A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, na Terceira, está a ser acusada de "discriminação" e "promover o abandono" de cães e gatos por parte de vários moradores de bairros sociais da ilha açoriana.
Em causa está o regulamento municipal que estabelece que os residentes só podem acolher nas casas cedidas pela autarquia dois gatos ou um cão até 8 kg, o que se sobrepõe à lei nacional, que estabelece que, nos prédios urbanos, podem ser alojados até três cães ou quatro gatos adultos, sendo que, no total, não pode exceder os quatro animais de estimação.
Questionada pelo Notícias ao Minuto sobre o assunto, Fátima Amorim, vereadora de Angra do Heroísmo com o pelouro da Habitação Social, garantiu que o regulamento que estipula o limite de animais nos bairros sociais da cidade foi "aprovado por unanimidade, em Assembleia Municipal" e que em causa estava não só o bem estar animal, como a saúde pública.
"As casas são relativamente pequenas e não levam todos os animais que as pessoas querem ter [...]. Os animais têm de ter condições de higiene e, em algumas habitações, foram encontradas situações dramáticas, que colocam em risco os próprios animais", disse ao Notícias ao Minuto, revelando algumas situações chocantes, como um caso em que foram encontrados "muito mais" do que 15 gatos numa só casa, assim como "animais fechados dentro de um quarto em que viam pouco a luz da rua", além da falta de registos, de vacinação, de chip, algo obrigatório e que muitas vezes não é feito.
Regulamento "discriminatório" e que "promove o abandono"
Apesar de reconhecer a existência de casos como os descritos pela vereadora, Sofia Ferreira, da Associação Ser - que dá a cara pelos moradores dos bairros sociais que se encontram nesta situação e que não se querem expor por "medo de represálias" - afiançou, em entrevista ao Notícias ao Minuto, que a autarquia está a colocar estas pessoas "todas no mesmo saco", o que considera ser "discriminatório" e "promover o abandono".
"Sabemos que há casos e casos e a câmara constantemente diz que há casos de animais maltratados em más condições, com falta de higiene. Nós sabemos que existem, mas não são todos. Não podemos deitar todos os moradores dos bairros sociais da ilha no mesmo saco porque isso seria discriminatório, seria tratar todos como transgressores", realçou a responsável, acrescentando que a medida está a ser tomada de uma forma geral por ser "mais económico" e dar "menos trabalho".
Acusações que Fátima Amorim recusa. "As coisas não são vistas cegamente. Há exceções, como já me pediram e foram atendidas. A partir do momento em que o médico veterinário identifica a situação e informa que há condições para os animais ficarem na casa, caso seja possível, deixamos ficar esse animal, agora, há regras que têm de ser cumpridas", explicou, contrariando várias das denúncias que chegaram ao Notícias ao Minuto e que a Associação SER expõe.
"As pessoas estão a sentir-se encurraladas. Estão a tratar todos como infratores. Estão a notificar as pessoas para dar os animais a alguém ou a entregá-los no canil municipal. E, em alguns casos, em apenas duas semanas. Os novos contratos já têm esse limite. Ou as pessoas assinam, ou não têm casa. Basicamente, se as pessoas querem manter o teto têm de se descartar dos animais que têm", sustentou Sofia Ferreira.
"Se tenho um regulamento para atuar, vou atuar"
Estes argumentos, porém, não sensibilizam a autarquia. "Só tenho pena que essas mesmas pessoas que estão a fazer queixas - e eu conheço quem são - não estejam preocupadas com o investimento que estamos a fazer para dar condições de conforto às pessoas e às crianças que, muitas vezes, nem tinham um quarto para elas próprias e agora já têm. Só estão preocupados com os animais. E nós estamos preocupados com tudo e não estamos a fazer nada que a lei não permita, nem vamos deixar de o fazer porque há queixas de uma associação ou de um partido político. A partir do momento que eu tenho um regulamento para atuar, vou atuar. Foi aprovado em Assembleia Municipal por todos os deputados municipais que representam os munícipes de Angra. O que eu peço é que me deixem fazer o meu trabalho", atirou Fátima Amorim.
No entanto, ao Notícias ao Minuto, a porta-voz da Associação Ser sublinhou que está preocupada com os animais, que muitas vezes ficam "deprimidos" e até "podem morrer" por terem sido retirados das suas casas e da companhia dos donos, mas também com o bem-estar das pessoas que a abordam. "As pessoas estão a sofrer com esta separação. Há crianças psicologicamente abaladas. São centenas de famílias que estão a ser afetadas pelo regulamento", notou ainda.
Nas últimas semanas, as páginas das redes sociais do Canil Intermunicipal da ilha Terceira foram invadidas por dezenas de comentários depreciativos em muitos vídeos e fotos de animais por adotar. "Vergonha" é a palavra mais escrita pelos internautas, que acusam a autarquia de estar a promover o abandono animal, como a ser desumana.
Numa das publicações, onde aparece uma gata para adoção, visivelmente bem tratada, mas a miar desesperadamente, são mais de 100 os comentários a criticar o regulamento da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, cidade que é Património Mundial da UNESCO, depois de uma pessoa ter assegurado que se tratava um dos animais abrangidos pela medida.
Confrontada com estas críticas, a vereadora Fátima Amorim assinalou que "temos de estar preocupados com abandono que existe a nível geral, não é o dos bairros sociais".
"Preocupa-me quando chego ao centro de recolha oficial e encontro amarrados fora da porta do canil cachorros. Isso é que me preocupa. Fazemos campanhas de identificação, de vacinação, contra o abandono e esterilização também. Por isso, não percebo qual o problema. As pessoas que fazem queixas sem conhecer a realidade", atirou.
Ao Notícias ao Minuto, a vereadora assegurou ainda que, no canil intermunicipal da ilha estão, neste momento, apenas "seis cães e oito gatos de moradores que tinham animais acima do número permitido e não tinham familiares ou amigos a quem os entregar".
Números bastante inferiores aos animais que, alegadamente, necessitaram sair das casas onde viviam.
"Alguns foram para casas de outras pessoas que tinham disponibilidade para os ter e outros foram adotados. É preciso dizer que há pessoas dos próprios bairros que os entregam mesmo sem dizermos nada", justificou ainda a vereadora.
PAN pondera queixa no MP e quer número de eutanásias
Apesar de só agora o assunto estar a ser noticiado, a polémica em volta do regulamento de limita o número de animais nas habitações sociais de Angra do Heroísmo já tem mais de um ano e abrange vários bairros da cidade.
O 'verniz voltou a estalar' depois de cerca de 200 moradores do Bairro Lameirinho terem sido notificados a entregar os seus animais, por força de obras de requalificação nas habitações.
Contactado pelo Notícias ao Minuto, o deputado único do PAN Açores, Pedro Neves declarou que o partido "condena de forma veemente este cenário e esta decisão camarária aplicada nesse bairro, sobretudo por estar a reincidir num comportamento desprovido de qualquer empatia, causador de um sofrimento desnecessário e injustificável às famílias e aos animais ao forçar uma separação irreparável".
"Está demonstrado que não foram retirados ensinamentos da situação vivida o ano passado e que não foram aplicadas medidas preventivas. O executivo escolheu reincidir na punição dos tutores e animais, em vez que promover a sensibilização e educação. Qual a autoridade moral deste executivo para promover o bem-estar animal? Criamos legislação e medidas para defender o bem-estar e a entidade pública é a primeira a claudicar, com um comportamento, no mínimo, moralmente censurável, dotado de relativa perversidade pela frieza demonstrada", enfatizou o parlamentar da Assembleia Regional dos Açores.
De acordo com Pedro Neves, os moradores atingidos pelo regulamento estão "com receio de denunciar publicamente a atitude do município, por temerem perder as suas habitações como forma de represália".
Para já, este ano, o único bairro alvo desta espécie de "purga", como descreve o deputado, é o do Lameirinho. Porém, o PAN teme "que se espalhe a outros bairros". "Precisamente há um ano, estivemos reunidos com a vereadora Fátima Amorim – diz-se que será candidata à Câmara nas próximas autárquicas – exatamente pelas mesmas razões e, nessa altura, fomos informados de que iriam reabilitar várias habitações sociais".
"Segundo notícias da própria, serão reabilitados cerca de 450 fogos. Este comportamento municipal expõe a inexistência de um prévio trabalho de proximidade que sensibilize a população ou arranje alternativas que não passem pela entrega dos animais no canil, com condições que não são as ideias, apesar de terem ampliado o número de boxes o ano passado, conforme constatamos na visita realizada. Como pode uma entidade pública – que deve liderar pelo exemplo – exigir que a população garanta o bem-estar animal, quando é a primeira a adotar uma postura de total indiferença para com os animais e tutores?", questionou, garantindo que não tem conhecimento de outras autarquias da região que tenham optado por uma medida semelhante a esta.
"A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo está isolada neste comportamento", atirou.
Apesar de acreditar que nenhum dos animais entregues ao canil foi eutanasiado, uma vez que isso constituiria crime, o PAN "irá remeter um ofício à autarquia a solicitar informações sobre o número de eutanásias e adoções realizadas no último ano e exige uma revisão urgente das regras e regulamentos que regem esta situação".
Além disso, o partido está a pondera se apresenta ou não uma denúncia no Ministério Público (MP) sobre a situação.
"Em nenhum dos casos foram levantados problemas de saúde pública, ou existe acumulação de animais, e temos dúvidas sobre o fundamento da decisão com base no regulamento municipal invocado, pois, por exemplo, não estando em causa apartamentos, pode ter de ser cumprido o decreto-lei. O regulamento da edilidade pode não ser aplicável ao caso e não suportar o teor das notificações que estão a remeter aos inquilinos/tutores de animais. No entanto, estamos a analisar a situação com muita prudência, pois podemos agravar a situação dos moradores ao envolvê-los num processo-crime, quando estão de mãos e pés atados devido à atitude do município", relevou.
Ao Notícias ao Minuto, a vereadora Fátima Amorim sublinhou que o município de Angra está a fazer "um investimento considerável no parque habitacional camarário" para dar às pessoas boas condições de vida. No entanto, insiste que estas casas, tal como todas, têm regras.
"Conheço todos os bairros, conheço todas as pessoas que vivem lá porque eu vou aos bairros. Aliás, faço questão de estar presente sempre que entregamos uma casa e explicar às pessoas os seus direitos e deveres, assim como os direitos e deveres da Câmara Municipal", concluiu.
Entretanto, está a decorrer um abaixo assinado contra a limitação de animais nos bairros sociais. A petição é física e está a decorrer até a próxima segunda-feira, 14 de abril. Até esse dia pode ser pedida através do e-mail: [email protected].
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