Diferentes faces dos pombos com destinos cruzados na cidade do Porto

Na paisagem urbana do Porto, entre parques, esplanadas e telhados inclinados, cruzam-se três destinos possíveis para os pombos: o do atleta de elite, o de ave protegida e o de marginal citadino à procura de migalhas.

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© REUTERS/Yves Herman

Lusa
24/05/2025 09:54 ‧ há 6 horas por Lusa

País

Porto

Há quem considere os pombos animais sem grande utilidade, mas a história de resiliência que se esconde por trás das penas cinzentas pode surpreender, sobretudo no pombo-correio.

 

"É um pombo que tem um ambiente específico, tem a sua casa, tem o seu tratador e cresce e morre sob a tutela dele, que o considera um atleta", descreveu o presidente da Associação Columbófila do Distrito do Porto, entidade que coordena cerca de 1.200 praticantes e movimenta milhares de pombos para as competições.

Mais do que meros atletas de corrida, são até vistos pelos columbófilos, que em Portugal são cerca de oito mil, como animais de estimação.

"Eles conhecem o nosso assobio, a forma como os chamamos, o nosso timbre e conseguem, por exemplo, verificar se estamos nervosos", destacou Cândido Regal.

Neste desporto, que já foi o segundo mais praticado no país, de acordo com o responsável, os pombos são transportados até um local e têm como desafio regressar aos seus pombais no menor tempo possível.

"Acontece que, às vezes, extraviam-se por várias questões, ou porque tiveram um acidente e têm de recuperar, ou porque, fisicamente, foram ao limite e estão exaustos. Vão tentar alimentar-se e restabelecer as forças para regressar a casa", referiu.

Nestas situações, acabam por se poder cruzar com outras espécies, como o pombo-torcaz, uma ave selvagem protegida, que, embora não participe em provas, percorre igualmente longas distâncias durante a migração.

Quando está pelo Porto, é frequentemente avistada em espaços verdes como o Parque da Cidade, o Parque do Covelo e o Jardim do Passeio Alegre, segundo a coordenadora da Conservação Terrestre na Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Julieta Costa.

Enquanto o pombo-torcaz prefere nidificar em árvores, o doméstico, aquele, por vezes, designado de 'rato com asas' pela população, adapta-se melhor às fendas dos edifícios e a todo o tipo de reentrâncias que a cidade lhe oferece.

"Ele utiliza intensamente as estruturas urbanas e tem algum impacto nelas. É conhecido que a acidez dos dejetos do pombo causa problemas em edifícios históricos", mencionou a coordenadora.

Espigões, barramentos, redes em prédios, e até rações contracetivas são algumas das estratégias elencadas por Julieta Costa que se usam para evitar a presença desta espécie.

Porém, enquanto alguns tentam afastá-la para desfrutar de um café em paz na esplanada, outros atraem-na com migalhas de pão, num gesto aparentemente generoso, mas com efeitos negativos para os pombos e para o ecossistema urbano.

"O trato digestivo das aves não está adaptado à nossa comida, que muitas vezes é muito processada. Por outro lado, há um efeito secundário de estarmos a alimentar as aves: elas não comem tudo, depois vão-se embora e fica ali uma data de pão ou de milho que, no fundo, vai alimentar espécies de praga como as ratazanas", explicou.

Alimentar as aves não é só prejudicial para o equilíbrio ecológico da cidade, também é ilegal, como referido pela Câmara Municipal do Porto, depois de contactada pela Lusa.

Na informação fornecida, consta que nos últimos anos foram instauradas sete participações respeitantes à infração de oferecer qualquer tipo de alimento a animais no espaço público, provocando focos de insalubridade.

Apesar das atuais restrições na interação com os pombos, o seu papel histórico na sociedade é inegável, especialmente no transporte de mensagens.

"Eles foram essenciais às questões da comunicação entre seres humanos", relatou a coordenadora.

Inclusive, como salientou Cândido Regal, "há vários pombos que receberam medalhas de mérito por atos de bravura, especialmente na Primeira Guerra Mundial, porque serviram para salvar batalhões ou soldados que estavam isolados".

"Por exemplo, o mais conhecido é o Cher Ami", contou, um pombo que terá conseguido entregar, mesmo após ser ferido a tiro, uma mensagem crucial sobre a posição de soldados americanos, sendo depois condecorado e tornado um símbolo de heroísmo.

Para além de terem sido usados em contexto militar, os pombos foram também uma importante fonte de alimento para a população, que os atraiu para as zonas urbanas pela sua proteína, numa altura marcada pela escassez alimentar, conforme referiu a coordenadora da SPEA.

"Entretanto, esta prática de criar pombos para comer caiu em desuso e o pombo manteve a sua função enquanto espécie ornamental", frisou.

Em tempos, o pombo-doméstico fazia parte do nosso quotidiano, "convivia connosco, estava nos jardins, era uma espécie amiga", como recordou Julieta Costa.

"Talvez agora, nos últimos anos 30 anos, com o excesso de população da espécie, se tenha tornado indesejável", acrescentou.

Ainda que hoje já não tenha o mesmo significado, o pombo-doméstico "habituou-se a viver nas cidades e é totalmente dependente da alimentação que encontra nelas, sendo que ele não evoluiu na natureza, mas a partir do ser humano e da seleção que o ser humano fez dele", realçou.

"Tem que haver uma gestão racional dos animais, em particular os domésticos, que são diretamente um pouco da nossa responsabilidade, para poderem coexistir connosco", concluiu a coordenadora da SPEA.

Desde o pombo que cruza fronteiras em provas, ao que repousa num salgueiro no Parque da Cidade ou bica migalhas no Mercado do Bolhão, todos se entrelaçam na teia urbana do Porto, invisíveis ao olhar de muitos, mas presentes há gerações.

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