje em dia, é que as gerações mais jovens têm a nível social, particularmente, menos 'soft skills'. Desenvolvem-nas mais tarde, mas sabem que existem. Embora tenham, mais do que nunca, acesso a este tipo de informação, provavelmente, desenvolvem-nas mais tarde e, muitas vezes, desenvolvem-nas quando entram no mercado de trabalho ou quando chegam ao ensino superior e têm a necessidade de as ter e, por isso, começam a desenvolvê-las muito mais em função do imediato da necessidade urgente de as aplicar, não tendo havido um caminho mais calmo de as desenvolver ao longo dos anos. 

Vou encontrando em empresas que têm, maioritariamente, colaboradores jovens - por exemplo, a Geração Z - que têm perfis diferentes, lidam de forma diferente com as relações profissionais, com as prioridades - por exemplo, a definição dos objetivos que fazem para as suas carreiras, a forma como veem o trabalho. Vejo muitas diferenças aí. 

A capacidade de gestão de tempo também é muito importante. Saber fazer o trabalho no tempo que tem e não levar trabalho para casa, responder e-mails fora de horas…

Quais os comportamentos mais comuns que podem levar ao despedimento e que as pessoas podem nem aperceber-se?

Muitas vezes, estes comportamentos estão associados, não às competências, mas a algumas incompetências. Isto é, à falta de 'soft skills'.

Por exemplo, pode estar associado à motivação. Quando nós começamos um novo desafio profissional é normal que, no início, tenhamos expectativas. Se estas expectativas forem bem geridas pela empresa, pelas chefias, a tendência é que isso regule a nossa motivação de uma forma mais constante. Quando isto não é feito pode haver responsabilidade de ambas as partes. Do colaborador que pode ter expectativas irrealistas e da empresa ou organização porque não chama à terra algumas dessas expectativas. O que acontece é que temos picos muito altos e vales muito fundos. A inconstância, a longo ou médio prazo - a pessoa está extremamente motivada, mas a expectativa não se concretiza e, por isso, a motivação cai. Há uma reunião de feedback e a motivação volta a subir - não é sustentável. Esta inconstância não vai ser positiva, nem agradável para nenhuma das partes. 

A inteligência emocional é outro exemplo. O stress. Nós trabalhamos com stress, a nossa vida tem stress, temos a necessidade de cumprir com resultados. Temos que saber manter-nos em equilíbrio, gerir as frustrações. Gerir também [as emoções] quando as coisas nos correm bem. Há pessoas que são extremamente competentes do ponto de vista técnico, mas podem ter dificuldades em gerir estas emoções e, se eu tenho um colaborador competente tecnicamente, mas não consegue gerir frustrações, não se consegue equilibrar, a relação profissional vai ter problemas. E porquê? Porque vou ter de contratar alguém que tenha este equilíbrio, o que é muito difícil quando exijo pessoas experientes, mas em início de carreira, quero pagar pouco e que tenha um grande nível de 'hard' e 'soft skills'. Isto acontece no mercado de trabalho. Temos de saber escolher as pessoas com os perfis e competências que se encaixam nas funções. 

A capacidade de gestão de tempo também é muito importante. Saber fazer o trabalho no tempo que tem e não levar trabalho para casa, responder e-mails fora de horas…

Teletrabalho? Quando nós não conhecemos a pessoa, é mais difícil chegar a uma relação profissional com quem está do outro lado. Ficamos na defensiva, temos medo do que o outro vai pensar, há menos trabalho em equipa e partilha. Isto pode reduzir o valor que traz para a empresa. 

Como é que o teletrabalho, por exemplo - preferido pelas gerações mais jovens - influencia a capacidade de desenvolver 'soft skills'?

É um tema muito atual. Trabalho com muitas empresas que têm pessoas em teletrabalho e falo também sobre isso no livro. Por um lado, a capacidade de adaptação que muitos colaboradores têm e até têm preferência por este regime de trabalho remoto porque isso lhes permite articular melhor a vida profissional e a vida pessoal, familiar e, por isso, adaptam-se bem a este regime. No entanto, há pessoas que têm mais dificuldades e, por isso, é necessário perceber o que é que funciona para cada pessoa, para cada perfil do colaborador e a capacidade de adaptação e gestão de mudança é fundamental. Esta é uma das competências que também está no livro.

Depois temos a produtividade e a gestão de tempo. Há pessoas mais produtivas quando trabalham em equipa, pela partilha, pela forma de como se geram novas ideias, como em equipa chegamos a soluções que, se calhar, individualmente teríamos mais dificuldade. Depois há também o tema que está na perspetiva de quem gere equipas, empresas com trabalhadores em trabalho remoto, que é o relacionamento interpessoal. A dificuldade das pessoas se conhecerem e de ficarem mais confortáveis em pedir ajuda a um colega, partilhar um documento. Quando nós não conhecemos a pessoa - o que acontece nas empresas - é mais difícil chegar a uma relação profissional com quem está do outro lado. Ficamos na defensiva, temos medo do que o outro vai pensar, será que ele vai aceitar o nosso pedido, há menos trabalho em equipa e partilha. Isto pode reduzir o valor que traz para a empresa. 

Quando eu deixo de fazer a minha parte, quando eu baixo os braços, quando aceito esta desmotivação e aceito que é natural trabalhar desmotivado e que o outro é que me devia motivar, assumo que não tenho um papel ativo na minha motivação. E tenho!

O que quer dizer com "menos desculpas" ao pedir "mais competência"? Pode dar exemplos?

Fazendo bem e focando-nos em fazer bem vamos usar menos desculpas.

Por exemplo, a motivação. No meu livro falo sobre alguns mitos associados a estes temas. Há muito a desculpa de 'Ah, estou desmotivado porque o meu chefe não me motiva’ ou ‘a empresa não me está a dar todas as condições que eu preciso para fazer um bom trabalho', eu falo sobre a importância de desmistificar esta desculpa. Só é uma desculpa quando eu faço a minha parte também. Quando eu deixo de fazer a minha parte, quando eu baixo os braços, quando aceito esta desmotivação e aceito que é natural trabalhar desmotivado e que o outro é que me devia motivar, assumo que não tenho um papel ativo na minha motivação. E tenho!

Só posso usar essa desculpa quando estou do lado da solução e não quando aceito colocar-me no lado do problema. Eu tenho que fazer tudo o que posso e que depende de mim para renovar a minha motivação, descobrir motivações novas e manter-me num campo de intervenção positiva. Assumir que se os outros não me motivam, eu nunca posso estar motivado, não é correto.

Sinto que as empresas multinacionais - empresas que têm pessoas de diferentes origens, culturas - são empresas mais disponíveis

Já trabalhou com empresas nacionais e internacionais. Qual é a diferença entre Portugal e outros países?

Trabalho com empresas públicas e privadas. Empresas com 10 ou mil pessoas. Multinacionais ou empresas muito locais. Há uma grande diversidade e encontro muitos pontos comuns, mas acredito que há também uma diferença que se vai notando, que é ao nível da criatividade e inovação. Sinto que as empresas multinacionais - empresas que têm pessoas de diferentes origens, culturas - são empresas mais disponíveis. Ou pelo menos, conseguem fazê-lo de uma forma mais dinâmica na aceleração da criatividade e da inovação ao lidar com este tema na empresa.

Culturalmente, diria que em Portugal ainda somos um pouco resistentes a esta ideia de criar e inovar antes de ser necessário. A criatividade é um processo, leva tempo até otimizarmos um produto ou um serviço para estar no mercado e com sucesso. Se começar antes do necessário, estou em vantagem porque vou melhorando e otimizando até que o cliente precise. Em Portugal, ainda somos um pouco conservadores a este nível porque pensamos 'se está a funcionar, não há necessidade de mudar'. 

Acredito que as multinacionais valorizam mais 'ok, vamos inovar, mesmo que não seja preciso para já, vamos inovar. Vamos ouvir pessoas, vamos pensar fora da caixa'. Penso que esta pode ser uma pequena diferença entre as empresas multinacionais e empresas mais locais. 

Este equilíbrio entre o que eu penso sobre as minhas competências e o que pensam as pessoas que trabalham comigo é muito importante

No livro fala em "conhecer sete 'soft skills'". Como é que se trabalha isto, tendo em conta que algumas destas soft skills podem estar associadas à personalidade da pessoa?

O livro tem sete competências. Sete 'soft skills' - motivação, atitude positiva, etc - que são competências pessoais. O livro está organizado em competências que nós usamos connosco, para nos conhecermos melhor, o autoconhecimento. Estas 'skills' estão muito associadas àquilo que somos, a nossa personalidade, experiência de vida que fomos acumulando ao longo dos anos e aos momentos e desafios que temos neste momento para superar. 

O livro tem momentos de reflexão, tem exercícios para preenchermos e para fazermos um ponto de situação: ‘Quais são as competências que tenho?’, 'Qual é o meu nível, qual é a minha perceção de competência aqui?’. Lanço até o desafio de alguém que nos conhece bem fazer também essa avaliação nessa competência. Eu posso achar que sou muito bom a gerir o tempo e um colega de trabalho dizer ‘olha, acho que podes melhorar bastante a este nível. Às vezes, chegas tarde. Por vezes, não entregas a tempo’. Este equilíbrio entre o que eu penso sobre as minhas competências e o que pensam as pessoas que trabalham comigo é muito importante. Analisam o nosso comportamento o que é muito importante para o nosso autoconhecimento. 

Apresento também várias dicas, truques e ferramentas em todas as competências. Pretendo que o livro seja útil e prático nas questões do dia a dia. Nesta reflexão, há também a aplicação. O propósito é levar estas competências mais desenvolvidas para o nosso dia a dia. Uns vão estar mais sensíveis a elas e até já as dominam e outros de nós não vão estar tanto por uma questão de personalidade, de estilo de vida até. 

Por isso, as 'soft skills' sendo para todos não têm que ser todas para todos agora. Ou seja, há soft skills que podem fazer sentido hoje e há outras que podem fazer sentido daqui a um ano porque mudei de emprego, porque estou numa fase de vida diferente.  

O livro permite-nos começar por qualquer competência e capítulo. Está associado à personalidade, aos momentos que vivemos, às competências que já temos ou àquelas que precisamos de desenvolver no caminho que queremos fazer. 

Diz que o livro vai inspirar pessoas a "querer ser melhor e fazer mais". De que forma?

O autoconhecimento é um ponto essencial. Se cada pessoa preencher ou até fazer este exercício vai retirar o máximo de benefício do livro e das ideias que lá estão. Acredito que seja uma parte importante. 

No livro, em cada capítulo, recomendo um filme ou outro livro específico sobre um tema, que pode acrescentar muito e inspirar a pessoa. Outro ponto importante é a nossa capacidade de olharmos para as pessoas à nossa volta e para os desafios que vamos vivendo. Todos nós conhecemos excelentes exemplos destas 'soft skills' também. Todos nós conhecemos pessoas extremamente motivadas, cheias de energias. Todos conhecemos pessoas extremamente criativas e que têm sempre uma nova solução quando surge um problema inesperado. É a capacidade de olharmos para pessoas que fazem parte das nossas vidas como excelentes exemplos e como fontes de inspiração. Acredito que este livro nos pode ajudar a olhar para essas pessoas e a identificá-las também. 

"Técnicas e exercícios que permitem muscular as competências pessoais e sociais, cruciais para enfrentar um mundo cada vez mais exigente". Quais são estas novas exigências? 

Estas exigências estão presentes na nossa vida social, pessoal e profissional e tem muito que ver com o contexto e circunstâncias em que atualmente vivemos. Vivemos numa era que já não é a ‘era da informação’. Este ciclo decorreu nos últimos 20 anos em que nós passamos a ter, através da internet, informação disponível rapidamente e em qualquer lugar do mundo. Temos acesso à informação como nunca tivemos. O que precisamos de desenvolver, e estamos nessa era agora, é a nossa capacidade de atenção, de processar informação e de gerirmos a nossa atenção sobre aquilo que vale a pena.

Temos muitos estímulos à nossa volta, vivemos a um ritmo rápido e acelerado e temos que aumentar a nossa capacidade de foco. A nível profissional, porque temos muitas coisas a acontecer, prazos muito urgentes e, por isso, temos de ter capacidade para gerir isso e também nas nossas relações. Somos capazes de estar a jantar com um colega e estamos mais tempo no telemóvel do que a dar atenção ao nosso colega, por exemplo. A nossa capacidade de foco e atenção é, neste momento, uma competência muito importante. No livro também partilho algumas dicas em relação a este tema e a como podemos fazer mais, fazer melhor  e não, necessariamente, preenchendo mais as nossas vidas, mas percebendo que temos de filtrar, que temos de tomar decisões, que temos de fazer escolhas.

"É sobretudo um livro sobre como fazer e não sobre o que fazer". Porquê? 

É importante explicar e ajudar as pessoas em relação ao 'como'. Qualquer pessoa - e não é preciso ser um entendido - pode dizer 'ok, é importante saber gerir as emoções'. O que é que tenho de fazer? Gerir as emoções. Mas, a grande questão é não é essa. É: ‘como é que eu o faço? como é que me mantenho equilibrado numa circunstância de desequilíbrio, de tensão? Porque eu sei que tenho de gerir emoções. A grande questão é como é que eu o posso fazer.

No livro, os momentos de reflexão, as dicas, os exercícios facilitam isso. Facilitam esta passagem para ‘então se eu tenho de me manter equilibrado emocionalmente, preciso de saber quais são as emoções, como é que se manifestam’. Preciso de ter pequenos truques e dicas quando tenho uma emoção a dominar o meu comportamento ou a minha comunicação: ‘que emoção é esta? porque é que esta emoção aparece? como é que posso travá-la? como posso substituí-la?’. Podemos recorrer a imagens, a palavras-chave ou recorrer a situações que estão na nossa memória.

No livro, desafio a que encontrem as suas memórias e aí tem de ser mesmo trabalho de cada um. Uma palavra chave que faz sentido para mim, pode não fazer sentido para outra pessoa. 

O importante é que cada um de nós faça o trabalho de descobrir o que funciona, fazer a introspecção para ter essa ferramenta e a poder usar no momento certo. 

Leia Também: 'Soft Skills': Arranjou emprego pelo CV? Não seja despedido pela atitude

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