Cancro do ovário: "Não é verdade que seja fatal, há hipótese de cura"

Esta quinta-feira, assinala-se o Dia Mundial do Cancro do Ovário. O Lifestyle ao Minuto falou com a ginecologista Mónica Pires para perceber mais sobre a doença e dar algum sinal de esperança nos casos em que o diagnóstico é positivo.

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Adriano Guerreiro
08/05/2025 08:43 ‧ há 9 horas por Adriano Guerreiro

Lifestyle

Dia Mundial do Cancro do Ovário

Segundo dados do Global Cancer Observatory, o número de casos de cancro do ovário tem aumentado em Portugal em comparação com outros países europeus. Poderá existir alguma razão que o explique? É também uma doença fatal ou causada pelo uso da pílula?

 

Esta quinta-feira, 8 de maio, assinala-se o Dia Mundial do Cancro do Ovário. O Lifestyle ao Minuto entrevistou a ginecologista Mónica Pires, da Sociedade Portuguesa de Ginecologia para perceber melhor alguns destes mitos, bem como alguns sintomas e que formas de tratamento existem.

"Existe a ideia que ter cancro do ovário é fatal, tal não é verdade para muitas mulheres, havendo a possibilidade de cura", revelou Mónica Pires.

O diagnóstico precoce é algo importante, mas muitas vezes os sintomas acabam por ser desvalorizados pelas mulheres. "A doente acaba por desvalorizar os sintomas, porque os interpreta como causados por outras afecções."

A família e os amigos próximos são sempre um grande apoio que é preciso ter nestes casos. "Ao sentir-se apoiada, ao saber que as suas responsabilidades como mulher, profissional e mãe serão temporariamente partilhadas por outros elementos da família, é um fator tranquilizador e favorece a adesão aos tratamentos propostos."

Notícias ao Minuto Mónica Pires faz parte da Sociedade Portuguesa de Ginecologia © Sociedade Portuguesa de Ginecologia  

O que pode explicar o aumento de casos de cancro do ovário nos últimos anos em Portugal?

Podemos pelo menos dizer que os dados, não apontam para um decréscimo significativo, ao contrário de outros países europeus, como a Suécia e a Alemanha.  De uma forma geral, a prevalência de vários tipos de cancro tem vindo a aumentar, por múltiplos fatores, sendo o mais óbvio o envelhecimento da população. O cancro do ovário ocorre sobretudo em mulheres adultas, sendo mais frequente após os 50 anos. O cancro do ovário não é uma entidade única, e portanto os fatores de risco podem variar conforme o tipo histológico.

No global, podemos afirmar que o risco de ter cancro do ovário aumenta com o tabagismo, a obesidade e o sedentarismo. Há contudo uma população com risco mais significativo, que são as mulheres portadoras de variantes genéticas patogénicas associadas a um elevado risco para desenvolver cancro do ovário. Curiosamente, são fatores protetores  a contracepção oral, ou seja a pílula, e o número de gravidezes, tendo um efeito que perdura no tempo. O número de filhos tem vindo a diminuir e a utilização de contracepção oral é atualmente questionada por muitas  mulheres jovens, muitas vezes desconhecedoras de mais esta vantagem da sua utilização.  

Pode estar relacionado com algum aumento de testes e de diagnósticos?

O diagnóstico do cancro do ovário é feito por histologia, ou seja, exige uma biópsia. Atualmente, temos mais marcadores histológicos que permitem atribuir a origem ovárica a cancros avançados. O ovário apresenta-se em mais de dois terços das vezes com metástases para além do ovário, muitas vezes com vários implantes intra-abdominais ou ganglionares, e em alguns casos até com pouca expressão imagiológica próprio ovário.

É importantíssimo o diagnóstico correto, porque vai condicionar toda a proposta de tratamento e o prognóstico da doente. A melhor classificação como cancro do ovário pode ser um dos motivos para um aparente aumento. Infelizmente, à data não existe um teste de rastreio eficaz para a população em geral, que permita um diagnóstico mais atempado. 

Que sintomas muitas mulheres acabam por desvalorizar?

O cancro do ovário é um tipo de cancro que se manifesta de uma forma muito pouco específica. Os sintomas são insidiosos e idênticos a outras patologias, nomeadamente, as queixas são similares a outras patologias não oncológicas que são mais frequentes. A doente acaba por desvalorizar os sintomas, porque os interpreta como causados por outras afecções. Alguns destes sintomas ocorrem até com alguma frequência na população em geral, como por exemplo, a sensação de distensão abdominal. Contudo a persistência das queixas e a conjugação de vários sintomas deve levar à suspeita de poder tratar-se de cancro do ovário. 

 Outro mito é que a pílula poderia estar associada a cancro do ovário, o que claramente é erradoE quais são os sintomas mais comuns neste tipo de cancro?

A mulher com cancro do ovário apresenta frequentemente sensação de mau estar ou distensão abdominal, cólicas, dores abdominais ou peso no fundo do abdómen, enfartamento e emagrecimento. Pode notar algumas alterações no padrão intestinal ou inclusivamente queixas urinárias. Ocasionalmente, a doente tem perda de sangue por via  genital que ocorre fora do padrão normal, ou aparece após a menopausa. 

Existem alguns mitos associados a este tipo de cancro?

Sim, existem vários mitos. Entre eles, é que só aparece em mulheres pós-menopausa, o que não é verdade. Outro mito é que a pílula poderia estar associada a cancro do ovário, o que claramente é errado, sendo um fator protetor demonstrado. Existe também a ideia que ter cancro do ovário é fatal, tal não é verdade para muitas mulheres, havendo a possibilidade de cura. 

As consultas de rotina são importantes de forma a promover um diagnóstico precoce?

As consultas de rotina na área da ginecologia, têm um papel muito importante na saúde da mulher. Infelizmente, até à data, o rastreio de cancro do ovário não está estabelecido como eficaz. Isto porque ainda não dispomos de um método de rastreio que permita identificar o cancro do ovário precocemente.

Contudo, o médico pode fazer uma avaliação do risco através da história familiar, associada à avaliação clínica e imagiológica, podendo detetar cistos ou alterações ováricas que poderão merecer esclarecimento adicional.

Leia Também: Estudo revela nova causa do cancro (e dieta pode estar associada)

Se for detetado cedo, é algo com taxa de cura mais elevada?

O cancro do ovário não é uma entidade única, comporta diferentes tipos histológicos, com comportamentos biológicos muito distintos. É verdade que para todos os tipos histológicos a deteção precoce aumenta a possibilidade de cura. Para alguns subtipos, particularmente em alguns tipos histológicos que afetam doentes jovens, pode-se falar de cura até em estádios avançados.

Infelizmente, para a maioria das mulheres com tipos histológicos mais frequentes o diagnóstico é feito em estádios avançados, com disseminação da doença. Para estas doentes não falamos de cura, mas em controlo da doença. 

Quais são as hipóteses de tratamento?

O tratamento do cancro do ovário é sempre multidisciplinar e a abordagem, obedecendo a protocolos internacionais, é personalizada para o estadio e outras morbilidades ou doenças que a mulher com cancro do ovário possa ter. Podem incluir a cirurgia, sendo um dos principais fatores que aumentam a sobrevivência, a quimioterapia,  agentes antineoplásicos como inibidores da PARP, anticorpos monoclonais, imunoterapia e em casos selecionados radioterapia. A gestão do tratamento inicial e a orientação das recidivas devem estar a cargo de uma equipa multidisciplinar experiente e de preferência com acesso a terapêuticas inovadoras ou a ensaios clínicos, particularmente nos casos de pior prognóstico.

Quase todas as mulheres são de alguma forma tratáveis, mesmo não se conseguindo obter a cura definitiva para muitas delas, é pelo menos alcançável o controlo da doença durante o maior período possível e a resolução dos sintomas e morbilidade associados.

Quais as consequências que uma mulher pode vir a ter se não for tratada no devido tempo?

As hipóteses de controlo da doença diminuem em doentes com estádios mais avançados. Estas doentes têm uma maior morbilidade e mortalidade. O cancro do ovário avançado é frequentemente muito sintomático. As mulheres com cancro do ovário avançado podem ter queixas importantes de dor, cansaço, falta de ar, dificuldade no trânsito intestinal e emagrecimento significativo. Para além destas consequências físicas, a possibilidade de tolerar tratamentos agressivos encontra-se diminuída.

Quais os principais fatores de risco a que uma mulher deve estar atenta?

A história familiar é muito importante. No caso de diagnóstico de cancro do ovário deve ser proposto o estudo de variantes genéticas patogénicas no tumor da paciente. A sua positividade implica a oferta de um estudo genético à doente, para avaliação se essa alteração genética é constitucional e por isso potencialmente transmissível. Na sequência toda, a família poderá ser estudada e identificados os portadores da mesma mutação.

A família e amigos poderão ser o suporte basilar nesta fase de vida difícil que a mulher vai passar

Existe alguma forma de prevenir o aparecimento?

Nas mulheres com risco significativamente elevado deve ser proposta a remoção profilática das trompas e ovários antes da idade de risco associado ao aparecimento do cancro do ovário, ou seja, deve ser proposta cirurgia profilática. Volto a referir que, são fatores protetores a contracepção oral, ou seja a pílula, e o número de gravidezes, tendo um efeito que perdura no tempo. A informação completa e adequada sobre o método contraceptivo, pode levar mais mulheres a optar pela contracepção oral, fator que tem sido associado ao declínio do cancro do ovário em muitos países Europeus.

Todas as outras medidas que eliminem os fatores de risco, como a cessação tabágica, o controlo do peso e a atividade física são benéficos para diminuir o risco de ter cancro do ovário.

Como pode a família ser importante numa fase de diagnóstico?

Ter o diagnóstico de cancro do ovário deve ser assustador, particularmente após a consulta de alguma informação disponível na internet. A família e amigos poderão ser o suporte basilar nesta fase de vida difícil que a mulher vai passar. Ao sentir-se apoiada, ao saber que  as suas responsabilidades como mulher, profissional e mãe serão temporariamente partilhadas por outros elementos da família, é um fator tranquilizador e favorece a adesão aos tratamentos propostos. Numa fase paliativa, o apoio familiar e de amigos próximos é fundamental, estando demonstrado a menor necessidade de medicação e a melhor tolerância aos sintomas a doentes com um bom suporte social.

Como tem evoluído a ciência no caso deste cancro nos últimos anos?

Felizmente, nos últimos anos têm aparecido tratamentos inovadores que demonstraram eficácia, o que levou a um aumento da sobrevivência. Encontram-se a decorrer ensaios clínicos para avaliação de instrumentos capazes de deteção mais precoce e estudo de novos agentes antineoplásicos.

A criação de centros de tratamento especializados pode ser uma ajuda?

Está demonstrada uma maior sobrevivência e menor morbilidade em centros qualificados de maior volume, refletindo-se, igualmente, em termos económicos, com a possibilidade de otimização da jornada do doente e poupança para o sistema de saúde. A centralização aumenta ainda a capacidade de captação de ensaios clínicos internacionais e o acesso a terapêuticas inovadoras, tão importantes em cancros como o do ovário, doença em que, apesar de haver muitas doentes curadas, existem outras que vão viver com a doença para o resto da sua vida. 

O que mais pode ser feito por parte de entidades competentes de forma a melhorar o acesso a tratamentos e ao diagnóstico?

Há sempre espaço para a melhoria de resultados e para a optimização de recursos. Deveriam ser abordados vários aspectos em simultâneo. A começar pela literacia em saúde das mulheres, fomentando a diminuição dos factores de risco, a adoção estilos de vida protetores e o conhecimento de sinais de alarme e de quando é necessário recorrer a um profissional de saúde. O segundo aspecto, seria a criação de vias de acesso prioritárias e de canais de comunicação privilegiados para os casos de suspeita de diagnóstico de cancro de ovário, entre os médicos referenciadores, cuidados de saúde primários e hospitais de nível I, e os centros de tratamento qualificados. Um último aspecto, de grande relevo, seria a canalização destes casos para centros com volume e qualidade estabelecida, estando demonstrado que a centralização em unidades com volume e qualificadas têm impacto na sobrevivência das doentes e na optimização de recursos.

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