A população das Flores, nos Açores, está preocupada com o futuro de uma das maiores atrações turísticas da ilha e do arquipélago.
Descrito muitas vezes como o 'Éden', o Poço da Ribeira do Ferreiro, localizado entre as freguesias da Fajã Grande e da Fajãzinha, é visitado todos os anos por milhares de turistas e utilizado, muitas vezes, como postal para promover toda a região até a nível internacional.
E é fácil perceber porquê. Após um trilho de 20 minutos, onde o único som que se ouve é o chilrear dos pássaros e o correr das ribeiras, os caminhantes são confrontados com uma lagoa, rodeada de uma luxuriante vegetação, onde desabam dezenas de cascatas.
Até agora - e durante cerca de 40 anos - o acesso ao local sempre foi gratuito e feito sem problemas. No entanto, isso pode estar prestes a mudar. Pelo menos é o que receiam alguns dos habitantes, depois de um casal de estrangeiros, que vive há cerca de 10 anos na ilha das Flores, ter adquirido vários terrenos junto ao poço e ter desflorestado a zona, tranformando-a num jardim privado a que deram o nome de "Margaça Jardim das Cascadas", como se pode ver no Google Maps e no canal de Youtube criado por um dos proprietários.
O caso já chegou ao Conselho de Ilha, que teme que a sucessiva compra dos terrenos condicione o acesso ao local.
Ao Notícias ao Minuto, tal como à Antena 1 Açores, que avançou com a notícia, o presidente deste órgão consultivo, José António Corvelo, garantiu que não estão "contra quem comprou" os terrenos, mas sim "preocupados que aquela zona, que é altamente turística, possa vir de futuro a ter outras regras que teve até agora, que é de livre acesso".
Casal "não tem intenção de restringir acesso ao local"
Depois de o Conselho de Ilha ter enviado uma carta ao Governo e à Assembleia Regional a pedir que a situação seja resolvida e que a região acautele o direito de preferência, assim como proíba transformações paisagísticas ao local, a resposta do secretário do Ambiente, Alonso Teixeira Miguel, chegou, na terça-feira.
Na nota de imprensa, publicada no site do Governo dos Açores, a Secretaria Regional do Ambiente e Ação Climática começa por esclarecer que o Poço da Ribeira do Ferreiro integra a Área de Paisagem Protegida da Zona Central e Falésias da Costa Oeste, inserida no Parque Natural da ilha das Flores e reconhece que este local "representa um dos principais ativos turísticos da ilha" e é um dos seus "pontos de visitação mais emblemáticos".
Sobre a situação em questão, a secretaria regional garante que tem acompanhado a mesma "desde o início", com "proximidade", tendo "desenvolvido contactos com os proprietários dos terrenos que abrangem a área de visitação".
Afiança ainda o Governo Regional que o casal tem demonstrado uma "postura colaborativa" e que, "ao contrário do que tem sido divulgado, não têm qualquer intenção de restringir o normal acesso ou limitar a fruição" ao local.
Face a isto, o Notícias ao Minuto questionou Alonso Teixeira Miguel se foi feito algum tipo de acordo escrito com o casal, que cimente o que foi dito no comunicado emitido pelo Governo.
O secretário respondeu que "foi formalizado, pelo Serviço de Ambiente e Ação Climática da Ilha das Flores, um pedido de autorização, por escrito, para delimitação da área de visitação, no sentido de garantir condições adequadas de gestão e fruição daquele espaço e para disciplinar a visitação, para o qual já foi obtida uma resposta positiva, também por escrito".
Secretaria nega "desmatamento", mas alterações são visíveis
Já sobre as alterações paisagísticas que o casal fez à área e que são visíveis tanto a olho nu como no Google Maps - como se pode observar nas imagens abaixo - o responsável garantiu que, "até ao momento, não foi identificada nenhuma ação recente que configure desmatamento intensivo ou ilegal" e que "os serviços operacionais da Secretaria Regional do Ambiente e Ação Climática procedem, com regularidade, à monitorização e manutenção daquele espaço, no estrito cumprimento das disposições legais em vigor".
"Qualquer intervenção ilegal ou realizada sem a devida autorização será sempre alvo de fiscalização e, confirmando-se a ilegalidade, será instaurado o respetivo procedimento contraordenacional, conforme previsto no Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Proteção da Biodiversidade da Região Autónoma dos Açores", assegurou.
Alterações paisagísticas que o local sofreu de agosto de 2017 a abril de 2024© Google Maps
Questionado sobre a possibilidade de construção no local, o secretário regional do Ambiente explicou que "não é possível promover qualquer tipo de edificação naquele espaço sem um parecer prévio vinculativo por parte da Secretaria Regional do Ambiente e Ação Climática", afiançando que, até ao momento, este departamento não tem conhecimento "de qualquer pedido de parecer relativo ao desenvolvimento de projetos de edificação na envolvência do Poço da Ribeira do Ferreiro, ou sequer de qualquer intenção para o efeito".
"Ainda assim, esse tipo de intervenção não é compatível com a visão do Governo Regional para aquele local, nem tão pouco com os objetivos de gestão definidos para aquela zona da Área de Paisagem Protegida da Zona Central e Falésias da Costa Oeste", salientou Alonso Teixeira Miguel.
Se acordo não for cumprido, Governo Regional pode avançar para a expropriação
Caso se verifiquem constrangimentos ou eventuais restrições ao acesso público, garante o governante que "o Governo Regional dos Açores dispõe de mecanismos legais que permitem garantir que prevalece o interesse público, designadamente e em última instância, a expropriação por utilidade pública".
"Depois da delimitação da zona de visitação, caso surja efetivamente qualquer tipo de constrangimento à normal fruição e visitação daquele local, a expropriação por utilidade pública será sempre uma solução possível, à qual, em última instância, o Governo Regional dos Açores não hesitará recorrer, caso necessário", reiterou, acrescentando que, "parece não haver fundamento para recorrer, para já, a esse tipo de instrumento".
'Para já' o que será feito é a "delimitação da zona de visitação, de forma minimalista e com recurso a materiais endógenos, garantindo condições adequadas de gestão e fruição daquele espaço, pretensão para a qual os proprietários já demonstraram disponibilidade".
"Compraram estes terrenos com que objetivo?"
O Notícias ao Minuto falou, entretanto, com os deputados regionais eleitos pela ilha das Flores Cecília Estácio, do PSD, e José Eduardo, do PS.
Ambos têm agendada uma visita ao local, no sábado, para se inteirarem da situação. Só depois irão reagir à mesma.
Já o deputado do Chega Açores José Paulo Sousa, eleito pelo círculo de compensação, revelou ao Notícias ao Minuto que foi uma das pessoas a questionar o Governo sobre a compra de "todos estes terrenos" por parte do casal junto ao Poço da Ribeira do Ferreiro.
"Há uma questão pertinente que tem de ser feita. Que retorno procuram com a compra destes terrenos? Com que objetivo é que os compraram?", atirou, acrescentando que, apesar do Governo já ter emitido um comunicado sobre o assunto, há muitas perguntas que ficaram no ar.
"Há provas evidentes e fotos que houve alteração de trilhos e na paisagem. Foram plantadas árvores não endémicas/infestantes. Isso foi autorizado? Em que conformes?", questionou.
Para José Paulo Sousa, o Governo - "e não só este, os anteriores também" - devia se ter antecipado estes problemas. "Deviam ter adquirido os terrenos, falado com os antigos proprietários, acautelado o direito de preferência", sublinhou ainda.
O Notícias ao Minuto entrou também em contacto com a Câmara Municipal das Lajes das Flores, município onde fica localizado o Poço da Ribeira do Ferreiro, que remeteu uma reação ao caso para mais tarde.
Habitantes querem que caso seja discutido e que regras sejam claras
Ao que apurou o Notícias ao Minuto, apesar das controversas alterações paisagísticas, a desflorestação incidiu maioritariamente sobre plantas invasoras, como por exemplo, o incenso. E muitos dos socalcos apenas foram colocados no lugar onde antigamente existiam.
Muitos habitantes reconhecem isso mesmo. Porém, este facto não faz com deixem de existir preocupações com a gestão do local.
Por isso mesmo, defendem, é importante que o Governo Regional dos Açores diga "que ideia têm para aquela zona de paisagem protegida e discutirem-na". Discutirem o que é necessário proteger, como e porquê, para que não haja "ambiguidade nem mal entendidos" uma vez que, segundo o Executivo açoriano, até agora, as alterações ali feitas são "legítimas", por estarmos a falar de "terrenos privados".
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