O Chega encontra-se ‘debaixo de fogo’ pela intervenção do deputado João Tilly que, na quarta-feira, considerou que o “ensino geral é muito mais importante” do que o ensino especial e questionou se Portugal é "um país de alunos com deficiência" ou "um país de alunos normais". Além do Bloco de Esquerda (BE) e do Partido Socialista (PS), que reagiram durante o plenário, também o Movimento Cidadão Diferente (MCD) e a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) repudiaram as declarações, que disseram ter sido “uma vergonha”.
Durante o debate, o BE alertou para a falta de meios financeiros e humanos nas escolas para acompanhar alunos com necessidades especiais, insistindo ser preciso recuperar a carreira dos auxiliares de educação.
Pelo Chega, João Tilly afirmou que é professor há 40 anos e que na sua "escolinha" chegou a ter "quatro professores de matemática, cinco de português e nove de educação especial", criticando que "centenas de professores de todas as áreas" tenham ido "a correr tirar esta especialização".
"A educação ou o ensino, como nós chamamos, especial é importante. Mas, o ensino geral é muito mais importante e esse está esquecido e ignorado. Afinal, nós somos um país de alunos com deficiência ou somos um país de alunos normais? O que é que está a provocar este número incrível de tantos alunos com deficiência cognitiva?", interrogou.
A bloquista Joana Mortágua ripostou que na sua “escolinha só havia alunos ‘normais’, os ‘bons’”, uma vez que os estudantes com necessidades especiais “estavam segregados”.
“Na minha escolinha não havia alunos com autismo, nem alunos no espectro do autismo. Não havia alunos cegos, não havia alunos surdos, não havia alunos em cadeira de rodas, não havia alunos com paralisia cerebral. Na minha escola só havia alunos ‘normais’, os ‘bons’, segundo o senhor deputado João Tilly diz. Sabe porquê? Porque esses alunos estavam segregados em instituições para pessoas que ‘não são normais’. Estavam segregados em guetos onde lhes diziam que eram os ‘maus’ e que as escolas estavam reservadas para os ‘bons alunos’. Porque os alunos com deficiência iam nivelar por baixo”, disse.
A Escola Inclusiva é um assunto sério. O Bloco levou este assunto ao Parlamento, porque faltam recursos. Infelizmente, o Chega voltou a fazer um discurso contra as pessoas com deficiência. Não ficou sem resposta. Não queremos voltar a um passado de segregação. @JoanaMortagua pic.twitter.com/HJEeDY5ucW
— Bloco no Parlamento (@GPBloco) February 20, 2025
Já a socialista Rosário Gambôa apontou que "não há crianças anormais, nem crianças normais", tendo defendido "uma sociedade que integra e que não exclui, que não segrega".
"Para nós, as crianças são crianças. Não há crianças anormais, nem crianças normais. A escola para todos, uma sociedade para todos, uma sociedade que integra e que não exclui, que não segrega. De facto, há muita má memória na História de gente que etiquetou alguém diferente, mesmo crianças, ‘crianças que não eram normais’, que eram deficientes, homossexuais, de outra raça e até criaram campos de extermínio exatamente para essas crianças", afirmou.
𝗖𝗵𝗲𝗴𝗮 𝗱𝗲𝘀𝗿𝗲𝘀𝗽𝗲𝗶𝘁𝗮 𝗲 𝗼𝗳𝗲𝗻𝗱𝗲 𝗮𝘀 𝗽𝗲𝘀𝘀𝗼𝗮𝘀 𝗰𝗼𝗺 𝗱𝗲𝗳𝗶𝗰𝗶𝗲̂𝗻𝗰𝗶𝗮
— Grupo Parlamentar do Partido Socialista (@PS_Parlamento) February 20, 2025
A escola é para todas as crianças, sem exceção. Não há crianças normais ou anormais. Há apenas crianças com os mesmos direitos e acesso às mesmas oportunidades para… pic.twitter.com/QzgaCDTj7H
Entretanto, o Movimento Cidadão Diferente (MCD) considerou que as declarações de João Tilly demonstram "insensibilidade e desconhecimento da realidade vivida pelos alunos com deficiência e suas famílias", tendo manifestado a sua "profunda indignação".
"Diariamente milhares de estudantes enfrentam obstáculos significativos nas escolas portuguesas, desde a falta de recursos adequados até à ausência de apoio especializado [e as] suas famílias carregam um fardo emocional e financeiro pesado, lutando por uma educação digna e inclusiva", disse Miguel Azevedo, num comunicado enviado à Lusa.
Para o responsável, as declarações do deputado do Chega "desconsideram esta realidade, comprometem os avanços pela igualdade no sistema de ensino e reforçam o estigma".
"Reforçamos a necessidade de políticas públicas inclusivas e apelo ao respeito e empatia por parte dos representantes políticos", acrescentou.
A FENPROF, por seu turno, confessou que as afirmações do “deputado do partido da extrema-direita” não surpreendem, uma vez que “confirmam a natureza de um partido para quem, para além do modelo, tudo o que é diferente não deve merecer atenção”.
“Não surpreende, repete-se, ou não fosse aquele partido o legítimo herdeiro de políticas de segregação pura e dura, do tempo em que se escondia ou, mesmo, eliminava o que era diferente; do tempo em que as pessoas deficientes eram rotuladas em dois grandes grupos: os imbecis e os idiotas. Do tempo em que gente diferente, por deficiência, origem, etnia, orientação sexual ou ideologia era presa, torturada e, muitas vezes, eliminada. Foi uma vergonha, que merece o mais vivo repúdio, ouvir as declarações daquele deputado sobre a deficiência e as insuficiências da escola para promover uma educação efetivamente inclusiva”, lê-se, num comunicado enviado às redações.
O organismo recordou que “a educação inclusiva é uma exigência das sociedades democráticas”, pelo que “é necessário que as escolas tenham os recursos (humanos, físicos e materiais) para a sua efetivação”.
“Não têm porque não há o investimento adequado na educação, daí ser indispensável a sociedade continuar a reclamar esse investimento, mas também a denunciar quem, com discurso populista, tenta arrebanhar votos para arrastar o país para caminhos que, a vingarem, poriam em causa os mais elementares princípios e valores da Democracia que Abril restituiu a Portugal”, rematou.
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