O acórdão, datado de 19 de março e consultado hoje pela Lusa, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público (MP), revogando a decisão recorrida.
Em 22 de outubro de 2024, o Tribunal de Aveiro absolveu a arguida de nove crimes de maus-tratos de que estava acusada, condenando-a a um ano e quatro meses de prisão suspensa por dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, relacionados com "palmadas que foram desferidas" a duas crianças de 1 ano, em duas ocasiões distintas.
O tribunal julgou ainda improcedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos pais das crianças.
Não se conformando com esta decisão, o MP recorreu para o TRP que, ao contrário da primeira instância, entendeu que a factualidade provada se reveste de elevada gravidade, indo além dos crimes de ofensa à integridade física.
Para além dos dois episódios já referidos, os juízes desembargadores tiveram em conta outras duas situações envolvendo duas crianças que foram obrigadas a ingerir alimentos sólidos, o que originou que uma delas se engasgasse.
A arguida foi assim condenada por quatro crimes de maus-tratos com penas parcelares que variam entre um ano e três meses e dois anos de prisão, tendo-lhe sido aplicada uma pena única de três anos e oito meses de prisão, em cúmulo jurídico, suspensa na sua execução por igual período.
"Da leitura de todo o manancial fáctico apurado resulta uma imagem global dos factos que espelha uma personalidade, por parte da arguida, tendencialmente desrespeitadora e de fraca sensibilidade para com as crianças de tão tenra idade que tinha ao seu cuidado e guarda, no mínimo eticamente censurável e, no caso dos menores referidos, tendo mesmo atingido o patamar da ilicitude criminal", refere o acórdão.
Os factos ocorreram em 2019 e 2020, quando a arguida trabalhava no Centro Social de Esgueira, tendo a seu cuidado um grupo de crianças com idades entre 1 e 3 anos.
O processo resultou de uma queixa apresentada no Ministério Público (MP) pelos pais das crianças que frequentavam a sala da educadora, que entretanto foi despedida, após um processo disciplinar.
De acordo com a acusação do MP, a arguida obrigou as crianças que vomitavam no prato a comer a comida onde havia caído o próprio vómito, tendo chegado a amarrar uma criança à cadeira de refeição com panos/lençóis enquanto esta tomava as refeições.
A arguida terá ainda obrigado as crianças a ingerir alimentos sólidos, tendo, numa das vezes, metido um pedaço de pera na boca de uma menina que se engasgou e deixou de respirar, ficando "estática e com os olhos muito abertos", tendo sido socorrida por uma das ajudantes que a retirou da cadeira e a colocou no fraldário na posição lateral de segurança.
Segundo o MP, a arguida recusou que a menina fosse observada por um médico e não telefonou à progenitora, nem lhe relatou a situação.
A acusação refere, por outro lado, que a educadora proibiu as ajudantes de dar colo às crianças e, quando estas choravam, "colocava a música do rádio muito alta e cantava em tom alto, tornando o ambiente da sala inadequado para o bem-estar das crianças".
O MP diz que a arguida molestou repetidamente a "integridade física e o bem-estar psicológico e emocional" destas crianças afetando-as na sua autoestima e desenvolvimento enquanto crianças.
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