"Esta gente parasitou-me. Pensou que trabalhar comigo era uma garantia"

O fundador do CES da Universidade de Coimbra não excluiu que "tenha havido irregularidades", mas recusou ser o responsável. Elencou, além disso, que o objetivo das denunciantes seria afastá-lo.

Notícia

© Global Images

Notícias ao Minuto com Lusa
30/03/2025 23:38 ‧ há 2 dias por Notícias ao Minuto com Lusa

País

Boaventura de Sousa Santos

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos reforçou, na primeira entrevista desde que foi acusado por assédio sexual e laboral, estar de "consciência tranquila", uma vez que cometeu "erros, mas não foram desse tipo". Considerou, além disso, que o grupo de mulheres que o denunciou o parasitou, uma vez que julgavam que trabalhar consigo "era uma garantia de emprego para o resto da vida".

 

"Estou há dois anos debaixo de uma difamação sem me poder defender. Tudo aconteceu com base num capítulo difamatório, falsamente anónimo, que violava a lei inglesa, além de ser pseudo-científico, que foi retirado pela própria editora, foi criticado por muitas feministas proeminentes norte-americanas, e esse capítulo incendiou a opinião pública e o Centro de Estudos Sociais (CES). Eu nunca fui ouvido. Passaram dois anos, isto não pode continuar a impunemente destruir a minha reputação, a minha saúde, a minha família, sem provas, sem documentos”", apontou o investigador, em declarações à CNN Portugal.

O fundador do CES da Universidade de Coimbra não excluiu que "tenha havido irregularidades", mas recusou ser o responsável. Elencou, além disso, que o objetivo das denunciantes seria afastá-lo, uma vez que "era o objetivo principal de todas estas denúncias".

"A minha reputação é internacional. Se me queriam afastar, tinham de o fazer com estrondo, não podia ser uma coisa simples. Houve uma convergência de interesses internos e externos. Sou um intelectual crítico, de Esquerda, incómodo, que critica tanto a Direita como a Esquerda, não tenho igreja nem partido e, naturalmente, seria um alvo fácil para atacar para forças que estão fora do CES. Dentro do CES, foi uma rivalidade muito grande que se criou, devido ao facto de eu ter sido o primeiro titular de um grande projeto europeu em ciências sociais em Portugal. A partir desse momento, muita gente queria trabalhar comigo, e pensava que, trabalhando comigo, tinha o seu lugar garantido para o resto da vida, e não era verdade", disse.

E complementou: "Esta gente parasitou-me. Pensou que trabalhar comigo era uma garantia de emprego para o resto da vida. […] Como viram que o assédio sexual em relação a mim não funcionava, passaram para o assédio laboral. O assédio laboral é a intensidade do trabalho que é exigido."

Boaventura de Sousa Santos assegurou que teve "sempre um cuidado enorme", ainda que tenha ressalvado que cometeu "erros, mas não foram desse tipo".

"Tenho 84 anos. Qualquer homem da minha idade que diga que nos anos 60 ou 70 não fez um piropo ou um galanteio a uma mulher ou é mentiroso ou é hipócrita. E qualquer mulher desta idade que recebeu um piropo ou um galanteio e nunca gostou é mentirosa ou hipócrita", equacionou.

Na ótica do investigador, as denunciantes "estiveram a trabalhar num grande projeto, onde podiam ter feito grandes coisas, escrito grandes textos, ganharam muito dinheiro e não produziram os textos", pelo que "falharam nos seus compromissos e transferem isso" para si.

"Quem estuda as questões do assédio sabe que as mulheres que são verdadeiramente traumatizadas não gostam de falar, não querem falar. Criámos instituições para elas falarem. Estas senhoras foram privilegiadas e, agora, mais parecem vendedoras de trauma", acusou.

O sociólogo foi mais longe, tendo apontado que foi alvo de "acusações completamente falsas" e que as alegadas vítimas "podem até mentir todas".

"Nunca tive contacto. Nenhuma destas pessoas pode evocar ter um contacto físico ou íntimo comigo, é tão simples quanto isso. […] Sabem muito bem que o assédio sexual é que vende", disse.

Boaventura de Sousa Santos justificou ainda que nutre "uma lógica de proximidade com todas as pessoas", mas negou ter "contactos desse tipo em que não estivessem outras pessoas a ver".

"Parece que essas supostas vítimas não ficaram satisfeitas e 13 delas assinaram uma carta extremamente difamatória. Pedi, obviamente, que me mostrassem os documentos que foram presentes, porque estamos num país com Estado de Direito, que exige presunção de inocência, exige que uma pessoa se possa defender, exige contraditório, e até agora não sei de que é que me acusam. […] Se o relatório tivesse favorecido as supostas vítimas, não teriam escrito uma carta. É evidente que a maior prova de que o relatório não as satisfez é que tiveram necessidade de vir dizer, ‘não nós queremos a expulsão, queremos um processo disciplinar'", disse, referindo-se às conclusões da comissão independente do CES.

O investigador confessou que, "apesar desta mágoa toda", não consegue odiar, tendo considerado que a precariedade e a consequente competitividade no mundo académico poderá explicar a situação.

"Tenho azar com o sistema. Desde dezembro que o processo está parado. Ponha-se no meu lugar. […] Se quero reparar o meu bom nome, qual é o efeito útil de uma sentença daqui a um ano? Este processo era para durar três meses", lamentou.

Recorde-se que Boaventura de Sousa Santos anunciou, no final de setembro, que intentou uma ação cível para tutela da personalidade no Tribunal de Coimbra, com a qual procura assegurar a proteção do seu bom nome e honra, face às acusações do coletivo de mulheres.

Três investigadoras que passaram pelo CES da Universidade de Coimbra denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado 'Má conduta sexual na Academia - Para uma Ética de Cuidado na Universidade', o que levou a que os investigadores Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabassem suspensos de todos os cargos que ocupavam no CES, em abril de 2023.

O CES acabou por criar, uns meses depois, uma comissão independente para averiguar as denúncias, tendo divulgado o seu relatório quase um ano depois, em 13 de março de 2024, que confirmou a existência de padrões de conduta de abuso de poder e assédio, por parte de pessoas em posições hierarquicamente superiores, sem especificar nomes.

De acordo com o relatório então divulgado à comissão independente, foram denunciadas 14 pessoas, por 32 denunciantes, num total de 78 denúncias.

Uma semana depois, um grupo de 13 mulheres instou, num documento assinado por todas, as autoridades judiciárias portuguesas a investigarem com urgência as alegadas condutas criminosas mencionadas no relatório.

Leia Também: Inquérito a investigador do CES não encontrou fundamento para processo

Partilhe a notícia

Escolha do ocnsumidor 2025

Descarregue a nossa App gratuita

Nono ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas