Tito de Morais, fundador do projeto MiudosSegurosNa.Net. e especialista em parentalidade digital, aponta os encontros que a associação "Agarrados à Net" faz há vários anos nas escolas com pais, alunos e professores para exigir aos pais que deixem de dizer: "De internet percebo pouco, mas o meu filho percebe muito."
"Se percebem pouco vão ter com os filhos e aprendam", aconselha o especialista, que alerta para a dificuldade que os sistemas de tradução de linguagem que usam inteligência artificial têm em decifrar a linguagem codificada em que os miúdos falam nas redes sociais.
Este debate, em Portugal e noutros países europeus, ressurgiu após o êxito da série Adolescência, da Netflix, sobre um rapaz de 13 anos acusado de matar uma colega de escola, que voltou a trazer para o debate público o perigo da propagação entre os jovens, nas redes sociais e em grupos fechados na internet, de ideias misóginas, violentas e discriminatórias.
O uso de linguagem codificada - com emojis - levou esta semana a PSP a divulgar uma informação que explicava os diversos significados dos 'emojis' usados pelos jovens: uma beringela ou um cachorro podem simbolizar o órgão sexual masculino, uma flor o feminino, um alvo e um cavalo indicam a heroína, o trevo ou uma cabeça de bróculos a canábis, o gelo e o coco a cocaína e o diamante ou um tubo de ensaio as anfetaminas.
"A série fala-nos dos significados de alguns 'emojis' usados pelos miúdos, mas muitas das palavras usadas pelos jovens de hoje também têm significados diferentes dos que tinham quando éramos mais novos", alertou Tito de Morais, exemplificando com um encontro em que participou: "Perguntei e poucas foram as pessoas que sabiam que 'cenas'pode significar drogas."
Os riscos são muitos e o especialista acrescenta: "O foco agora está nas questões ligadas à misoginia, mas as pessoas parece que já se esquecerem que houve jovens portugueses que foram lutar pelo exército islâmico". "A Internet é uma ferramenta de recrutamento para tudo".
Cristiane Miranda, cofundadora do projeto Agarrados à Net, que promove o "bem-estar digital" de crianças, jovens e adultos, combatendo o 'bullying', o 'cyberbullying' e a violência sexual com base em imagens, alerta: "É cada vez mais difícil, mas cada vez mais importante os pais encontrarem tempo para conversar com os filhos."
Contudo, defende que não se pode "colocar toda a culpa nos ombros dos pais", lembrando que se é verdade que devem acompanhar os filhos também "é preciso perceber que os miúdos são seres autónomos e, se tiverem de fazer alguma coisa, fazem".
"Os pais devem estar atentos e conversar com os filhos, manter essa conexão, e isso vai diminuir a probabilidade destas coisas acontecerem", acrescenta.
O ideal, defendem, é "manter sempre a porta aberta ao diálogo, sem julgamentos" para "tentar compreender a vida digital dos filhos".
"Não é controlo parental, é acompanhamento", sublinha Tito de Morais, acrescentando: "pode acontecer com qualquer família, sobretudo se não acompanharem os filhos".
"Se não formos nós a transmitir valores aos filhos a internet vai fazê-lo, com o que tem de melhor e de pior", considera Tito de Morais, lembrando: "em contexto de grupo, os nossos filhos podem ter comportamentos que não se coadunam com os valores segundo os quais os educamos e que promovemos em nossas casas".
Cristiane Miranda lembra que "não há soluções 100% seguras" e que "há coisas que podem escapar", alertando: "assim como se preocupam em fazer perguntas quando os jovens saem à noite, também é preciso perguntar sobre a vida 'online'". Porque o perigo, mais do que na rua, pode estar no bolso.
Depois do alerta lançado pela série Adolescência, Tito de Morais insiste: "Agora que os pais têm a informação, o importante é o que vão fazer com ela".
A minissérie britânica de quatro episódios já teve 42 milhões de visualizações, segundo a plataforma Netflix. Está no número um do top 10 desde a estreia, há duas semanas, em 80 países, incluindo Portugal.
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