"Quando um bebé nasce, há uma mulher que se abafa"

A enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica Carina Palma acaba de lançar 'Mães Invencíveis, Mulheres Invisíveis', um livro com conselhos para o "resgate do autocuidado da mulher no pós-parto". O Notícias ao Minuto esteve à conversa com a profissional.

Carina Palma

© Fotografia cedida por Carina Palma

Natacha Nunes Costa
06/06/2025 08:55 ‧ ontem por Natacha Nunes Costa

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Carina Palma

Carina Palma é enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica, mas também é mãe. O nascimento da filha trouxe uma "transformação profunda" à sua vida, especialmente no pós-parto, durante o qual sentiu que, apesar de toda a formação que tinha na área, "estava a falhar".

 

Por saber que este é um sentimento muito comum às recém-mamãs e por acreditar que é necessário dar mais atenção e suporte às mulheres durante este período, Carina decidiu escrever um livro sobre a importância do autocuidado e da autocompaixão.

Como realça a profissional de saúde no livro 'Mães Invencíveis, Mulheres Invisíveis', editado pela Oficina do Livro, "vivemos ainda numa cultura que alimenta a crença de que quando o bebé nasce, há uma mulher que fica invisível" e é isso que Carina Palma quer ajudar a mudar.

Senti-me muito sozinha, duvidei de todas as minhas capacidades e tive bastante dificuldade em olhar realmente para a minha filha, sem os óculos da profissional

Começou a escrever 'Mães Invencíveis, Mulheres Invisíveis' durante o seu pós-parto. Apesar de ser enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica acha que, enquanto mãe, também lhe faltava informação para lidar com todos os desafios que esta fase traz?

Sim, sem dúvida. Sendo enfermeira especialista, com uma vasta experiência com mães e bebés, criei a expectativa de que iria ser muito fácil. Afinal, tratar de um bebé era algo que fazia até de olhos fechados. Também achei, depois de um parto natural maravilhoso e de ter investido muito no meu desenvolvimento pessoal, que não iria "afundar". Então sim, faltou-me bastante informação, principalmente a de: os bebés não são 'by the book' e as mães, que estão a renascer juntamente com o bebé, precisam de ajuda. Senti-me muito sozinha, duvidei de todas as minhas capacidades e tive bastante dificuldade em olhar realmente para a minha filha, sem os óculos da profissional. Foi desafiante agarrar-me ao meu instinto de mãe, no meio de tanta culpa e sentimento de estar a falhar.

Quais os principais desafios pelos quais as mães passam no pós-parto?

Existem vários, mas diria que os principais são a sensação de invisibilidade, a solidão, o sentimento de culpa e de não estar a fazer a coisa certa, desafios em casal, a comparação com outras mães, e o não conseguir colocar-se como prioridade. Quando um bebé nasce, há uma mulher que se abafa, para dar espaço à mãe que se começa a criar. Uma mãe talvez insegura, frágil, com as hormonas à flor da pele a reorganizarem-se. Uma mãe que talvez tenha tido um parto difícil, que talvez não tenha conseguido amamentar e que, por isso, acha que falhou. Ou, por outro lado, uma mãe que teve tudo como desejou e, ainda assim, no meio de tanto choro e privação de sono, acha que está a fazer alguma coisa de errado, duvida de si. E por toda esta incerteza e medo do julgamento é habitual que as mães se isolem, que fiquem na sua bolha, não pedindo ajuda. Consequentemente há uma maior fragilidade emocional. 

 Ensina-se como cuidar e lidar com um bebé, mas não se ensina como cuidar e lidar com uma mãe

Não falta literatura sobre como cuidar dos bebés, o que fazer, o que não fazer, como incentivar o sono, cuidados, alimentação, amamentação, etc. Mas não há, pelo menos em Portugal, muitos livros que falem da mãe e de como essa deve ser cuidada e da importância do autocuidado. Acha que isso é o reflexo da nossa sociedade?

Sim, os cuidados no pós-parto ainda são muito focados nos cuidados ao bebé. Existem muitos livros, vídeos e aulas sobre como trocar uma fralda ou como dar o banho ao bebé, por exemplo (aliás são temas que muitos pais pedem ainda nas consultas na gravidez), mas poucos sobre os cuidados à mãe. E sou da opinião, sim, que é reflexo da sociedade, é cultural.

Quando pergunto a uma grávida se já pensou no pós-parto (coisas mais práticas como planeamento de refeições, apoio com o bebé, limpeza da casa, descanso, rede de apoio), a resposta é maioritariamente direcionada para o enxoval do bebé. Quando pergunto a uma mãe como está a correr esta experiência, facilmente aborda temas como "a amamentação agora já está a correr melhor, ainda acorda de noite, já ganhou peso...". E quando eu pergunto "ok, e como é que a senhora se sente?", ficam uns minutos de silêncio, porque é uma pergunta raramente feita. Quando o bebé nasce e o casal recebe visitas, a atenção vai para o bebé, que é tão fofinho, e a mãe fica ali, invisível, a acreditar que aquele momento é só para o bebé, ativando ainda mais a sua sensação de não merecimento. Claro que, como todos estes hábitos bem enraizados, a mãe acredita que as suas necessidades não são importantes. É geral. Ensina-se como cuidar e lidar com um bebé, mas não se ensina como cuidar e lidar com uma mãe, que talvez nem saiba quem é.

No livro dá exemplos de países que têm tradições focadas no tratamento e cuidado da mulher no pós-parto. O que acha que é necessário fazer para introduzir algumas mudanças em Portugal?

Bem, era bom conseguir sonhar e fazer acontecer no momento [risos]. Vivemos numa Era de muita informação, talvez em excesso, o que traz também mais confusão e ruído. Mas as mudanças passam por continuar a dar voz a este tema, sem ficar esquecido ou perdido: 
- Sensibilização da sociedade (campanhas públicas, testemunhos reais, espalhar narrativas reais e humanas pelos media);
- Educação e formação de profissionais de saúde (para incidirem neste tema nos hospitais e centros de saúde);
- Integração de redes de apoio e serviços comunitários (centros de apoio à parentalidade/maternidade; visitas domiciliárias pós-parto);
- Pressão política e criação de políticas públicas (propor políticas de saúde materna que incluam cuidados pós-parto para além das 6 semanas, criar incentivos financeiros e logísticos para apoiar o descanso da mãe, como licença partilhada alargada, apoios domiciliários ou grupos de apoio gratuitos, trabalhar com associações de utentes, ordens profissionais e deputados para apresentar propostas concretas...);
- Empoderamento e consciencialização das próprias mulheres (oferecer informação clara, acessível e empática, como faço no meu livro; criar espaços de escuta e partilha entre mães, onde se sinta segurança, validação e orientação, incentivar que cada mulher se prepare não só para o parto, mas para o seu próprio renascimento).

O que mais precisa uma mãe em pós-parto? De sentir que não está sozinha. Que tem colo e não olhos a vigiar"

Que conselhos daria a uma mãe/sogra que vai ser avó pela primeira vez?

Curiosa e muito interessante esta pergunta. A minha sogra comprou o livro, leu e disse-me "quem me dera ter lido este livro na minha altura, teria sido mais fácil. Aprendi muitas coisas que não fazia a mínima ideia na minha altura. E fiz errado." Então, sinto que este livro vai ser mesmo uma inspiração para as avós. Os meus conselhos ou sugestões passariam por:
- Lembre-se: a sua filha/nora está a tornar-se mãe, mas continua a precisar de si - Ela está a renascer, vulnerável e poderosa ao mesmo tempo. Escute com o coração, ofereça presença e a sua ajuda em vez de conselhos que por vezes a fazem sentir mais triste;
- Apoie, não substitua: Ela precisa de ser reconhecida como a mãe do bebé. Ofereça ajuda para que ela descanse, se alimente e se conecte com o bebé, sem ocupar o lugar dela (Por exemplo: em vez de pegar no bebé, talvez seja melhor fazer-lhe um chá, cozinhar ou arrumar a casa)
- Respeite as escolhas dela, mesmo que sejam diferentes das suas. A forma como se dá de mamar, o tipo de parto escolhido, a alimentação ou o sono... tudo pode ser diferente do seu tempo. E está tudo certo. Pode partilhar memórias, mas não como regras ou "no meu tempo não era assim". Acolha, pergunte: "Como te posso apoiar nas tuas escolhas?"
- Peça permissão antes de opinar ou agir - Mesmo com boas intenções, não tome decisões por ela, nem com o bebé, nem com a casa. Pergunte: "Queres que te diga o que penso?"; "Queres ajuda com isso?"; "Precisas de mim agora ou preferes um tempo só os três?".
- Ofereça segurança emocional, não julgamentos - O pós-parto é um turbilhão. Ela pode chorar, rir, estar cansada, insegura ou super confiante. Tudo isso é normal. Não é altura de avaliar, corrigir ou comparar. O que mais precisa esta mãe? De sentir que não está sozinha. Que tem colo e não olhos a vigiar.
- Cuide da mãe, e não só do bebé. Todos vão olhar para o recém-nascido. Poucos olham para a recém-mãe. Você pode ser essa exceção bonita: "Dormiste bem?"; "Queres que te traga sopa?"; "Precisas de tomar um banho sem pressas?". Sem ressentimentos. Se sente que não teve isso na sua altura, tem agora a oportunidade de fazer as pazes com esse sentimento, e ser gentil e bondosa...acredite, vai sentir-se muito feliz. 
- Honre o seu novo papel, com amor e humildade. Ser avó é um presente. E é também um convite a deixar a filha/nora brilhar na sua maternidade. Estar ao lado, não à frente. Estar por perto, mas com espaço.

O pós-parto não se mede em semanas, mede-se em camadas 
E aos maridos? No livro fala de um marido que não percebia como é que a mulher ainda estava em pós-parto, quando o bebé tinha quatro meses...

Sim. Esse é um dos grandes espelhos da nossa sociedade: um profundo desconhecimento (e, muitas vezes, desvalorização) do que é realmente o pós-parto, sobretudo para a mulher. Quando um homem diz "mas já passaram quatro meses", o que está implícito é que o que é visível (o bebé) já mudou, por isso o que é invisível (o estado interno da mulher) já devia ter passado também. Mas como falo no livro, o pós-parto não tem data de validade. E ser companheiro nessa fase exige mais do que amor — exige consciência. Então aqui ficam as minhas sugestões para os maridos:
- O pós-parto não tem um prazo, tem um processo. A sua mulher não voltou a ser quem era. E não deve. Ela está a tornar-se. Está a curar, a integrar, a conhecer o bebé e a si mesma, tudo ao mesmo tempo. Ela precisa que saiba: o pós-parto não se mede em semanas, mede-se em camadas.
- Seja o porto seguro, não o fiscal de emoções. Ela não precisa de alguém que diga "tens de ser mais positiva", "estás sempre cansada", "devias estar feliz". Ela precisa de um olhar que diga: "estou aqui contigo, mesmo quando não entendo tudo".
- Aprenda, pergunte, participe. Leia, informe-se, pergunte como ela está (de verdade), assuma tarefas sem esperar que ela diga. Lembre-se que não é a ajuda, é pai, é companheiro, é parte ativa da família. 
- O seu apoio pode ser mais importante do que o da mãe dela. Sabia que a forma como o parceiro apoia a mulher no pós-parto tem impacto direto na recuperação emocional e física dela? O seu amor agora veste-se de ações: dar-lhe tempo para descansar, proteger o espaço dela, validar as decisões dela...
- Fale menos, escute mais: Nem todas as dores dela precisam de solução. Algumas só precisam de presença. A frase "estou aqui contigo, mesmo sem saber o que dizer" vale mais do que mil conselhos.
- Lembre-se: amar um bebé é também amar a mulher que o pariu. Cuide dela. Dê-lhe colo. Diga-lhe que está a fazer o melhor possível. Que a vê. Porque, muitas vezes, ela sente-se invisível. E o seu olhar pode ser o que a mantém em pé.

O pós-parto não é só cheirinho de bebé. Também é choro, solidão, raiva, frustração e muita vulnerabilidade

E como é que as futuras mães se podem preparar para o turbilhão do pós-parto?

Uma excelente pergunta, tantas vezes ignorada. No meu livro fala sobre várias estratégias. O pós-parto é real, intenso, transformador… mas muitas vezes é romantizado ou silenciado. Preparar-se não significa evitar o turbilhão, mas sim saber nadar nele sem se afogar. Preparar-se para o pós-parto é tão importante quanto preparar-se para o parto. Existem algumas formas profundas, práticas e conscientes para uma grávida se preparar para o pós-parto, com base no equilíbrio entre ciência, sabedoria interna e realidade emocional, aquilo que defendo sempre:
- Entender que o pós-parto começa antes do parto. O corpo vai parir um bebé, mas a 'alma' vai parir uma nova mulher. Importante informar-se sobre o que muda no seu corpo e mente depois do parto (hormonas, sono, emoções, amamentação, identidade), escolhendo fontes seguras e reais;
- Ter um 'plano de pós-parto' tão sério quanto o 'plano de parto' - Quem vai cozinhar? Quem limpa a casa? Quem vai ouvir sem julgar? É importante fazer um plano prático, emocional e logístico pelo menos para os primeiros 40 dias: Quem estará disponível para apoiar (sem invadir)? Que alimentos/refeições terei preparados para nutrir-me? Como vou proteger o meu descanso e o meu espaço? Que sinais de alerta vou reconhecer se sentir tristeza persistente ou exaustão extrema?
- Preparar emocionalmente o parceiro e a família - As pessoas envolventes precisam de saber que a prioridade é a mulher. Explicar, antes do parto, o que espera deles. Partilhar textos, vídeos, episódios de podcast. Usar a voz para criar os seus limites com amor.
- Cultivar uma rede de apoio segura e sem julgamentos (profissionais de confiança, outras mães reais, amigos, familiares,...)
- Trabalhar as expectativas: O pós-parto não é só cheirinho de bebé. Também é choro, solidão, raiva, frustração e muita vulnerabilidade. Escrever, meditar, falar sobre como imagina o pós-parto e depois abrir espaço para o inesperado. A sua força vai estar na flexibilidade emocional, não no controlo.
- Lembrete para todos os dias: A mãe é tão importante quanto o bebé! O cuidado e conforto do bebé são proporcionais ao da mãe. Aqui sugiro escrever uma carta à futura mãe, com palavras reconfortantes ou um áudio para ouvir naqueles dias em que se sente mais triste e insegura. Eu gravei um áudio durante a minha gravidez e ouvi-o várias vezes ao longo do pós-parto e foi muito útil.

No fundo, não podemos controlar uma vida que é imprevisível, no entanto, vivemos de planos, sonhos, objetivos. E garantir um pós-parto o mais leve possível é obrigatório. Se pudesse resumir seria: como posso garantir que vou ser nutrida física e emocionalmente? Quem vai ajudar-me, para que eu possa descansar?

Atualmente, acompanha mulheres e casais durante a gravidez e pós-parto em consultas e partilhando conteúdos educativos. Quais as principais dúvidas que chegam até si? Acha que os casais estão preparados para o que aí vem?

De uma forma mais racional talvez sim, pois há muita informação a circular, mas de uma forma mais intuitiva e consciente talvez ainda seja um caminho, visto que esta Era das tecnologias e o excesso de informação nos afasta da nossa essência. Com a realidade das maternidades em Portugal, as mulheres sentem medo e querem ter a certeza que não passam por processos traumáticos, o mesmo acontece no pós-parto, em há uma necessidade de controlo para garantir que está tudo perfeito e não são causados traumas aos nossos filhos. As principais dúvidas são essencialmente sobre questões do parto, como saber lidar com a dor, o que fazer para não sofrer violência obstétrica, como dar banho a um bebé, como trocar a fralda, como lidar com o choro, questões na amamentação... basicamente, se formos aprofundar todas as dúvidas, o grande objetivo é garantir que o bebé está bem.

O que aconselha as mulheres a fazer perante os comentários que a sociedade tende a tecer quando nasce um bebé?

Mais uma pergunta muito necessária. Porque quando nasce um bebé… nasce também uma "enxurrada" de comentários. Muitos vêm com boas intenções, mas poucos com consciência. E as mulheres, muitas vezes ainda frágeis e vulneráveis no pós-parto, absorvem essas palavras como verdades… quando, na verdade, muitas são projeções ou mitos culturais. As minhas sugestões para as mulheres que são bombardeadas por comentários, muitas vezes desnecessários são:
- Respire antes de reagir, escolha responder em vez de absorver. Quando alguém diz "já devia dormir a noite toda", ou "ainda não voltaste ao teu corpo?", ou "tens de ter cuidado para não mimar demais". Respire. Isso diz mais sobre quem fala do que sobre si. Diga a si mesma: "Este comentário é deles. Eu não preciso levá-lo comigo".
- Crie o seu escudo de proteção emocional - Pode imaginar mesmo um escudo invisível que a protege do ruído externo. Antes de encontros familiares ou visitas, afirme internamente: "Eu confio em mim. Estou a fazer o melhor. Não preciso da aprovação de ninguém".
- Use respostas curtas, firmes e gentis (se quiser responder). Algumas frases que transmitem respeito sem se justificar: "Estamos a fazer o que sentimos que é melhor para nós."; "Obrigada, mas preferimos fazer diferente"; "Estamos a seguir o que aprendemos com a nossa profissional de confiança"; "É mesmo um tempo muito sensível, o que eu mais preciso agora é apoio, não conselhos" ou ainda "Não quero falar disso agora"; "Prefiro não entrar nesse assunto".
- Lembre-se: o seu bebé não precisa de uma mãe perfeita, precisa de si, presente, real e verdadeira. Cada vez que duvida de si por causa de um comentário, pergunte: "Esta ideia vem da minha intuição… ou do medo de não agradar?"
- Rodeie-se de vozes que a nutrem, e silencie (ou afaste) as que a drenam. Nesta fase, precisa de apoio real. Quem não respeita os seus limites, não está a cuidar de si. Escolha estar com quem a ouve sem a corrigir, com quem a acolhe sem a julgar.
- Cuide da sua voz interna, para que não se torne um eco da sociedade. Os comentários externos só entram se o seu mundo interno os permitir. Pratique afirmações diárias: "Confio no meu instinto"; "Sou suficiente"; "A maternidade é minha, não da sociedade".

A forma como as nossas antepassadas viveram a maternidade influencia-nos

Como é que a forma como as nossas avós, mães e restantes mulheres da família viveram a maternidade pode afetar a forma como nós a vemos e vivemos?

Esta é uma pergunta profunda, que toca nas raízes invisíveis da nossa maternidade. Porque antes de sermos mães, fomos filhas de outras mulheres que também maternam. E a forma como elas viveram a maternidade, muitas vezes com dor, silêncio, sacrifício ou até negação de si mesmas, molda, muitas vezes sem percebermos, a forma como nós a experienciamos. Então a forma como as nossas antepassadas viveram a maternidade influencia-nos. Mesmo sem palavras, herdamos olhares, medos, crenças, formas de amar e de nos anularmos. Outra questão é a epigenética, a ciência já mostra que traumas emocionais vividos por avós podem afetar a saúde mental e emocional das netas, o que significa que se a sua avó sofreu um parto violento, um luto não elaborado, uma maternidade solitária…esse sofrimento não expressado pode estar a vibrar em si, não como destino, mas como um convite à cura. O que também nos afeta é a forma como fomos educadas, muitas de nós veio de uma educação controladora e caminha para uma educação permissiva, e encontrar o equilíbrio é um trabalho diário. Muitas mulheres sentem-se divididas: ou tentam fazer tudo como a mãe fez (em nome da lealdade) ou fazem o oposto (em nome da libertação). Mas ambas as opções partem de uma reação. O verdadeiro caminho é perguntar: “o que é verdadeiramente meu, aqui?”. A dor que não foi falada transforma-se em silêncio dentro de nós. Se a sua mãe nunca falou do pós-parto, se a sua avó nunca disse que chorou, e se ninguém validou as dores da maternidade…é provável que sinta culpa por tudo o que está a sentir. Que ache que estás a falhar, porque "ninguém me disse que era assim". Este silêncio entre gerações cria um vazio que nos pode fazer sentir sozinhas, mesmo rodeadas de pessoas.

Quais as principais dicas que gostaria de destacar e que podem fazer a diferença na vida das mulheres que estão prestes a ser mães ou recém-mamãs?

Quando uma mulher está prestes a ser mãe, ou acabou de o ser, o que ela mais precisa não são fórmulas mágicas, mas verdade, apoio e presença. E pequenas grandes dicas podem ser transformadoras:
- A primeira é aquela que já falei: pense no pós-parto com a mesma importância do parto. Ter um plano de pós-parto realista, prático e adaptado às necessidades físicas e emocionais pode fazer a diferença;
- Tenha um congelador recheado de comida, peça à mãe, sogra ou amiga para cozinhar ou compre refeições prontas, mas nutritivas, para garantir que pelo menos durante um mês (mínimo na minha opinião), não pensa em cozinhar. Até pode sentir-se bem, mas acredite, precisa mesmo de fazer os mínimos, porque cuidar de um bebé já é fazer os máximos;
- Proteja o espaço físico e emocional: Nem toda a gente precisa de ver o bebé nos primeiros dias. As visitas devem cuidar, não dar trabalho. Aprenda a dizer "agora não é o melhor momento, agradeço a compreensão";
- Pedir ajuda e aceitar ajuda é o maior ato de coragem e amor-próprio: não é sinal de fraqueza. É sabedoria ancestral. Pedir ajuda não significa não ser capaz, significa saber que não nasceu para fazer tudo sozinha. Aceite o jantar que lhe oferecem. Peça para segurarem o bebé enquanto toma banho. Delegue sem culpa;
- Informe-se sobre amamentação (antes de precisar dela), se esse for o seu desejo: a amamentação é natural, mas não é sempre intuitiva. Saber o que esperar (descida do leite, pega correta, sinais de alerta) faz toda a diferença. E, se não correr como imaginou, lembre-se: o seu valor como mãe não se mede em mililitros;
- Fale consigo com amor: se disser a si mesma "não estou a conseguir", lembre-se: Está a conseguir sim, só que está a ser difícil. E é normal, faz parte do processo de adaptação;
- Valide todos os seus sentimentos, sem julgamento: é possível amar o seu bebé e querer fugir. Sentir-se grata e exausta. A maternidade é paradoxal. Não está a falhar, está a sentir. E isso é ser humana;
- Conheça os sinais de alerta da depressão ou exaustão pós-parto e fale uma psicóloga e/ou psiquiatra perinatal (estes temas são todos abordados no meu livro);
- Lembre-se: a sua experiência é válida, mesmo que diferente da das outras mulheres: não se compare. Não tente encaixar no que vê nas redes sociais. É a mãe certa para o seu bebé, com a sua história, o seu corpo, o seu tempo. Não está sozinha. E não precisa de ser perfeita para ser maravilhosa.

Leia Também: "É preciso desmistificar que o parto altera inevitavelmente o corpo"

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