"Entre socialismo e social-democracia". Afinal, que defende o almirante?

Na ótica de Gouveia e Melo, "a liderança, a capacidade de decisão e a coesão nacional poderão revelar-se fatores críticos para o sucesso ou, pelo contrário, para o fracasso das nossas sociedades".

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© PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP via Getty Images

Notícias ao Minuto
20/02/2025 23:30 ‧ ontem por Notícias ao Minuto

País

Gouveia e Melo

O antigo chefe do Estado-Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, endereçou um artigo ao jornal Expresso, no qual assumiu situar-se “politicamente entre o socialismo e a social-democracia” e defendeu, entre outras considerações, a posição que um Presidente da República deve assumir perante o país, numa altura em que o seu nome é apontado como um dos possíveis a constar no boletim de voto das eleições de 2026.

 

No texto que, segundo o Expresso, “não é uma declaração de candidatura a Belém, mas assemelha-se a um manifesto eleitoral”, o almirante posicionou-se “entre o socialismo e a social-democracia, defendendo a democracia liberal como regime político”.

"As pontes não se constroem sobre redes de influência, compadrios ou intrigas político-partidárias, mas sim sobre consensos assentes em valores humanitários, no desejo de liberdade, prosperidade e solidariedade efetiva, e, acima de tudo, na defesa intransigente da democracia liberal", defendeu.

Gouveia e Melo foi mais longe, tendo apontado que "a preservação ambiental e o combate às alterações climáticas devem estar presentes em todas as nossas ações e planos", uma vez que "do operário ao empresário, do estudante ao professor, do médico ao Presidente da República, somos um só povo, habitamos o mesmo território e partilhamos um destino comum".

"O Presidente não está ao serviço dos partidos, está ao serviço dos portugueses e de Portugal. Garante a Constituição, a união e a integridade do país e é, por isso, um poder-contrapoder de um sistema democrático equilibrado ao serviço da liberdade, segurança, equidade e prosperidade dos portugueses e, consequentemente, de Portugal", disse, ao mesmo tempo que argumentou que, "na conjuntura atual, um Presidente sem a independência necessária afunila a democracia".

"Por isso, a bem do sistema democrático, devemos querer um Presidente isento e independente de lealdades partidárias", disse, e recordou que "o Presidente não governa", mas "acompanha, verifica, questiona e facilita", devendo, por isso, "manter-se isento, evitando a tentação de se imiscuir nos assuntos político-partidários".

"Importa também considerar que nenhum Presidente pode ser verdadeiramente 'de todos' se estiver claramente associado a uma fação política, pois não terá a independência necessária para representar o interesse coletivo. Um sistema político sem pesos-contrapesos é um sistema mais frágil, sem escrutínio e, consequentemente, mais vulnerável aos ventos que sopram hoje, da radicalização e da proliferação de ideias autocráticas e iliberais", considerou.

No campo da Justiça, Gouveia e Melo confessou que este "pilar fundamental da democracia [deve permanecer] imune a qualquer tentativa de manipulação e politização, tanto externa como interna, reforçando a sua independência, eficácia e eficiência". 

"Defendo uma Justiça célere, que se distancie do espetáculo mediático e do julgamento na praça pública, uma Justiça que inspire confiança e segurança e não receio e instabilidade nos cidadãos", escreveu.

A administração pública, por seu turno, deve ser "independente e competente, centrada nos cidadãos e liberta de alinhamentos partidários, para lá da orientação política legítima dos governos", não devendo "servir de suporte ou trampolim para clientelas políticas".

Já a economia "deve centrar-se nas pessoas e trabalhar para elas", sendo "fundamental reduzir as assimetrias sociais extremas e capacitar todos os cidadãos para que possam integrar, de pleno direito, uma sociedade verdadeiramente inclusiva".

"Todos contam; ninguém deve ficar para trás. A exclusão social, o racismo e outras formas de discriminação não podem limitar o direito a uma vida digna e livre. A caridade não pode servir para apaziguar consciências. Devemos ambicionar uma sociedade próspera, com um elevado nível de vida. Devemos combater a pobreza e as desigualdades sociais extremas com medidas estruturais que criem verdadeiras oportunidades de mudança. Formar, requalificar, garantir habitação condigna, reabilitar espaços e bairros, apostar nas pessoas e nas comunidades, financiar a iniciativa e a inovação — esse parece ser o melhor caminho", argumentou.

Para Gouveia e Melo, "a prosperidade só se materializará numa economia de mercado livre", razão pela qual "o Estado não deve cair na tentação de conduzir a economia, mas intervir apenas na medida do necessário para garantir uma sociedade mais próspera, coesa e menos desigual ao alcance de todos os cidadãos".

"É também imperioso libertar a economia, a iniciativa privada e os cidadãos de um sistema burocrático, complexo e asfixiante, que atrasa e dificulta o desenvolvimento. A proliferação de pequenos poderes favorece um terreno propício ao compadrio e à corrupção", disse.

O antigo chefe da Armada alertou ainda que "vivemos tempos perigosos, com atores poderosos a tentar subverter a ordem mundial em função dos seus interesses”, tendo considerado que "a ameaça já não vem apenas do Leste; surge agora de todas as direções, num cenário de 360 graus”.

“Os valores fundamentais da ética republicana e das democracias liberais estão a ser postos em causa, inclusive por aliados historicamente próximos”, disse, numa possível referência ao presidente norte-americano, Donald Trump, que decretou uma 'enxurrada' de medidas contra a União Europeia (UE) no primeiro mês de regresso à Casa Branca e deixou os líderes do bloco de fora das negociações de paz com vista ao fim da guerra na Ucrânia.

Na ótica de Gouveia e Melo, “a liderança, a capacidade de decisão e a coesão nacional poderão revelar-se fatores críticos para o sucesso ou, pelo contrário, para o fracasso das nossas sociedades”, já que “não basta sonhar ou recorrer a discursos elaborados, repletos de fórmulas gastas e banalidades cínicas”.

“É essencial saber fazer, apontar caminhos, ultrapassar obstáculos, decidir com base em evidências e ter a coragem de explicar, envolver e agir. Exige-se dos atores políticos, acima de tudo, responsabilidade, transparência e coragem. O sistema político deve impedir a degradação das instituições e evitar o perigoso descrédito do regime democrático. Os partidos políticos são fundamentais para o bom funcionamento da democracia. Por isso, é imperativo que façam uma autorreflexão profunda, para recuperarem a confiança e credibilidade junto da população”, defendeu.

E rematou: "É tempo de ir além do óbvio e dos interesses imediatos, sem afunilamentos. É tempo de cuidar, proteger e honrar a democracia. Não nos podemos alhear. Assim o exige o tempo que vivemos."

Recorde-se que o almirante, cujo nome surge entre os potenciais candidatos às eleições presidenciais de janeiro de 2026, decidiu passar à reserva logo após o fim do seu mandato, argumentando que continuar no ativo retirar-lhe-ia "alguma liberdade" nos seus "direitos cívicos".

Gouveia e Melo, que nunca confirmou nem afastou a possibilidade de entrar na corrida a Belém, afirmou que passará a uma "nova fase" da sua vida, ainda que não tenha especificado qual.

Já no dia 10 de janeiro, o ex-chefe do Estado-Maior da Armada defendeu que o investimento em Defesa no país e na Europa deve ser um tema da campanha das eleições presidenciais de janeiro de 2026, mas não esclareceu se será ou não candidato.

Leia Também: Gouveia e Melo? "Posso perder. Não tenho receio, por isso estou aqui"

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