"Já temos bases para disciplinar as condutas das empresas de 'big tech'"

O advogado da CMS Portugal João Leitão Figueiredo afirma que a Europa tem bases para disciplinar as condutas das tecnológicas, estando numa fase de sobrerregulação, e que a questão das redes sociais é essencialmente política.

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Lusa
02/02/2025 16:03 ‧ há 5 horas por Lusa

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"Eu acho, e esta é a minha opinião e já tenho vindo a expressá-la de há uns anos para cá, que a União Europeia tem sobrerregulado", afirma o jurista quando questionado sobre as incertezas que se colocam face às redes sociais, depois de a Meta ter anunciado que iria deixar de fazer 'fact-cheking' nos Estados Unidos.

 

"Atualmente temos legislação específica para praticamente todas as matérias relacionadas com a tecnologia", desde a informação, acesso à informação, tratamento da mesma, salienta o jurista.

"Diria que já temos pelo menos as bases para disciplinar aquilo que são as condutas das empresas de 'big tech'" e "faz-me pouco sentido hiperregular, sendo que já estamos numa fase de sobrerregulação", pelo que "acho que o que está aqui em causa é acima de tudo uma questão política", argumenta o jurista.

João Leitão Figueiredo salienta que, pela primeira vez, a União Europeia (UE), ou os países europeus, estão "muito longe dos centros de decisão".

O centro do mundo "já há muitos anos não é a Europa, mas neste momento já ignora muito o que é a Europa. O único ativo que nós temos são os dados pessoais dos europeus, continuamos a ser um bloco de primeiro mundo com muita informação que é apetitosa para entidades americanas e entidades chinesas", diz.

"O que vemos aqui, que foi iniciado pelo Trump no seu primeiro mandato - houve uma abordagem jurídica, metodológica, política diferente com o Biden e voltamos atrás -" e "foi uma das primeiras coisas que ele anunciou", diz respeito à "estratégia de controlar as redes sociais", aponta.

Para já "não vejo que a Europa necessite" de mais legislação, tendo em conta que existe o regulamento dos serviços digitais (DSA), "que já nos permite responsabilizar estas plataformas", salienta o jurista.

"Estamos à procura de outras plataformas alternativas. Eu acho que aqui a questão também é a guerra (...) pela ocupação do espaço que é atualmente ocupado pelo TikTok, será que vai continuar a ser chinês e sair por inteiro do mercado americano", questiona.

"Será que a Europa vai seguir o caminho, um pouco à semelhança do que fez com a Huawei? Com argumentos maioritariamente políticos, mais até do que técnicos ou jurídicos, eu acho que é acima de tudo essa dúvida", prossegue o advogado especialista nesta área.

Aliás, a Huawei "foi qualificada pelos Estados Unidos como a empresa mais perigosa quando depois de tudo aquilo que foi falado, discutido e investigado, que seja do meu conhecimento, nunca foi identificado nenhum elemento, o 'silver bullet' nunca foi identificado, o que nos leva a concluir que isto é mais uma guerra" comercial, explicou.

Nos Estados Unidos "temos um momento de grande imprevisibilidade. Eu não vejo, nesta postura mais comercial das negociações políticas do Presidente dos Estados Unidos grande fundamento jurídico para muitas das coisas que estão a ser feitas".

Aliás, "esta mera suspensão dos 75 dias [sobre o TikTok]" de que "veria com bons olhos" a sua compra nos Estados Unidos "pelo Elon Musk ou pelo Larry Ellison, o dono da Oracle, demonstra bem ao que ele vem", considera.

"É um ativo importante, valioso, que lhes permite trabalhar de forma mais adequada determinado tipo de informação", acrescenta o jurista, referindo que há quem aponte que o algoritmo do TikTok "é mais eficiente" do que os das entidades norte-americanas e que "pode ser uma vantagem competitiva afastá-lo" do alegado controlo chinês.

Apesar da 'mudança de planos' da Meta nos Estados Unidos, as redes sociais vão ter de cumprir a legislação europeia.

"O que muda é o lado lá do Atlântico, não tanto o lado cá, que poderá é ser pressionado a seguir uma linha mais próxima ao dos Estados Unidos", diz o jurista.

João Leitão Figueiredo não vê grande preocupação do ponto de vista da legislação europeia.

Em Portugal, considera que há "fragilidades" ao nível "da inspeção e validação daquilo que é suposto fazer cumprir nos termos da legislação europeia".

Agora, "será que temos também a capacidade técnica para ir tão longe? Porque a maior parte das questões que são invocadas têm a ver com a possibilidade de controlo de cidadãos europeus, a possibilidade de partilhar informações de cariz pessoal com o governo chinês, ou, como em tempos se discutiu, mesmo com as empresas americanas, a partilha dessa informação com as autoridades americanas", refere.

"Acho que nós já temos a informação e temos algumas instituições europeias a trabalhar para combater práticas que não são lícitas" e existe "um conjunto significativo de sanções aplicadas a algumas empresas pela violação da legislação da União Europeia", diz.

O que não quer dizer "que não possamos fazer muito mais e muito melhor, ainda que exista, segundo me parece, uma certa inércia das entidades portuguesas neste aspeto", considera.

Outros países com outro tipo de entidades "têm sido bastante mais enérgicos e intensos no combate a determinado tipo de práticas que são qualificadas como ilícitas".

Defende "coragem política para implementar determinado tipo de políticas que sejam (...) mais efetivas no combate aos desvios comportamentais ou comerciais destas entidades", dando o exemplo de Portugal no âmbito da proteção de dados.

"A nossa autoridade continua bastante frágil, quer seja no aspeto da inspeção, monitorização e aplicação de sanções. Quando contrapomos, por exemplo, com a Espanha, a diferença é gritante", aponta.

Portugal "acaba por ser um bocadinho, ou poder se transformar como um porto seguro para as entidades que não cumprem, por contraponto a países como a Irlanda, França e, em particular, a Espanha, em que existe, objetivamente, a capacidade de investigar e aplicar sanções", em que "tivemos dois, três processos" por violação de dados.

"É conhecido publicamente que existem inúmeras situações de violação de dados, mas não há, aparentemente, decisões finais no âmbito desses processos, ao passo que em Espanha muito rapidamente temos acesso à decisão final", sublinha.

Portanto, "cada vez que nós legislamos e tentamos criar um quadro regulatório que garanta os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos europeus e dos residentes da União Europeia, mas depois não temos entidades devidamente capacitadas - quando digo isto não tem a ver com a falta de capacidade técnica -, mas muitas vezes é falta de meios humanos e de meios financeiros para exercer condignamente as suas funções", adverte.

Isto "prejudica o cidadão europeu, em particular o cidadão português, porque salvo raras honrosas exceções, todos estes 'players' do mercado internacional, nenhum deles é europeu", mas dos Estados Unidos e da China, remata.

Leia Também: Redes Sociais? "Vamos assistir a uma utilização muito profissionalizada"

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