"Aquela área e os seus recursos são herança comum da humanidade. Nenhuma entidade estatal ou privada pode atuar unilateralmente para fazer valer direitos sobre ela", disse Letícia Carvalho durante o evento SOS Oceano, a decorrer em Paris até segunda-feira.
A oceanógrafa brasileira, que desde janeiro lidera a agência das Nações Unidas para o fundo do mar, referia-se ao anúncio feito na quinta-feira pela empresa canadiana Metals Company, de que pediu permissão ao Governo norte-americano para iniciar a mineração em águas profundas internacionais, contornando a Autoridade dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês), que tem o poder de autorizar a exploração do leito oceânico, mas ainda não o fez.
Numa intervenção no encontro de Paris, Letícia Carvalho disse que nenhuma comunicação formal foi feita até agora à ISA, mas manifestou preocupação com o anúncio de que uma empresa pretende iniciar atividades exploratórias numa área internacional recorrendo a legislação nacional.
"Deixem-me ser clara. Até mesmo a expressão dessa intenção desafia a integridade da legislação internacional e prejudica diretamente o sistema multilateral que construímos coletivamente", alertou.
Também o presidente executivo da Greenpeace International, Mads Christensen, lamentou que a Metals Company esteja a tentar contornar a ISA ao pedir um 'atalho' ao governo norte-americano.
"Vamos tentar reunir o máximo de unidade global possível, a fim de evitar que isso se torne uma realidade", disse o ambientalista.
O anúncio da Metals Company, que quer extrair minerais como cobalto, cobre, níquel e manganês usados na produção de baterias para carros elétricos e outras tecnologias verdes, surgiu horas antes de os 36 membros do conselho da ISA se reunirem na Jamaica para o último dia da sua conferência de duas semanas, focada na questão da mineração em mar profundo, um debate que se prolonga há anos.
A ISA foi criada em 1994 pela convenção das Nações Unidas para a Legislação do Mar, que foi ratificada por mais de 165 países, mas não pelos Estados Unidos.
O argumento da Metals Company é que a legislação dos EUA pode autorizar as operações no fundo do oceano uma vez que o país não pertence à organização, pelo que não é obrigado a seguir as suas regras.
A empresa disse já estar em conversações com a Administração Nacional para o Oceano e a Atmosfera, dos EUA, entre outras instituições.
"Reunimo-nos com numerosos responsáveis na Casa Branca e no Congresso sobre o seu apoio a esta indústria", anunciou a empresa em comunicado.
Mais de 30 países, incluindo o Canadá, apelaram a uma proibição, pausa ou moratória sobre a mineração em mar profundo e empresas como a Volvo, a BMW, a Volkswagen, a Google e a Samsung prometeram não usar minerais provenientes do fundo do mar.
Os cientistas alertam que os minerais no fundo dos oceanos levaram milhões de anos a formar-se e explorá-los poderia provocar danos profundos.
"O oceano profundo é um dos últimos lugares verdadeiramente selvagens da Terra, lar de vida que estamos apenas a começar a entender. Deixar a mineração em alto mar avançar agora seria como iniciar um incêndio numa biblioteca de livros que ninguém leu ainda", disse Emily Jeffers, do Centro para a Diversidade Biológica, citada pela agência AP.
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