"O meu livro sobre Rabo de Peixe não é um elogio ao crime, é um alerta"

O Notícias ao Minuto esteve à conversa com Rúben Pacheco Correia, que lança esta quinta-feira, 8 de maio, o livro 'Rabo de Peixe - Toda a Verdade', sobre o traficante de droga responsável pela cocaína que deu à costa da ilha de São Miguel, nos Açores, em 2001.

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© Leandro Duarte

Natacha Nunes Costa
08/05/2025 08:35 ‧ há 8 horas por Natacha Nunes Costa

Cultura

Rabo de Peixe

Rúben Pacheco Correia tornou-se, nos últimos anos, uma cara bem conhecida dos portugueses. É presença assídua em diferentes programas de televisão para falar de vários temas, entre os quais gastronomia. Porém, nem todos conhecem outra das suas grandes paixões: Rabo de Peixe, a freguesia que, entretanto, se transformou em vila e que o viu nascer.

 

E é precisamente sobre este local tão icónico (muitas vezes alvo de preconceito), que o gastrónomo, empresário e futuro advogado escreveu no seu quinto livro, o segundo publicado pela Contraponto.

'Rabo de Peixe - Toda a Verdade' descreve, com o rigor de uma investigação jornalística, o que realmente aconteceu no "verão quente" de 2021, como descreve o autor, na ilha de São Miguel, nos Açores.

"E se a história de Rabo de Peixe for ainda mais rocambolesca do que aquela que é contada na série da Netflix?", provoca Rúben, a certa altura do livro. E a verdade é que, de certa forma, é mesmo.

No dia 6 de junho desse fatídico ano, Antonino Giuseppe Quinci, o traficante italiano que deu origem a esta 'narrativa', mudou o destino de várias gerações de rabopeixenses ao aportar na vila, depois de ter escondido, pela costa de São Miguel, mais de 700 kg de cocaína.

A droga, que enriqueceu alguns, foi também a responsável por uma calamidade que levou a várias mortes, por overdose, e à destruição de família inteiras.

Muitas coisas aconteceram relacionadas com o caso e foram criados alguns mitos. Mas Rúben revela-nos agora a "verdade dos factos", assim como os "protagonistas de carne e osso" da história que inspirou a série de sucesso da Netflix 'Rabo de Peixe', de Augusto Fragata.

De Sandro G (sim, o rapper açoriano de 'Tu és uma Galinha') ao inspetor da PJ que esteve a cargo da investigação, passando por quem ajudou Antonino a fugir da prisão e quem lhe deu guarida, Rúben guia o leitor por uma 'viagem' que vai até onde ninguém foi anteriormente: esteve com a família de Antonino Giusepe Quinci, na Sicília, e com o próprio, no Brasil, onde se encontra novamente preso.

'Rabo de Peixe - Toda a Verdade', cujo prefácio é assinado por Luís Marques Mendes e posfácio por Valter Hugo Mãe, chega às bancas hoje, quinta-feira, 8 de maio e em breve vai dar azo a um documentário, de três episódios, na TVI.

A apresentação do livro em Lisboa coube, ontem, dia 7 de maio, a José Eduardo Moniz. E contou com a presença do Presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro, do antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e do antigo ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, entre outras personalidades bem conhecidas da política nacional, desporto e televisão.

Na sexta-feira será apresentado em Rabo de Peixe, nos Açores, por Manuel Luís Goucha. Já em Vila Nova de Gaia, cuja data de apresentação está marcada para dia 16 de maio, será apresentado por Teresa Guilherme.

A minha disputa com a Netflix não é apenas sobre uma questão de direitos ou de controlo, mas sobretudo de integridade e de respeito pela verdade

Lança na quinta-feira, 8 de maio, 'Rabo de Peixe - Toda a Verdade'. Este livro surgiu na sequência da série de sucesso da Netflix com o nome da então freguesia, agora vila, que o viu nascer. Porque acha que esta série denegriu a imagem de Rabo de Peixe?

A série da Netflix, embora tenha conquistado audiências e colocado Rabo de Peixe na ribalta, acabou por criar uma narrativa que, por vezes, reduzia a comunidade a um conjunto de estereótipos. Como autor, vejo na literatura uma oportunidade de oferecer uma visão mais plena, mais humana. A narrativa televisiva, ao se focar no dramático e no sensacional, acabou por obscurecer a beleza, a força e a dignidade daquele povo. O meu livro nasce justamente dessa necessidade de devolver a complexidade e a alma de Rabo de Peixe, de contar a sua história com a profundidade que ela merece. E, sobretudo, com verdade.

Acha que com o livro conseguiu, finalmente, fazer 'justiça' por Rabo de Peixe ao contar "toda a verdade" sobre a história protagonizada por Antonino Quinci, em 2001, nos Açores?

A justiça, na minha conceção, é sobretudo uma busca pela verdade. E essa verdade, por vezes, é esquecida ou distorcida por narrativas superficiais. Ao escrever este livro, quis ser um mediador entre o passado e o presente, oferecer uma oportunidade de leitura mais autêntica, sem atalhos ou meias palavras. Espero, sinceramente, que esta obra contribua para que Rabo de Peixe seja visto na sua plenitude, na sua complexidade, na sua humanidade — uma verdadeira justiça que ultrapassa os factos e chega ao coração. Tentei relatar a história o mais próximo dos depoimentos que recebi durante toda a investigação.

A certa altura, revelou que tinha uma disputa com a Netflix devido a um documentário que estavam ambos a preparar. Como está esta situação?

A questão ainda está por se resolver. Sinto que há uma responsabilidade em garantir que a narrativa de uma história tão complexa seja fiel e respeitosa. A minha disputa com a Netflix não é apenas sobre uma questão de direitos ou de controlo, mas sobretudo de integridade e de respeito pela verdade. Acredito que, no futuro, poderá haver espaço para um entendimento mais profundo ou uma colaboração que honre a história de Rabo de Peixe de forma mais justa.

Isto quer dizer que vamos ter um documentário baseado no livro 'Rabo de Peixe - Toda a Verdade'?

Sim, há planos concretos para um documentário que pretende ir além das palavras, captar a essência de Rabo de Peixe através de imagens, depoimentos e uma narrativa visual que complemente a minha escrita. Ainda estamos na fase de planeamento, mas quero que seja uma obra que respeite a complexidade da história, que dialogue com o livro e que permita ao público sentir a alma daquela comunidade e deixar-se entusiasmar pela verdade que é tão, ou mais, interessante que a própria ficção.

Entre as histórias de Antonino Quinci e os familiares dele, em Itália, deparei-me com um universo sombrio, enraizado no tráfico de droga e ligado à máfia siciliana

Sem querer revelar muito do livro, mas já revelando que chegou à fala com Antonino Quinci, o que sentiu ao estar perante este homem e sabendo que ele foi o responsável por destruir muitas famílias e levar à morte de várias pessoas nos Açores?

Foi uma experiência que me marcou profundamente. Estar na presença de alguém que, de uma forma ou de outra, foi protagonista de dores e perdas tão profundas, trouxe-me uma mistura de emoções difíceis de nomear. Enquanto entrevistador, nestas conversas que mantive, com Antonino e outros, tentei manter uma responsabilidade ética de escutar e de entender, mas também de não perder de vista a minha missão de denunciar e de revelar. Aquele encontro foi, acima de tudo, um exercício de coragem, de empatia e de honestidade perante uma história que precisa ser contada — por mais dura que seja. Cresci a ouvir falar do italiano como uma figura quase lendária. Tê-lo à minha frente foi o concretizar da história materialmente. Foi atribuir rosto e identidade a um homem que tentou sempre, durante toda a sua vida, fugir da sua própria identidade.

Uma das informações que revela no seu livro - e que não se sabia até então - é que Antonino não conseguiu só fugir do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada. Escapou de outras prisões, de muitas detenções e viu até as penas a que foi condenado serem reduzidas não uma mas várias vezes. Acha que ele é, de alguma forma, protegido?

Essa é uma das questões mais inquietantes que o meu livro procura abordar. A fuga de Antonino Quinci de várias prisões, aliada às sucessivas reduções de penas, sugere que há algo mais do que meras falhas ou circunstâncias isoladas. Tendo investigado a verdade por trás de histórias complexas, não posso deixar de questionar se ele, de alguma forma, foi protegido por interesses ocultos, por redes que transcendem o sistema judicial ou se a própria justiça teima em falhar.

Além de entrevistar Antonino Quinci também entrevistou  - e até privou em diferentes momentos - vários familiares do traficante, em Itália, que estão também relacionados com o tráfico de droga. Não tem medo da máfia siciliana?

Ao longo deste percurso, mergulhei numa realidade que vai muito além do que se pode imaginar. Entre as histórias de Antonino Quinci e os familiares dele, em Itália, deparei-me com um universo sombrio, enraizado no tráfico de droga e ligado à máfia siciliana. Confesso que há uma inquietação legítima, uma sensação de vulnerabilidade, sobretudo ao ouvir relatos tão carregados de violência e silêncio. No entanto, vi sempre na coragem de confrontar essas histórias uma missão ética: dar voz à verdade, por mais incómoda que ela seja. A minha esperança é que, ao expor essas realidades, possa também contribuir para uma reflexão mais profunda sobre a necessidade de justiça e de coragem social para combater esses interesses obscuros. Não é um elogio ao crime. É um alerta à sociedade.

O Antonino Quinci e restantes familiares já leram o livro? O que acha que vão pensar dele?

Ainda não. Foram bastante colaborativos comigo durante todo o processo. Tenho a certeza que o trabalho desenvolvido respeita, fielmente, todos os depoimentos que recolhi, pelo que creio que não se sintam defraudados.

Contas falar com eles novamente? Contar novas histórias sobre a família?

Acredito que a história nunca se encerra verdadeiramente. Sempre há a possibilidade de rescrever capítulos, de revelar novas camadas ou de narrar outros aspetos que, até então, permanecem escondidos. A verdade, pela sua própria natureza, não é um bem finito; ela está em constante movimento, sempre suscetível a novas revelações, sobretudo quando lidamos com vidas tão agitadas e complexas como as de Antonino e de sua família. Não posso garantir que este livro seja o último capítulo. Talvez haja espaço para continuar a contar essa história. Porque, no fundo, a busca pela verdade é uma jornada sem fim.

Leia Também: O que reserva a Netflix para maio? Eis tudo o que poderá ver

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