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"A minha geração, por ser ambiciosa e autocentrada, acabou isolada"

A escritora Margarida Rebelo Pinto é a convidada desta segunda-feira do Vozes ao Minuto.

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© Global Imagens

Daniela Filipe
21/04/2025 08:05 ‧ há 5 dias por Daniela Filipe

Cultura

Margarida Rebelo Pinto

Numa altura em que se assinalam 25 anos desde o lançamento de 'Não Há Coincidências', Margarida Rebelo Pinto voltou a conceder protagonismo à geração X. Contudo, a solidão e as ambições falhadas são, agora, temas centrais, explorados em 'A Grande Ilusão'.

 

Mas as novidades não se ficam por aqui. É que, volvidas duas décadas, a escritora, que conta com mais de um milhão de exemplares vendidos, passou a integrar o catálogo da Alma dos Livros, tendo, também, acolhido uma nova edição. "Tenho uma ligação profissional e emocional muito forte ao meu antigo editor, mas as mudanças fazem parte da vida", confessou ao Notícias ao Minuto.

É também sobre a vida que 'A Grande Ilusão' reflete, particularmente depois dos 50 anos, camada populacional que "foi levada a acreditar que tudo era possível e tudo podia ser perfeito; mas nunca é". Aliás, Margarida Rebelo Pinto assinalou que, se a sua "geração, por ser muito ambiciosa, autocentrada e individualista, acabou bastante isolada", as próximas poderão vir a gerar "pessoas muito diferentes de nós, que vivem uma realidade virtual", caso não sejamos capazes de tirar "imediatamente os miúdos da frente dos ecrãs".

Ao meu redor, infelizmente, assisto a mais relações pouco felizes do que felizes, algumas bastante tóxicas. Também vejo muitos pais próximos dos filhos e, ainda assim, não os entendem

O que é que a motivou a escrever esta obra?

Depois de passar a barreira dos 50 anos, penso que é inevitável para todas as pessoas fazerem uma reflexão sobre como foi o passado e como pode ser o futuro. A geração X, à qual pertenço, foi a primeira a ter acesso total a um Portugal moderno, europeu, com crescimento económico e evolução social, e muito diferente do país das décadas anteriores. Cada geração tem as suas peculiaridades, a minha foi levada a acreditar que tudo era possível e tudo podia ser perfeito; mas nunca é, pois não? Foi com base nesse conceito que criei esse conjunto de personagens, ligando-as entre si como peças de um puzzle que vai encaixando misteriosamente.

'A Grande Ilusão' é um livro sobre pessoas imperfeitas, a maioria de estrato social alto, pautado por relações infelizes, de conveniência e até extraconjugais. Porque é que optou por esta via?

Porque é uma realidade que me aproxima. Ao meu redor, infelizmente, assisto a mais relações pouco felizes do que felizes, algumas bastante tóxicas. Também vejo muitos pais próximos dos filhos e, ainda assim, não os entendem. E pessoas ainda jovens, na faixa dos 40, com questões fracturantes que não conseguem resolver.

Se não tirarmos imediatamente os miúdos da frente dos ecrãs, estaremos a correr o risco de criar pessoas muito diferentes de nós, que vivem uma realidade virtual, relegando o real

Considera que a obra pode ser também uma carta de amor à amizade?

A vida ensinou-me que a amizade é a forma mais sublime de amor, porque não tem cobrança, nem prazo de validade. A amizade é uma bênção; devemos ter muita atenção em cultivar boas amizades ao longo da vida, não interessa se são antigas ou novas, o importante é construir uma rede de pessoas com quem podemos contar.

Usou, a dada altura, a expressão "geração da solidão" para se referir à faixa etária das personagens que retrata em 'A Grande Ilusão'. Na sua ótica, trata-se de um fenómeno somente da geração X? Ou estamos cada vez mais a caminhar para um mundo em que o individualismo e a solidão reinam em todas as camadas geracionais, com o advento das redes sociais, por exemplo?

Estou renitente em relação ao futuro. A minha geração, por ser muito ambiciosa, autocentrada e individualista, acabou bastante isolada. Porém, casamos e tivemos filhos. As nossas aptidões sociais podem estar um pouco enfraquecidas, mas nunca irão desaparecer. Penso que o mesmo pode acontecer à geração Millennial.

Contudo, quanto às gerações seguintes, já não tenho essa opinião. Se não tirarmos imediatamente os miúdos da frente dos ecrãs, estaremos a correr o risco de criar pessoas muito diferentes de nós, que vivem uma realidade virtual, relegando o real. Considero que estamos perante um dos maiores perigos jamais vividos para a preservação da espécie humana.

Escreveu também que "os homens deixam-se ficar e as mulheres deixam-se ir". O que é que quis dizer com isto?

Quero dizer que, tendencialmente, e apenas tendencialmente, sem querer fazer generalizações ou afirmações incontestáveis, será mais fácil uma mulher separar-se quando está num casamento infeliz do que um homem. Parece-me que há um certo comodismo masculino que faz com que os homens não se separem ou não terminem uma relação, mesmo que esta possa não ser boa para eles ou para a pessoa com quem estão.

De que forma é que a sua escrita, os seus processos e os seus enredos evoluíram desde 'Sei Lá'?

Passaram mais de 25 anos, são 20 romances, claro que a minha escrita mudou. Como e em que medida é algo que cabe aos leitores apreciar.

Notícias ao Minuto
© Alma dos Livros  

Volvidos 20 anos a trabalhar com o mesmo editor, o que é que a levou a integrar o catálogo de autores da Alma dos Livros?

É uma editora moderna, muito dinâmica, com uma equipa de pessoas competentes e apaixonadas e que conhece bem as novas regras do mercado.

Como é que lidou com essa mudança?

Foi muito lento e muito difícil, demorei um ano a tomar a decisão. Tenho uma ligação profissional e emocional muito forte ao meu antigo editor, mas as mudanças fazem parte da vida.

Que outros projetos tem em mãos? O que podemos esperar de si no futuro?

Em breve, gostaria de publicar mais um romance. Tenho duas ideias distintas e vou começar a trabalhar em ambas para ver qual me conquista primeiro. Porém, ainda é cedo para saber. Mas uma coisa é certa: quero escrever até o último dia da minha vida e espero conseguir.

Leia Também: "A ideia de o meu filho ficar desamparado dá uma nova perspetiva à morte"

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