No final de setembro, a criadora de conteúdos Júlia Mantero Belard partilhou um vídeo nas suas redes que se tornou viral. A pressão que, muitas vezes, a mulher sofre do grupo de amigos, família e pela sociedade em geral foi o mote. "Ainda a amamentar?", "tanto colo?", "dorme com o bebé?", foram algumas das frases que colou na zona por cima do peito.
"O peso do nosso mundo, por inteiro", escreveu na publicação.
Toda esta pressão pode ser desencadeadora de depressão e ansiedade, o que acaba por ser mais desafiante para uma mãe, numa altura quem que está a lidar com alterações no corpo, nas hormonas, tem um ser a crescer dentro de si ou já a lidar com todos os desafios da maternidade.
Neste Dia Mundial da Saúde Mental, que se assinala esta quinta-feira, 10 de outubro, o Lifestyle ao Minuto falou com a psicóloga clínica Cláudia Alves, especialista das Conversas com Barriguinhas, para perceber os problemas e as questões pelas quais as mulheres passam na gravidez e no pós-parto.
Existem situações que as mães devem procurar ajuda, mas também é importante o papel de toda a família e dos que a rodeiam para evitar casos mais graves.
Cláudia Alves é psicóloga clínica e especialista das Conversas com Barriguinhas© Clínica Pediátrica de Caldas da Rainha
"Os familiares deverão, não só, estar atentos ao bebé pela novidade de acolher e participar nos cuidados do novo elemento da família, mas também estar atentos à adaptação da nova fase da vida dos pais", explica a psicóloga.
A grande especificidade da depressão na gravidez e no pós-parto, não é apenas ocorrer nessa fase da vida, como ter como característica a insegurança na capacidade de ser mãe
Como é que uma mãe percebe que precisa de algum tipo de ajuda para lidar com toda a pressão que possa estar a passar?
A gravidez e o puerpério são fases do ciclo da vida em que é necessária grande adaptação, sendo por isso fundamental mobilizar todas as estratégias para lidar com os desafios que surgem, bem como recorrer à resiliência pessoal. Muitas mulheres que já apresentam fragilidades emocionais, ao percecionarem os desafios que advirão, e a consequente necessidade de resiliência que necessitam de ter, procuram apoio psicológico. Porém, muitas vezes, é a rede social, ou seja, os familiares e amigos próximos, que percebem que a mãe está frágil e aconselham ajuda. A rede social de apoio deve ser isso mesmo, um apoio e suporte. Os profissionais de saúde estão também alerta para a saúde mental, contudo os momentos de contacto são efémeros, como a consulta de revisão do parto ou do peso do bebé, não sendo por vezes possível verificar a fragilidade emocional, uma vez que o início poderá despoletar na 10º semana após o parto.
Seja por pressão social ou da família, uma mãe pode acabar por sentir que não está a fazer o que é certo para os seus filhos?
A grande especificidade da depressão na gravidez e no pós-parto, não é apenas ocorrer nessa fase da vida, como ter como característica a insegurança na capacidade de ser mãe e de corresponder às necessidades do bebé.
A prevalência da depressão pós-parto é de 20% nas mães e de 10% nos pais, uma vez que não se pode desvalorizar a necessidade de adaptação dos homens também à paternidade, sendo que se estima que apenas 50% dos casos de depressão pós-parto são realmente identificados e diagnosticados
Uma depressão pós-parto é algo muito comum? O que pode levar a esta situação?
A prevalência da depressão pós-parto é de 20% nas mães e de 10% nos pais, uma vez que não se pode desvalorizar a necessidade de adaptação dos homens também à paternidade, sendo que se estima que apenas 50% dos casos de depressão pós-parto são realmente identificados e diagnosticados. Os fatores de risco que predispõem à ocorrência de depressão pós-parto são: a variável biológica, o percurso obstétrico da gravidez e do parto, a autoestima materna e auto criticismo, o stress, a inexistência ou fragilidade da rede de suporte social, o relacionamento conjugal, as dificuldades socioeconómicas, acontecimentos de vida, relacionamento com a própria mãe, o temperamento do bebé e estado de saúde do mesmo.
Quais são os primeiros sinais a ter em conta e que as mães devem estar atentas?
Os sintomas poderão ser variáveis, idênticos à depressão em qualquer outra fase da vida: humor disfórico como tristeza e labilidade emocional, ansiedade, irritabilidade, choro frequente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse pelas atividades do quotidiano, desinteresse sexual, transtornos alimentares, alterações do sono, sensação de ser incapaz de lidar com novas situações, queixas psicossomáticas, auto reprovação e pessimismo, possibilidade de existência de ideação suicida e perda significativa de auto-estima. Verifica-se ainda a especificidade de pensamentos intrusivos sobre a segurança da criança, sentimentos de culpa relativamente ao papel maternal, pensamentos recorrentes em causar danos ao bebé e pensamentos de incapacidade e inadequação da melhor maneira de lidar com o bebé.
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Como é que pode ser feito um diagnóstico?
O diagnóstico deverá ser analisado e efetivado junto de um profissional de saúde mental, que deverá indicar avaliação por um psicólogo ou psiquiatra. Há escalas específicas para aferir sintomas de depressão pós-parto.
Estima-se que a prevalência de depressão pós-parto em Portugal seja de 12,4%, na semana que se segue ao parto
É algo muito comum em Portugal?
Estima-se que a prevalência de depressão pós-parto em Portugal seja de 12,4%, na semana que se segue ao parto, e 13,7% nos três meses seguintes, sendo aproximadamente duas vezes superior à prevalência dos homens.
Pode acontecer só no primeiro filho ou noutras gestações?
É possível em qualquer gravidez, seja na primeira ou seguintes gestações, dependendo da incidência dos fatores de risco nos diversos momentos da vida.
Também se fala muito de 'baby blues'. Existem diferenças em relação a uma depressão pós-parto?
O 'baby blues' tem início no 3.º ou 4.º dia de puerpério e pode ter a duração de horas e raramente permanece mais de dois dias. Já a depressão pós-parto, surge da primeira semana após o parto até ao 3.º ou 4.º mês e pode perdurar até dois anos. É considerada então uma perturbação de humor natura, transitória e adaptativa, sendo a sua incidência cerca de 40% a 60% das mulheres. Esta surge na sequência das variações hormonais que ocorrem na mulher no momento que se segue ao parto, ou seja, a queda de progesterona, a baixa de estrogénios e o aumento de prolactina e de problemas emocionais durante a gravidez e algumas características da personalidade, como ansiedade e reações negativas relativas ao parto. Os sintomas são a labilidade emocional, humor deprimido, crises de choro, irritabilidade, ansiedade, indisposição, insegurança, fadiga, insónia, perda de apetite, fragilidade, hiperemotividade e sentimentos de incapacidade.
Como é que os familiares podem ajudar a mãe numa situação destas?
Os familiares deverão, não só, estar atentos ao bebé pela novidade de acolher e participar nos cuidados do novo elemento da família, mas também estar atentos à adaptação da nova fase da vida dos pais, suportando-os quando estes solicitam ou quando verificam sofrimento emocional.
Quando é que deve ser procurada ajuda?
A ajuda deverá ser procurada assim que são identificadas as oscilações emocionais persistentes e duradouras, a necessidade de isolamento ou diminuição do autocuidado, os sentimentos de incapacidade em relação ao papel de mãe/pai e pensamentos persistentes de causar danos a si ou ao bebé.
Como pode ser feito o tratamento?
O tratamento poderá ser feito através de psicofármacos, psicoterapia e intervenções psicossociai, como aulas de preparação e/ou recuperação do parto, de forma isolada ou combinada.
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Existem formas de prevenir esta depressão?
O conhecimento e análise dos fatores de risco psicossociais existentes em cada pessoa são a chave para a prevenção da depressão, pois são criadas estratégias para que os mesmos causem o menor impacto possível na adaptação à gravidez e ao puerpério.
Cada mãe deverá ter a convicção de que mobilizou todos os seus conhecimentos e recursos para proporcionar ao seu filho todo o confortoQuais são os principais temas/assuntos que podem levar uma mãe à depressão? A amamentação, por exemplo?
Todos os fatores de risco descritos anteriormente poderão ser a alavanca para que se desencadeie a depressão pós-parto. Na amamentação, para além das alterações hormonais decorrentes, poderá ser uma situação que despolete o sentimento de incapacidade, neste caso de alimentar e nutrir adequadamente o bebé e, assim, de corresponder às suas necessidades mais básicas, conduzindo a uma crença de incapacidade de ser 'boa mãe'.
Uma mãe pode sentir-se culpada por achar que está a fazer tudo o que é certo para o bem-estar do seu filho?
As mães poderão sentir-se culpadas sobretudo ao sentir que não estão a corresponder adequadamente às necessidades do filho, surgindo a crença de que são 'más mães'. Poderão, no entanto, acreditar que estão a canalizar todos os seus recursos para corresponder, mas perante, por exemplo, um bebé com um temperamento mais instável, que chora muito ou dorme pouco, poderão sentir que não têm capacidades suficientes. É importante guardar o conceito de 'mãe suficientemente boa' ao invés de 'boa mãe' ou 'má mãe', pois cada mãe deverá ter a convicção de que mobilizou todos os seus conhecimentos e recursos para proporcionar ao seu filho todo o conforto, segurança e estímulo necessário ao seu bem-estar e desenvolvimento saudável.
Por vezes, estes problemas podem surgir apenas pela mãe, pelas alterações no corpo e hormonais por que está a passar?
A variável biológica apresenta-se como um fator de risco, pelo que as alterações físicas e hormonais poderão, por si só, despoletar perturbações mentais relacionadas com a gravidez e pós-parto, como a depressão na gravidez, 'baby blues', depressão pós-parto e até psicose puerperal.
A ansiedade acaba por ser uma reação natural ao stress do dia a dia? É algo que muitas mulheres acabam por sentir logo na gravidez?
A ansiedade, na sua generalidade, ocorre pela antecipação de situações em que é necessário recorrer à capacidade de adaptação a algum processo evolutivo, como uma alteração de emprego, por exemplo. A gravidez é um exemplo de fase em que nos propomos a realizar uma grande adaptação e transição no estilo de vida, pelo que acarreta inevitavelmente ansiedade mais ou menos adaptativa, dependendo das características psicossociais de cada pessoa.
Como lidar com essa ansiedade na gravidez e depois do pós-parto?
Uma das melhores formas de lidar com a ansiedade é procurar informação de forma a aumentar os conhecimentos e estratégias que auxiliem na adaptação, por exemplo através dos cursos de preparação do parto e junto dos profissionais de saúde que acompanham a gravidez. Frequentemente, as grávidas procuram também relatos de outras mulheres, amigas e familiares. Devemos ter em atenção que as experiências e perceção dos acontecimentos variam de pessoa para pessoa, pelo que as experiências nunca serão exatamente iguais e, mesmo que tentemos seguir o exemplo de alguém e controlar dessa forma a vivência da experiência devemos considerar que cada bebé terá o seu temperamento e será uma descoberta conhecer as características de cada bebé.
De que forma é importante uma mãe proteger a sua saúde mental?
É importante proteger a nossa saúde mental em qualquer fase da vida. Nesta fase, acresce o facto de esta poder ter influência no desenvolvimento do bebé. Uma mãe emocionalmente instável poderá ter alguma dificuldade em tornar-se tão alerta para os sinais de necessidades do seu bebé ou com menos predisposição para o estímulo do mesmo, podendo ter repercussões no desenvolvimento e no estilo de vinculação entre mãe e bebé, por exemplo, o bebé sentir-se tranquilo e seguro junto da sua mãe, aumentando o choro como pedido de atenção da mãe e, como num círculo vicioso, a crença negativa da mãe de não corresponder às necessidades do bebé.
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Serviços telefónicos de apoio emocional em Portugal
SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) - 213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660
Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159
SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545
Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707
Telefone da Amizade (entre as 16 e as 23 horas) – 228 323 535
Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
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