A greve dos trabalhadores da CP - Comboios de Portugal voltou, pelo segundo dia, a deixar a circulação de comboios parada, causando fortes perturbações no acesso ao trabalho, saúde e educação. Luís Montenegro defende que existiram "influências políticas, partidárias e eleitorais" que não permitiram evitar a paralisação e coloca em cima da mesa a possibilidade de alterar a lei para equilibrar o direito è greve com outros direitos. As palavras geraram rápida repercussão e as críticas dos partidos à atuação do Governo já se estendem a estas declarações (pelo menos à Esquerda).
Foi em declarações aos jornalistas, durante de uma iniciativa de campanha na Figueira da Foz, Coimbra, que o primeiro-ministro comentou a greve na CP, que já vai no segundo dia sem serviços mínimos, e considerou-a "absolutamente injusta", dizendo que o Executivo "fez tudo para a evitar".
"A minha convicção e a convicção dos membros do Governo que intervieram nesse processo é de que, claramente, as influências políticas e partidárias e eleitorais acabaram por não evitar aquilo que era o desfecho normal de um processo de negociação", disse o também presidente do PSD.
No entanto, Montenegro avisou que o Governo não irá negociar sob pressão a dez dias das eleições - até por ser um executivo de gestão - e deixou um alerta para o futuro.
"Esta é uma greve absolutamente injusta, por mais razão sindical e laboral que pudesse existir a quem está a fazer a greve, entre os efeitos da greve, o prejuízo que é causado à vida das pessoas e à vida do país. Há uma desproporção enorme e, francamente, nós um dia vamos ter de pôr cobro a isto", avisou.
Questionado sobre que alterações defende em concreto, Montenegro sublinhou que "o direito à greve não está em causa", falando "num mecanismo" que possa equilibrar os efeitos das greves com o prejuízo na vida da pessoas.
Pedro Nuno acusa Montenegro de "insulto à democracia"
O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, não demorou a reagir e considerou inaceitável o "insulto à democracia" que acusou o primeiro-ministro de ter feito com a "ameaça de alterar a lei da greve", assegurando que "não passarão".
"Aquilo que o primeiro-ministro faz em plena greve é chantagear, é ameaçar os trabalhadores portugueses de uma alteração à lei da greve. Isso é inaceitável e eu quero dizer que não passarão", respondeu aos jornalistas Pedro Nuno Santos durante o arranque de uma arruada na Covilhã.
Para o líder do PS, esta declaração do primeiro-ministro "é um insulto à democracia".
"Há uma greve a decorrer com uma adesão de 100%. O Governo falhou na negociação e agora quer responsabilizar os sindicatos, os partidos", condenou, admitindo que "não queria acreditar" naquilo que ouviu.
PAN opõe-se a alterações à lei da greve mas pede bom senso aos trabalhadores
A porta-voz do PAN pediu bom senso aos trabalhadores da CP em greve, considerando que esta ação deveria ter sido agendada para depois das eleições, mas opôs-se a alterações à lei da greve, que considera ser proporcional.
Em declarações aos jornalistas junto à praia de Carcavelos, Inês de Sousa Real sublinhou que, mesmo com o Governo em gestão, os "problemas do país não desaparecem" e que o executivo "deveria negociar" para impedir esta greve, mas pediu bom senso aos trabalhadores da CP, frisando que o protesto "está a penalizar o lado errado".
"Acho que esta greve, a este tempo, em plena campanha eleitoral, não vai resolver os problemas da CP e portanto, com todo o respeito que o PAN tem pela greve e por aquilo que são as reivindicações da CP, acho que as únicas pessoas que estão a ser prejudicadas neste momento são os próprios utentes e que deveria ser depois do dia 18, que a mesma deveria estar a acontecer", afirmou a líder do PAN.
Inês de Sousa Real disse "respeita profundamente" o direito à greve e as exigências dos trabalhadores da CP, criticando o que disse ser um "Governo de costas voltadas para as reivindicações" deste setor, mas insistiu que "quem está a pagar a fatura são as pessoas que querem ir para os trabalhos".
Livre defende que Governo de gestão pode resolver problemas na CP
Pouca antes, o porta-voz do Livre também se tinha pronunciado sobre a greve, com críticas ao Governo por invocar estar em gestão para não resolver os problemas na CP.
"Este Governo pode anunciar a um sábado de manhã deportações que, depois vamos a ver, são processos administrativos que não eram deportações, aí não é Governo de gestão, mas para fazer aquilo que o ministro das Infraestruturas tem que fazer, que é sentar-se à mesa e falar com os trabalhadores da CP e perceber funções que mesmo para um Governo de gestão, muitas vezes são inadiáveis, porque o serviço está a faltar aos portugueses, aí é um Governo de Gestão que não pode fazer. O que não quer é fazer", disse Rui Tavares aos jornalistas à margem de uma visita à Feira de Barcelos, no distrito de Braga.
Direito à greve "intocável", mas IL admite alterações à lei do trabalho
Por sua vez, o líder da IL considerou o direito à greve "intocável", afirmando que se trata de "um direito dos trabalhadores de lutarem pelos seus objetivos", mas manifestou-se disponível para discutir alterações à legislação laboral.
"Não há leis intocáveis. O direito à greve, em si mesmo, é intocável. Obviamente que o direito à greve é um direito dos trabalhadores de lutarem pelos seus objetivos. Em todo o caso, assim como estamos disponíveis para avaliar outras questões do mercado e da legislação laboral, essa [lei] não é intocável por natureza e, portanto, estamos disponíveis para essa discussão", afirmou Rui Rocha, após um curto passeio de barco na Póvoa de Varzim.
Rui Rocha disse não se querer pronunciar sobre as declarações de Luís Montenegro, por não conhecer o seu teor nem saber a que "influências políticas" se refere, mas reiterou que, para a IL, é necessário "olhar para o mercado de trabalho" e "flexibilizar" as suas regras.
O que diz Marcelo?
Questionado sobre as declarações de Montenegro, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, atirou que "cada um faz campanha como quer".
"Cada um faz a campanha como quer e assume as responsabilidades depois para o futuro. O Presidente não comenta nada. Limito-me apenas a comentar analiticamente", começou por dizer, lembrando que "no período eleitoral há maior incidência de conflitos laborais, que muitas vezes existiam potencialmente, mas que ganham maior expressão no período eleitoral".
"Também é natural que os protagonistas políticos comentem, de um lado e de outro, uns apoiado e outros desapoiando", realçou ainda sobre o mesmo assunto.
Sobre a possibilidade de haver alterações à lei da greve, Marcelo garantiu que, esta já "reconheceu alterações ao longo do tempo, mas não é uma questão que esteja ainda em cima da mesa".
A paralisação da CP, que se prolonga até 14 de maio, foi convocada contra a imposição de aumentos salariais "que não repõem o poder de compra", pela "negociação coletiva de aumentos salariais dignos" e pela "implementação do acordo de reestruturação das tabelas salariais, nos termos em que foi negociado e acordado", segundo os sindicatos.
A greve teve um especial impacto entre terça-feira e hoje devido ao maior número de sindicatos (14) que aderiram à paralisação nestes dias.
Por decisão do Tribunal Arbitral, estas greves não têm serviços mínimos.
O Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ) já rejeitou que a greve tenha motivações políticas e responsabilizou o Governo pelo transtorno causado às populações, por não cumprir um acordo negociado.
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