Numa reunião do Conselho de Segurança da ONU, focada na situação política e humanitária na Síria, Shea advogou que acontecimentos recentes no país sublinharam a fragilidade atual e fizeram aumentar as preocupações de Washington "de que os líderes interinos possam não ter ultrapassado os passados extremistas", sem referir diretamente o nome do atual presidente de transição, Ahmed al-Charaa.
Shea referia-se às milícias lideradas pelo grupo extremista Hayat Tahrir al Sham (HTS), antiga Al-Qaida no Levante, que derrubaram o regime de Bashar al-Assad a 08 de dezembro e formaram um Governo de transição que prometeu respeitar os direitos de todas as minorias étnicas e religiosas que vivem no país.
A diplomata usou ainda o discurso perante o Conselho de Segurança para indicar que os Estados Unidos estão igualmente preocupados com a possibilidade da futura Constituição síria não ser suficientemente inclusiva.
"Estamos preocupados que o esboço da estrutura constitucional não esteja a caminhar na direção certa, e estamos a observar atentamente quem será selecionado para cargos no gabinete," disse a embaixadora interina.
Nesse sentido, Shea afirmou que será fundamental ver "esforços genuínos de reconciliação com a comunidade alauita por parte do comité encarregado de apoiar a participação das autoridades provisórias".
"As autoridades interinas devem também embarcar num processo político que inclua as comunidades curda, drusa, alauita e cristã, algo que não fizeram de forma significativa até à data. Só um verdadeiro processo representativo garantirá aos sírios que eles têm um lugar no futuro da Síria", afirmou Dorothy Shea.
A futura constituição da Síria vai usar a jurisprudência islâmica como principal fonte de legislação e respeitar as convenções de direitos humanos, de acordo com a "declaração constitucional" - um rascunho de princípios - elaborado por especialistas, que foi apresentado ao público este mês e assinado por Al-Charaa.
Shea saudou o acordo de 10 de março com o grupo curdo Forças Democráticas Sírias "para integrar o nordeste numa Síria unificada". No entanto, a diplomata descreveu-o como um primeiro "passo modesto" para uma Síria estável e independente.
"Para ser significativo, este acordo deve ser finalizado com detalhes que incluam uma estrutura de segurança estatal unificada que garanta que a Síria não representa uma ameaça externa para os Estados vizinhos e que seja capaz de derrotar o Estado Islâmico sediado na Síria ou outros grupos extremistas violentos, incluindo milícias apoiadas pelo Irão", sublinhou a norte-americana.
Nesta reunião, o subsecretário-geral para Assuntos Humanitários da ONU, Tom Fletcher, pediu mais financiamento para a entrega de ajuda humanitária na Síria e referiu diretamente os cortes anunciados pelos Estados Unidos à ajuda externa.
"A perspetiva agora é mais sombria: a nossa investigação inicial sugere que quase metade das organizações financiadas pelos Estados Unidos receberam ordens de interrupção total ou parcial, com um corte de 40% na equipa humanitária", disse Fletcher.
No início do ano, quando assumiu a Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump suspendeu grande parte do financiamento à ajuda humanitária externa, o que tem afetado muitas organizações, incluindo a ONU.
Na declaração, Dorothy Shea não abordou a questão dos cortes de financiamento norte-americano, nem os impactos junto da população síria, mas instou o Conselho de Segurança a ajudar a Síria a tornar-se "estável, livre de influências externas, que respeite os direitos de todos os sírios e proíba os terroristas de utilizar a Síria como plataforma".
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