De Pina Maquine para Old Trafford. Ruben Amorim é o novo treinador do Manchester United, deixando o Sporting ao fim de quase cinco anos de ligação. O jovem técnico português de 39 anos não conseguiu resistir ao convite de um dos maiores clubes do mundo e tem agora em mãos a difícil missão de voltar a colocar os red devils na rota dos tempos mais dourados. Quem o conhece, não tem dúvidas. Se há treinador capaz de colocar os red devils novamente no topo, é Ruben Amorim.
A dois dias da estreia no banco do United, o Desporto ao Minuto viajou no tempo e recuou até junho de 2018, altura em que Ruben Amorim fora anunciado como treinador do Casa Pia, que, naquela altura, militava na Série D do Campeonato de Portugal. Dois anos depois de ter pendurado as chuteiras como jogador, Amorim passava da prática à teoria e assumia o primeiro desafio da nova carreira – mesmo sem o tal curso que, mais tarde, tanto daria que falar. O impacto foi imediato. O Casa Pia acabaria por subir de divisão e o plantel chorou quando Amorim anunciou que se ia embora, rumo a Braga. Afinal, tratava-se de um treinador que não deixava ninguém indiferente.
Evandro Roncatto lembra o dia em que o amigo Carlos Saleiro, também ele antigo jogador, lhe ligou para falar da possibilidade de regressar a Portugal e ser orientado pelo ex-colega de equipa, Amorim. O então avançado foi apanhado de surpresa, mas acedeu ao convite, após conversar com o amigo que conhecera no Belenenses. No entanto, o brasileiro estava longe de imaginar que estaria perante o treinador que rumaria a Old Trafford seis anos depois.
"Tive uma reunião com o Ruben, porque tinha uma amizade com ele, e até lhe disse, na brincadeira: 'Eu nem te vejo como treinador, mas pronto. Vamos ver. Estiveste tantos anos com o JJ, pode ser que te saia qualquer coisa'", começa por recordar Roncatto, entre risos, em conversa com o Desporto ao Minuto.
Dito e feito. Ruben Amorim depressa ganhou o respeito do plantel, com Roncatto a perceber que a brincadeira de associar o amigo e novo treinador a Jorge Jesus até tinha, no fim de contas, algum sentido.
"Pela maneira de ser e de estar, percebi que ele ia ter sucesso. Nas mãos dele, o Casa Pia fez o campeonato que fez, e, se subiu de divisão, muito se deve a ele", lembra.
Ruben Amorim fora apresentado como treinador do Casa Pia a 10 de julho de 2018. © Casa Pia AC
"Os jogadores morrem por ele"
Amorim olha para o plantel que tem à disposição sempre da mesma forma. Todos contam. Mesmo aqueles que não jogam. Mas como consegue, afinal, Ruben Amorim ter o grupo do seu lado? Com clareza e frontalidade. É o que explica José Embaló, outro dos jogadores que fazia parte do clube de Pina Maquine, naquela altura.
"Os jogadores estão sempre do lado de Amorim. Podem não jogar durante dez jornadas, mas estão sempre com ele. É a clareza e o respeito com que ele diz as coisas. Fala de coração. Às vezes, diz: 'Gostava muito de te meter a jogar, mas o outro não deixa, porque está a fazer um bom trabalho. Isto é um grupo'. Tu, enquanto jogador, acabas por entender e levar aquilo com uma leveza. Vais para o treino motivado e não consegues fazer cara feia. É difícil explicar esta relação, mas só vivi isto com ele. Admiro-o muito", recorda Embaló, antes de revelar uma conversa que teve com o então treinador, após ficar a saber que não seria titular num jogo da Taça de Portugal.
"Fazia tudo às claras, à frente do grupo, e muito raramente falava com os jogadores de forma individual. Eu não ia ser titular e não percebia o motivo. Fiquei triste e chateado com a situação, mas não o demonstrei, porque não era correto. Mas ele sentiu, chamou-me e disse: 'Normalmente não gosto muito de falar, mas vou ter esta conversa contigo para me entenderes. Tu és o agitador da nossa equipa. Vais ser muito importante. A partir dos 60 ou 70 minutos, o jogo aperta, e é aí que eu preciso de ti. Preciso que agites o jogo. Acredito que serás tu a decidir o jogo'. Foi uma injeção de confiança! Disse-me aquilo e a verdade é que foi tal e qual o aconteceu! Entrei aos 60 minutos, passados dois ou três minutos fazemos o 1-0 e, depois, o 2-0. Aí, foi o dia em que eu disse: 'Tenho um treinador muito sério à minha frente'. Até então, não tinha aprendido que, mesmo no banco, somos todos muito importantes na visão do treinador", relata o avançado luso-guineense.
Não é só em Alvalade. Rúben Amorim também deixa saudades em Pina Manique. © Global Imagens
Também Carlos Pires, diretor desportivo e principal responsável pela aposta do Casa Pia em Ruben Amorim, em 2018, admite ter ficado desde logo conquistado pelo então treinador inexperiente, mas já carismático.
"Após a primeira conversa, percebi logo que o Ruben era especial e que ia ser bom para o Casa Pia. Achei que ele tinha futuro, mas daí a prever que passados seis anos iria chegar ao Manchester United… Ninguém conseguia prever isto. Parecia-me, sim, estar ali alguém especial e diferente", conta Carlos Pires ao Desporto ao Minuto, antes de falar sobre o "milagre" de "transformar tudo em ouro".
"Costumo dizer que Ruben transforma tudo o que toca em ouro. Ele tem essa capacidade. A forma de comunicar dele é uma das razões desse milagre, mas não podemos esquecer a parte humana. É um grande homem. Sofremos alguns revés ao longo da época e pudemos testemunhar o treinador que ele era. Os jogadores morrem por ele. Não só os jogadores, mas a equipa técnica, o roupeiro, os fisioterapeutas... Ele é muito agregador", vinca o dirigente.
Influência de JJ
Uma das grandes influências de Ruben Amorim dispensa apresentações. Jorge Jesus cruzou-se no caminho do compatriota por duas ocasiões, e, desde então, existe uma relação especial, pese embora sem o contacto de outros tempos. Ainda assim, Amorim confessou, já em fase de despedida de Alvalade, que JJ fazia parte do lote de inspirações, ao passo que o treinador do Al Hilal também já fez questão de lembrar que este foi o jogador que mais tempo trabalhou consigo.
Nesse sentido, torna-se natural haver semelhanças entre ambos, pese embora a grande diferença de idades e respetivos momentos de carreira. Evandro Roncatto não esquece aquilo que vivera bem de perto na relação Amorim-JJ, nos tempos do Belenenses, e aponta o elemento que os difere enquanto treinadores. Jorge Jesus foi o treinador com quem Ruben Amorim mais vezes jogou, conquistando diversos títulos juntos no Benfica.© Global Imagens
"Muitos dos métodos no treino são baseados no Jorge Jesus. São treinadores com outra visão, mas o Ruben tem uma coisa diferente do Jorge Jesus, que é a relação pessoal com os atletas. O Amorim tem, por exemplo, a minha idade. Eu ser comandado por ele, tendo jogado com ele e sendo amigo dele, ficava mais fácil. Havia jogadores mais velhos que ele, no plantel do Casa Pia, mas ele sabia lidar com isso e uniu o balneário de forma incrível. Quando ele pediu para ir embora [para o Sp. Braga], vi o grupo todo a chorar e a levantar-se para dizer: 'Se ele for embora, nós também vamos'. Isto é raro no futebol. O trabalho pessoal com os jogadores é incrível", aponta o ex-jogador brasileiro.
O aprendiz superou o mestre e anos mais tarde Ruben Amorim já defrontou Jorge Jesus por três vezes, vencendo Jesus em duas ocasiões. © Getty Images
A importância dos adjuntos
Amorim não seguiu viagem sozinho para Inglaterra. Carlos Fernandes e Adélio Cândido estão ao lado de Amorim desde o ponto de partida. Sim, desde Pina Manique, sendo que, no caso do segundo, já trabalhava no Casa Pia, desde 2016. Na visão dos jogadores, os adjuntos são tão importantes como Amorim, que lhes delega tarefas específicas. De resto, nem ponderou a ideia de não poder contar com ambos em Old Trafford.
"Eu conheço muito bem o Carlos Fernandes e o Adélio. São o ponto de equilíbrio do Ruben. São muito importantes no trabalho dele, na maneira como ele pensa o jogo e como prepara o jogo. O Ruben tem de ter os dois ao seu lado. Eles têm uma visão que, às vezes, o Ruben não tem. Se é a combinação perfeita, não sei, mas acho que quase chega à perfeição. Até mandei mensagem aos dois a dizer para tomarem conta do Ruben", revela Roncatto, em jeito de brincadeira, mas reconhecendo a importância capital de ambos os adjuntos de Amorim.
Também Embaló não tem dúvidas em sublinhar que, tanto Carlos Fernandes, como Adélio Cândido são respeitados pelo balneário na mesma medida de Amorim.
"Amorim distribui funções. O Carlos Fernandes é o homem das bolas paradas. Às vezes, o treinador diz que é para fazer assim ou de outra maneira. Com Amorim, isso não acontece. O Amorim diz: 'Isto cabe ao Carlos Fernandes'. O Adélio trata da análise. Para nós, jogadores, quando o Carlos Fernandes ou o Adélio falam, é como se fosse o Amorim a falar. Estão muito ligados. A mensagem é uma só", garante o avançado de 31 anos.
Amorim na última festa do título do Sporting, com os adjuntos Carlos Fernandes e Adélio Cândido. © Sporting CP
Ingleses entusiasmados, mas há desconfiança
Em terras de Sua Majestade o nome de Ruben Amorim ecoa um pouco por todo o lado. A expectativa é grande. Será Amorim o homem capaz de colocar, de uma vez por todas, um ponto final no longo jejum de títulos de Premier League desde da saída do mítico Sir Alex Ferguson? A resposta só poderá ser dada dentro de alguns meses. Para já, a confiança parece ter voltado aos adeptos do Manchester United, pese embora os casos recentes motivem sempre uma leve desconfiança.
Idalécio, antigo jogador do Sp. Braga, que vive há mais de uma década em Inglaterra, apresenta-nos o lado inglês. A curiosidade em torno do compatriota gera perguntas atrás de perguntas ao português que se mudou para solo inglês há quase 11 anos.
"Os ingleses olham para Amorim com algum entusiasmo e têm a esperança que dê continuidade ao excelente trabalho que fez no Sporting. E, claro, existe alguma apreensão por esta aposta num jovem treinador só com experiência em Portugal", começa por contar Idalécio, ao Desporto ao Minuto.
A pressão está toda em cima dos ombros de Ruben Amorim, mas o próprio até já afirmou que não sente tamanho peso. No entanto, a margem de erro em Old Trafford será bastante reduzida. Este é o preço a pagar por ser treinador de um dos clubes mais históricos do futebol mundial.
"Sem dúvida que, pela sua história, o United é sempre um clube de muita exigência, quer para treinadores, quer para jogadores", aponta o antigo defesa central do Sp. Braga, que também vestiu a camisola do Rio Ave. Ainda assim, Idalécio pede paciência para Amorim, mesmo destacando a importância dos resultados imediatos.
"É sempre arriscado iniciar um projeto com o plantel já formado. Todos sabemos que os resultados serão importantes, mas julgo que vão ter alguma paciência para que o seu trabalho seja reconhecido. Pior do que estavam a fazer com Ten Hag será difícil…", remata Idalécio, fazendo uma alusão clara ao antecessor de Amorim que, a bem da verdade, não deixa saudades por entre os adeptos ingleses.
Chave do sucesso está na mão de Amorim
Ser treinador do Manchester United não é para qualquer um, mas Amorim parece reunir os ingredientes necessários para iniciar um novo e renovado legado em Old Trafford. Para tal, apenas precisa de se manter fiel aos seus princípios e fazer os jogadores acreditarem em si próprios.
"Acho que acima de tudo, o Ruben tem de ser fiel a si próprio e aos seus princípios. Acredito que ele não vai abdicar disso. Claro que terá de se adaptar aos jogadores e ao clube, mas a carreira do Ruben foi sempre degrau a degrau. Começa no Casa Pia, sobe o degrau para o Sp. Braga B, sobe outro para a equipa principal do Sp. Braga e a seguir vai para o Sporting. É mais um degrau. Ele tem sido brilhante a subir os outros, e tenho a certeza de que irá triunfar. O United, numa dimensão diferente, está um pouco na mesma situação em que estava o Sporting quando o Ruben chegou", vaticina Carlos Pires, numa opinião também partilhada por Embaló.
"De uma coisa tenho a certeza. Qualquer jogador que sinta falta de confiança, com Amorim, vai estar completamente à vontade. Vai ser um problema fácil de resolver para o Amorim, porque ele não mete pressão nenhuma nos jogadores. Se ele vir que estás com falta de confiança, ele vai trabalhar contigo para ganhares confiança, seja qual for a tua posição em campo. Ao início, os jogadores do United até vão estranhar tanta confiança que ele vai depositar neles. 'Ele acredita mesmo que eu tenho estas qualidades?', dirão. Alguns jogadores até vão descobrir novas qualidades. Foi o que aconteceu comigo", atira o ex-Casa Pia.
Despedida memorável em Alvalade deixou evidente a boa relação dos jogadores do Sporting com Amorim. © Getty Images
Por seu turno, Roncatto acredita que o Manchester United é um desafio à medida de Amorim, destacando que o legado deixado em Alvalade já pedia outros voos para um treinador tão ambicioso como o antigo colega e amigo.
“O Ruben já está num patamar acima por tudo o que fez no Sporting. Pegou num clube que estava meio desacreditado e fez uma transformação que ninguém esperava. Toda a gente achava que ia correr mal e as coisas correram bem. Ele já estava próximo deste passo. O United é um colosso do futebol mundial e vai entrar lá da mesma forma que entrou no Sporting. É um clube com muitos problemas, mas, se lhe derem autonomia, o Ruben vai colocar o United no patamar de nunca devia ter saído", defende.
Os primeiros jogos do United na 'Era Amorim'
Domingo será mais um dia especial na ainda curta carreira de treinador para Ruben Amorim. A estreia como técnico do Manchester United acontecerá em Portmand Road, frente ao Ipswich, na Premier League, sendo que apenas quatro dias depois vai fazer o primeiro jogo em Old Trafford, a sua nova 'casa', ante o Bodo/Glmit.
- Ipswich, 24 de novembro (Premier League)
- Bodo/Glmit, 28 de novembro (Liga Europa)
- Everton, 1 de dezembro (Premier League)
- Arsenal, 4 de dezembro (Premier League)
- Nottingham Forest, 7 de dezembro (Premier League)
- Plzen, 12 de dezembro (Liga Europa)
- Manchester City, 15 de dezembro (Premier League)
- Tottenham, 19 de dezembro (Taça da Liga inglesa)
- Bournemouth, 22 de dezembro (Premier League)
- Wolverhampton, 26 de dezembro (Premier League)
- Newcastle, 30 de dezembro (Premier League)
Estreia como treinador do Manchester United acontece já no domingo, às 16h30 horas, contra o Ipswich. © Getty Images
O raio-X aos antecessores pós-Ferguson
- David Moyes: 26 vitórias em 51 jogos
- Ryan Giggs (interino): duas vitórias em quatro jogos
- Louis van Gaal: 54 vitórias em 103 jogos
- José Mourinho: 68 vitórias em 108 jogos
- Ole Gunnar Solskjaer: 92 vitórias em 168 jogos
- Michael Carrick (interino): duas vitórias em três vitórias
- Ralf Rangnick: 11 vitórias em 29 jogos
- Erik ten Hag: 72 vitórias em 128 jogos
- Ruud van Nistelrooy (interino): três vitórias em quatro jogos
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