Entrámos nos bastidores da 64.ª ModaLisboa. "Não posso dizer que é fácil"

O maior evento da moda em Lisboa arranca hoje, 6 de março, com debates abertos ao público e prossegue com os desfiles na sexta-feira. O Lifestyle ao Minuto falou com Eduarda Abbondanza, a 'senhora' Moda Lisboa, sobre a importância do evento para o futuro das marcas. À conversa, juntaram-se os designers Luís Buchinho, Luís Carvalho, Luís Onofre e Gonçalo Peixoto, que revelam como é vivida a adrenalina dos bastidores e levantam um pouco mais o pano sobre as novas coleções.

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© Rita Chantre/ Global Imagens

Ana Rita Rebelo
06/03/2025 08:07 ‧ há 4 horas por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

ModaLisboa

A ModaLisboa está de regresso para a sua 64.ª edição, entre os dias 6 e 9 de março, sob o tema 'Capital', e leva, uma vez mais, criadores, imprensa, figuras públicas e fashionistas ao Pátio da Galé, na Praça do Comércio. O cenário repete-se duas vezes por ano - em março e outubro. Entre modelos e equipa de produção e 'backstage', são perto de 600 as pessoas que fazem acontecer aquela que é a maior montra dos designers portugueses, co-organizada pela Câmara Municipal de Lisboa desde 1991.

 

Na azáfama dos bastidores, põem-se em marcha os últimos preparativos e gerem-se os percalços. Eduarda Abbondanza, presidente da Associação ModaLisboa, mostra-se habituada à correria, mas nem por isso deixa de sentir "uma ansiedade boa", como confessa em declarações exclusivas ao Lifestyle ao Minuto, nas vésperas do evento.

A 'mãe' da Lisbon Fashion Week lembra que "são muitos meses de preparação". "E não posso dizer que é fácil", frisa, acrescentando que "o mercado está volátil, o desinvestimento na área é transversal e grande parte do trabalho da Associação ModaLisboa, que conta com uma equipa de oito pessoas, é captar novas fontes de receita".

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O retorno do projeto é, como nos diz, "incomensurável". Ainda assim, ao que a Cision apurou, "em termos de retorno mediático fomos, em 2024, valorizados em mais de 19 milhões de euros (9.71.402 euros na edição de março e 9.525.131 euros na de outubro)".

Para esta edição, que arranca já hoje, a 6 de março, "escolhemos como tema a palavra Capital por ser multidisciplinar e com várias abordagens", tal como as linhas com que se cose a indústria da moda, "e decidimos explorá-lo nas suas diversas dimensões, todas elas essenciais para o projeto e o setor: a capital geográfica, sempre, mas também o capital humano, social, criativo, cultural e financeiro. É importante que valorizemos todas estas frentes, das mais conceptuais à concretização do negócio, e que as discutamos e pensemos em conjunto". 

Esta semana da moda portuguesa é também um passo em frente rumo a um setor mais sustentável. Consciente de que "será um processo lento", Abbondanza refere também que "é apenas concretizável através de um trabalho árduo, concertado, contínuo e, acima de tudo, colaborativo."

As histórias de quem vive a moda

Desfiando memórias de edições passadas, Luís Buchinho não nega o orgulho que sente por ter feito parte do início da história da ModaLisboa. E já lá vão 33 anos. Lado a lado com Ana Salazar, José António Tenente e outros 10 criadores, esteve no São Luiz a apresentar propostas para o inverno de 1991/92. "As melhores recordações que guardo são as do período do Terlis. Foi o apogeu da ModaLisboa, não só pelo espaço, como pelo sonho e a esperança partilhada pelos designers da altura. Havia muita entrega e amor à mistura."

"Quanto comecei, a moda por cá era Ana Salazar", recorda ao Lifestyle ao Minuto. No início da sua carreira, era às criações de Claude Montana, Sybilla Sorondo Mielzynski e Romeo Gigli que ia buscar inspiração. A estes nomes juntaram-se, mais tarde, outros como o de Martine Sitbon. De lá para cá, é nome indissociável das passarelas portuguesas, mas os desafios que se colocam para pôr uma coleção de pé mantém-se. "São sempre mais ou menos os mesmos: de logística, financeiros, de recursos e, depois, de comercialização e distribuição daquilo que se está a fazer para apresentar em passarela."

Conta também que, hoje em dia, os momentos que antecedem um desfile "são vividos com mais tranquilidade. Odeio trabalhar sob pressão. Já sou ansioso que chegue."  

O criador de moda português apresenta-se a 8 de março, pelas 19:30, fiel ao seu propósito de elevar as mulheres. Na coleção deste veterano, há uma intenção muito clara de refletir sobre a moda sem género, 'baralhando' os códigos de vestuário feminino e masculino, algo que faz já há quase três décadas. Revela ainda que conjugou elementos gráficos, jogos de cores e texturas. 

O criador gostaria de ser lembrado como "alguém que passa uma mensagem". "A meu ver, os designers portugueses não ditam tendências. No meu caso, dito mais uma mensagem que é captada pelo meu nicho de mercado. Quem dita tendências são os grandes grupos, que têm potencial de marketing e publicitário para o fazer e com uma mensagem que é difundida pelo mundo inteiro."

Notícias ao Minuto Luís Buchinho© Global Imagens

Em plena pandemia, chegou mesmo a deixar em aberto a possibilidade de deixar de ser designer de moda para dedicar-se à ilustração. "Ser designer em Portugal é difícil. Começámos irritantemente a falar sobre as mesmas questões, a debater acerca dos mesmos problemas, que são, aliás, assuntos dos quais já me abstenho completamente de intervir. Já falei que chegue sobre eles, as coisas estão mais ou menos na mesma e, sinceramente, não quero fazer parte desse discurso", atira.

Sublinhando que "a instabilidade da moda não se vive só por cá", diz mesmo que a "a moda de autor, de pequenas marcas e nichos também está a levar uma grande 'cacetada'. A verdade é que a moda está dominada por grandes grupos capitalistas que trabalham o "high end' e o 'fast fashion', e vão deixando cada vez menos espaço para projetos independentes. Pequenos designers com espaços nos centros das cidades é um sonho do passado. O que noto é que há uma rotação absurda de marcas emergentes que caem muito rapidamente no esquecimento para dar lugar a novas."

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Convicto de que o setor em Portugal ainda tem muito caminho para percorrer, Luís Onofre defende que "o nosso calçado tem muita qualidade". "Só nos falta escala e tradição de marca que nos traga reconhecimento internacional." Afirma também que "o calçado português evoluiu muito no passado recente. Hoje, é um dos bons embaixadores do país a nível mundial e apreciado em mais de 170 países, nos cinco continentes". Só lamenta que "produzir um sapato de qualidade seja cada vez mais caro. A exigência da sustentabilidade, as limitações de produção associadas e o aumento do custo das matérias primas tornarão o sapato um objeto mais caro no futuro. E os que não forem, não são de confiança".

Notícias ao Minuto Luís Onofre© Global Imagens

Os focos da ModaLisboa ligam-se às 17 horas de dia 8 para iluminar as suas criações.  Quem decidir guardar lugar para ver o seu desfile pode esperar uma coleção que "reinterpreta memórias icónicas da década de 2000 a 2010 à luz do agora", conta o também presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos. "Tento privilegiar sempre o produto, a qualidade e origem, cruzando tradição artesanal com inovação técnica."

Tendo como ponto de partida o passado, 'Legacy' é uma reflexão da sua visão de futuro. "Com um legado de diferentes silhuetas a calçar a história de cada mulher, as tonalidades quentes amenizam a temporada fria e os materiais premium a que sempre nos habituou desfilam modelos que são a epítome do vintage intemporal", resume.

Passando em revista os seus quase 35 anos de carreira, deixa escapar uma confissão ao Lifestyle ao Minuto: "Sinto sempre uma enorme emoção quando vejo na rua uma mulher calçada com um sapato meu". 

Também presente na edição deste ano, o disruptivo Luís Carvalho, que chegou a trabalhar como voluntário no evento e, mais tarde, enquanto estagiário de Filipe Faísca e assistente de Ricardo Preto, apresenta-se como designer na ModaLisboa desde 2013. Ao cair da noite de 8 de março, pelas 20:30, desvenda as suas propostas para o próximo outono/inverno e a inspiração promete. A estética 'officecore' dos anos 90 está de volta e o estilista prepara-se para provar isso mesmo.

Esta coleção, batizada de 'Rush Hour', enaltece a mulher que faz o seu caminho até ao topo corporativo. "Quero promover a emancipação feminina em funções e cargos de destaque, tradicionalmente associados ao universo masculino." A ideia, explica, "é reinterpretar esses papéis", revisitando o 'office workwear' de uma forma menos rígida e refletindo o ADN andrógino da marca homónima de Luís Carvalho.

Este foi o desafio a que tentou responder com fatos de silhuetas longas e fluidas, além dos ombros dramáticos. As 'provocações' continuam nos vestidos com cinturas marcadas e saias midi de corte lápis, peças-chave de uma coleção que se apresenta em tons contrastantes, padrões florais e zebra, e tecidos como crepe, fazenda, jacquard e pele sintética. A maioria dos materiais provém de sobras ou de fibras recicladas.

Notícias ao Minuto Luís Carvalho© Peter White/Getty Images

O criador prepara ainda um regresso às raízes, com a aposta numa peça transversal a muitas das suas coleções e que ajudou a consagrá-lo: o camiseiro. "Podem esperar uma reinterpretação do clássico", adianta, sem revelar mais pormenores.

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A celebrar mais de uma década de marca, Luís Carvalho não esconde que "ser designer em Portugal e sustentar uma marca de design autoral é um grande desafio". Nas palavras do próprio, "o mercado é pequeno e, muitas vezes, vemos marcas de moda mais acessível, com menor qualidade, a copiar o nosso trabalho, tentando alcançar o mesmo posicionamento".

O designer tem em Pierpaolo Piccioli, Raf Simons, Miuccia Prada, Daniel Roseberry e JW Anderson as suas maiores referências no mundo da moda. Por cá, falta-lhe vestir a apresentadora Catarina Furtado. "Tenho-a na minha lista."

No quarto e último dia de ModaLisboa, é esperada uma enchente às 20:30 para ver Gonçalo Peixoto a animar a passarela mais importante da capital. O estilista, que habitua cada vez mais o seu público a desfiles que mostram que "a mulher pode ser o que ela quiser", mantém-se fiel à estética que o trouxe até aqui: lantejoulas, transparências e uma dose certa de atrevimento.

Para a coleção 'Back to the office', "imaginei a mulher Gonçalo Peixoto a voltar ao trabalho depois de umas férias de verão e a regressar mais sexy, mais confiante e mais poderosa", explica o criador, uma das maiores esperanças da moda nacional.

Numa altura em que "é cool usar o que é português", o designer de 28 anos fala ainda dos planos para o futuro, que incluem abrir uma loja: "Gostava muito de ter uma loja Gonçalo Peixoto. Não sei para quando, mas é um desejo." 

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Ter Rihanna a usar as suas criações é outros dos sonhos que gostava de  ver concretizados. Em 2021, chegou mesmo a afirmar, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, que a cantora "é o "ícone do século XXI". Por cá, a influenciadora digital Mariana Machado e as atrizes Rita Pereira e Margarida Corceiro são algumas das suas 'musas'.

Notícias ao Minuto Gonçalo Peixoto© Inês Gomes Lourenço

Não recebeu convites para os desfiles? Nada tema!

Fora do Pátio da Galé, onde decorrem os desfiles à porta fechada, a ModaLisboa chega esta sexta-feira ao Museu de Design de Lisboa para as Fast Talks. Entre as 16 e as 20 horas, o evento, organizado em colaboração com a Embaixada de Itália em Lisboa, no âmbito do Italian Design Day, vai dividir-se em três momentos: um workshop (o único reservado a convidados) com Matteo Ward (empresário italiano, ativista da sustentabilidade e CEO da IO Fashion Textiles Home), dois painéis de conferências, moderadas pelo locutor Rui Maria Pêgo, e a visualização de dois episódios da série documental 'Junk', sobre as consequências da sociedade de consumo. Além destes, existirão outros eventos de entrada livre.

O evento continua até domingo com desfiles acessíveis por convite. Ao longo de três dias, serão apresentadas as novas coleções de Carlos Gil, Kolovrat, Luís Onofre, Luís Buchinho, Ricardo Andrez, Luís Carvalho, Nuno Baltazar, Bárbara Atanásio, Arndes, Valentim Quaresma, DuarteHajime, Gonçalo Peixoto e, entre outros, Dino Alves.

A 7 de março, haverá Sangue Novo a concurso, com criadores emergentes de 8 a anteciparem o próximo outono/inverno.

Veja aqui o programa completo da 64.ª edição da ModaLisboa.

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