Contactado pela agência Lusa, o artista disse sentir-se "muito feliz e honrado por ser dos primeiros a receber este prémio", no valor de 150 mil euros, que partilha nesta primeira edição com a artista anglo-ruandesa Dorothée Munyaneza.
O prémio, entregue hoje à noite numa cerimónia na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, distingue artistas de todo o mundo com talento ou qualidades especiais que mereçam ultrapassar as suas fronteiras nacionais, visando apoiá-los na projeção internacional.
"De certa forma, este prémio vai dar holofotes, e colocar outra vez Moçambique no mapa da dança, iluminar a forma como pensamos esta arte, ajudar a fortalecer as nossas batalhas quotidianas como artistas coreográficos", disse o criador à Lusa.
Os vencedores foram escolhidos entre cinco finalistas por um júri independente composto por Mette Ingvartsen, Nayse López e Fu Kuen Tang, que destacaram as "abordagens artísticas particularmente bem-sucedidas" e a "ligação profunda" dos artistas aos seus contextos culturais e sociais.
Idio Chichava fez carreira em França e regressou a Moçambique, onde se tornou diretor artístico da companhia Converge+, que promove o ensino gratuito da dança junto de comunidades locais, investe em produções multidisciplinares e criações colaborativas.
"Este prémio veio reforçar as minhas expectativas e convicção como artista coreográfico que trabalha a partir de Moçambique, com moçambicanos, dentro e fora do país", confessou à Lusa.
A passagem de 15 anos em França foi "como uma escola", que lhe possibilitou "olhar a dança em Moçambique de outra forma, e encontrar pontos claros de como trabalhar" no seu país.
"Ser ainda mais profissional e interventivo, estruturar a dança, são as minhas prioridades desde que estou em Moçambique. Isso passa por formar bailarinos e fazer-lhes crer que, trabalhando como coletivo e como comunidade é muito mais harmonioso para o ecossistema da dança", defendeu o coreógrafo.
O júri destacou o trabalho de Idio Chichava como "uma afirmação poderosa da energia coletiva e do desejo de criar e coexistir".
Com a sua companhia, criou o projeto/espetáculo "Vagabundos" que está a ser mostrado em palcos internacionais desde 2023, estando prevista a sua apresentação, pela primeira vez em Portugal, no Porto, no Festival Dias da Dança, em 2025, revelou à Lusa.
"Vagabundos" fala das migrações, da construção das imagens pós-coloniais, das formas de descolonizar o corpo e entendimentos, temas "que também se encaixam com a história de Portugal", apontou Chichava.
A companhia está sediada em Maputo, e parte das curadorias e de projetos de formação estão descentralizados do centro da capital "para criar pontos mais fortes com a periferia e o centro".
Questionado sobre o contexto atual que o seu país vive, de turbulência política e protestos nas ruas desde as últimas eleições, o artista disse que "a situação é muito preocupante".
"O regime está a desrespeitar muito a integridade física dos moçambicanos, e a violar o direto à liberdade de expressão", comentou o coreógrafo.
De acordo com Idio Chichava, "como a linguagem coreográfica da companhia tem muito a ver com rua, a situação em Moçambique está a afetar muito a criatividade e a atividade da companhia".
"Estamos a usar a arte como uma forma de revolucionar e resistir, lutar para que Moçambique seja um lugar para aspirar a futuros melhores", disse, acrescentando que, apesar da situação ser " caótica", o povo "não prima pela violência face a um regime cruel".
Além do prémio monetário, Idio Chichava e Dorothée Munyaneza, os dois vencedores da primeira edição do prémio europeu de dança, terão a oportunidade de apresentar os seus trabalhos nos palcos das seis instituições parceiras do galardão, que incluem o ImPulsTanz -- Vienna International Dance Festival, o KVS - - Royal Flemish Theatre (Bélgica), o Dansehallerne (Dinamarca), a Maison de la Danse/Biennale de la Danse (França), a Joint Adventures (Alemanha) e o Sadler's Wells (Reino Unido).
A portuguesa Catarina Miranda, a marroquina Bouchra Ouizguen, e a franco-argelina Dalila Belaza estavam entre os cinco finalistas da edição inaugural do prémio europeu de dança Salavisa lançado pela Gulbenkian.
Criado em 2023, o Salavisa European Dance Award homenageia o legado do bailarino e diretor artístico português Jorge Salavisa (1939-2020), sendo atribuído de dois em dois anos a artistas que ainda não alcançaram grande visibilidade no circuito europeu.
O júri desta edição incluiu Mette Ingvartsen, coreógrafa dinamarquesa que combina dança com artes visuais e tecnologia, Nayse López, curadora e diretora artística do Festival Panorama, e Fu Kuen Tang, dramaturgo e curador sediado em Banguecoque, com projetos em diversas plataformas na Europa e Ásia.
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