"A legitimidade é absoluta a partir do momento em que há uma hierarquia perfeitamente definida na modalidade. Ela decorre dos próprios estatutos da FIFA e os clubes filiados nas respetivas federações-membro têm a obrigação de respeitar os regulamentos e os estatutos da FIFA. A análise será sempre algo subjetiva, mas, se for ostensivo que um clube não se apresenta com a sua melhor equipa, será aberto um processo disciplinar", notou à agência Lusa Gonçalo Almeida, advogado e juiz da Câmara de Agentes do Tribunal de Futebol da FIFA.
Essa exigência da FIFA consta do regulamento do Campeonato do Mundo de clubes e segue as diretrizes de outras provas internacionais, entre as quais o Mundial de seleções ou a Liga dos Campeões, esta sob égide da UEFA, de forma a salvaguardar a integridade competitiva.
"Sendo uma competição oficial, o objetivo de qualquer equipa passará por ter o melhor desempenho possível e isto significa que terá de usar necessariamente os seus melhores jogadores, mas pode fazer uma gestão pontual nesta ou naquela posição e não vai ser sobre essas opções técnicas que a FIFA intervirá do ponto de vista disciplinar", admitiu.
Gonçalo Almeida julga que um clube "não pode querer receber contrapartidas financeiras muito altas pela sua participação e, em simultâneo, não utilizar os protagonistas que dão visibilidade à prova", enquanto o também advogado Jerry Silva acredita que a exigência da FIFA reflete a "manifestação mais clara e inequívoca de abuso de posição dominante".
"O que é isto de utilizar os principais futebolistas? São os que jogaram mais minutos? Os que marcaram mais golos? Os que sofreram menos? Os que fizeram mais assistências? Os que têm valores de mercado mais elevados? A FIFA quer as estrelas, porque não está preocupada com o futebol, mas com um negócio que gere muito dinheiro. Além disso, quer fundamentalmente desviar todas as atenções e tentações quanto à criação da Superliga europeia", avaliou à agência Lusa o juiz-árbitro do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD).
Convicto de que essa imposição do organismo colide com "vários princípios, incluindo o da liberdade de trabalho, e a autonomia do próprio treinador", Jerry Silva fala numa "regra típica de uma prova particular", que "poderá ser declarada nula" em caso de análise pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
Disputado anualmente desde 2005 pelos seis campeões continentais, mais um clube do país anfitrião, o Mundial adotará uma periodicidade quadrienal a partir de 2025 em pleno final de época na Europa e realiza-se de 15 de junho a 13 de julho, nos Estados Unidos.
Os 32 emblemas, de cinco confederações, incluindo Benfica e FC Porto, serão sorteados na quinta-feira por oito grupos, de quatro equipas cada, sendo que os dois primeiros colocados rumam à fase a eliminar, que terá jogos a uma mão a partir dos oitavos de final.
Dos 32 participantes, 31 apuraram-se com base no desempenho na principal competição continental da sua confederação, de 2021 a 2024, e no ranking publicado pela FIFA em dezembro de 2023, enquanto a vaga remanescente ficou para o país anfitrião do Mundial.
Em outubro, logo após a conquista da fase regular da Liga norte-americana (MLS), o Inter Miami, de Lionel Messi, teve a sua presença confirmada pelo organismo, apesar de, mais tarde, ter perdido nos play-offs com o Atlanta United e falhado o título de campeão nacional, que será decidido no sábado entre New York Red Bulls e Los Angeles Galaxy.
"Só posso justificar essa opção por critérios estritamente comerciais", sinalizou Gonçalo Almeida, sobre uma decisão contrária ao padrão vigente entre 2005 e 2023, quando os clubes anfitriões eram selecionados através do mérito desportivo nacional ou continental.
O regulamento veta a participação de clubes administrados direta ou indiretamente pelos mesmos acionistas, mas o Grupo Pachuca controla os mexicanos do León e do Pachuca, vencedores da Liga dos Campeões da CONCACAF em 2023 e 2024, respetivamente.
"A multipropriedade está em franco crescimento a nível mundial e apenas tem tendência para se agravar. Não vejo necessariamente como um mal. Aporta capital e traz vantagens a nível organizativo, mas também tem obstáculos, sobretudo na salvaguarda da verdade desportiva. Não tem sido dada a devida atenção, mas já é mais do que hora de a FIFA e outras instituições regularem este fenómeno com profundidade", apelou Gonçalo Almeida.
A partilha de proprietários entre León e Pachuca levou os costa-riquenhos da Alajuelense a apresentar em novembro uma reclamação formal à FIFA, solicitando a sua presença no Mundial, face à conquista da edição inaugural da Taça Centro-Americana da CONCACAF, em 2023.
"A participação do sócio ou investidor em comum terá de ser minoritária num dos clubes em causa, de forma que se conclua que a sua influência não é determinante. Tem vindo a ser este o entendimento ao nível das confederações, sobretudo na UEFA, e continuará assim até que se regule a questão da multipropriedade de forma mais rigorosa", finalizou.
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