Márcio Sampaio foi um dos braços-direitos de Jorge Jesus ao longo dos últimos 15 anos. No papel de preparador físico, o treinador de 45 anos juntou-se ao treinador amadorense no Sporting de Braga e apenas o 'largou' este verão no Al Hilal.
Nesta longa ligação entre ambos, destacam-se as passagens pelo já referido clube saudita, o sucesso no Flamengo, um 'salto' até Istambul pela porta do Fenerbahçe e uma passagem pelos rivais lisboetas Benfica e Sporting. E foi precisamente ao serviço deste último que vivenciou uma experiência que o próprio considera ser das piores que já teve.
Em entrevista exclusiva concedida ao Desporto ao Minuto, Márcio Sampaio, abordou as três épocas em que esteve com o treinador amadorense no conjunto de Alvalade, sem esquecer o dia do ataque à Academia de Alcochete em 2018.
Márcio Sampaio também não deixou de falar do momento atual do Sporting, considerando que os leões são, agora, um clube mais organizado quando comparado com o do seu tempo. E acredita que o emblema leonino sobreviverá à saída de Hugo Viana.
O Sporting, neste momento, não é um clube à deriva
Não podemos também deixar de falar sobre os três anos no Sporting. Quais as principais diferenças entre o Sporting dessa altura e o de hoje com Rúben Amorim? Houve aquela temporada em que se investiu muito e o Benfica foi campeão com mais dois pontos…
São muitas, não tem nada a ver. Acho que esse ano [2015/16] foi um ano em que podíamos efetivamente e merecemos ganhar o campeonato. Merecemos é sempre subjetivo porque quem ganha é, normalmente, quem merece num campeonato corrido. Mas jogámos futebol o suficiente para podermos ser campeões e não fomos campeões, na minha opinião, por culpa própria. Ainda assim, o Sporting desse tempo é um Sporting totalmente diferente deste tempo. Acho que o Sporting está muito mais organizado agora, existe um projeto, uma voz de comando. Todas as pessoas envolvidas no Sporting sabem o que têm de fazer, sabem a quem reportar. Existe uma grande exigência, tal como no nosso tempo, mas de uma forma diferente.
Existia uma liderança mais virada para o treinador e agora existe uma liderança mais virada para um conjunto de pessoas que efetivamente lideram o clube. O Sporting, neste momento, não é um clube à deriva. Ou seja, é um clube que seguiu as ideias do presidente. Seguiu durante anos, mesmo não ganhando, as ideias do presidente e da direção, e estabilizou o clube. Um clube mais estável, é sinónimo de conquistas. Independentemente disso, estando o Rúben Amorim ou estando o outro treinador, as pessoas sabem que o Sporting, neste momento, tem um projeto. Depois se o clube ganha ou não, isso já depende de outras coisas. O clube está muito mais organizado do que estava antes.
E nem mesmo a saída já confirmada de Hugo Viana poderá vir a mexer com o clube?
Acho que vai ser um grande desafio. Pelo que fui percebendo nos últimos anos, o Hugo Viana tinha uma grande mão naquilo que é o dia a dia do clube, da equipa principal. Tenho a certeza de que o Hugo Viana tinha também uma palavra a dizer noutros setores, nomeadamente naquilo que eram as categorias para baixo, principalmente a equipa B e sub-23. É muito importante para o treinador ter alguém atrás que o possa amparar nos momentos bons e maus, que seja um complemento do treinador. Não acho que algumas das funções tenham que ser colocadas para o treinador, eu acho que o Hugo Viana fazia isso muito bem.
Tenho dúvidas que isso venha a acontecer com as próximas pessoas porque não são pessoas de balneário. Muito daquilo que acontece à volta de uma equipa é muito de balneário, o dia a dia é muito de balneário. Há situações que, às vezes, desgastam o treinador e desgastam a direção. E se houver alguém ligado ao balneário, consegue estancá-las numa fase inicial. Isto às vezes parece que não, mas faz muita diferença no futebol hoje em dia. O treinador, em muitos casos, é a pessoa que lidera todo o processo e preocupa-se com coisas que não se deve preocupar e ali parecia-me que não se preocupava. As coisas eram identificadas com o tempo e tratadas com o tempo. Depois o Hugo Viana, pelos anos de experiência como jogador e como dirigente, tem uma forma de abordar o mercado e abordar os jogadores para o que quer que seja que pode não ter a pessoa que vem, ou não terá de certeza até por aquilo que foi o seu passado. Agora, volto a dizer, o Sporting tem um projeto e não se desvia desse projeto. E isso é importante num clube. Não é todos os anos que, ganhando ou perdendo, vamos mudar o projeto ou as ideias. Nos próximos anos, penso que o Sporting terá sucesso por ter encontrado a estabilidade.
Essa passagem por Alvalade fica também ligada ao episódio mais negro da história do futebol português. O que se lembra do dia do ataque em Alcochete? Ficou com alguns receios criados desde esse dia?
Para mim, é o pior dia da história do Sporting. Não penso muitas vezes, mas de vez em quando vem-me à memória, porque é uma situação caricata, que deve envergonhar todas as pessoas que estiveram presentes. Não fiquei com nenhum trauma em relação a isso. Fiquei, sim, feliz porque o Sporting se reergueu dessa situação. Acho que é uma coisa que as pessoas não devem esquecer e relembrar. O presidente Varandas hoje conseguiu unir mais também o clube em relação a situações que pudessem criar outras questões vindas daí. Conseguiu unir a massa associativa em torno de uma causa.
E sentiram-se confortáveis por jogar aquela final da Taça de Portugal contra o Aves?
Foi dada a oportunidade para o jogo ser adiado. Não foi alterado, e não foi por culpa da Federação. Não tenho bem presente agora, mas eu tenho quase a certeza de que a Federação deu a oportunidade desse jogo ser adiado e não foi. Ainda assim, de tudo aquilo que aconteceu, essa é a pior parte para mim. É a parte que eu mais lamento. Queria muito ganhar aquela competição, queria muito que essa competição fosse algo a acrescentar no meu currículo e foi, para mim, o momento negativo mais marcante que tive no futebol profissional até agora. Esse jogo nunca se deveria ter realizado. Nós fomos fazer um treino de adaptação… Nessa semana os jogadores não treinaram. Nós concentrámo-nos no dia antes para ir treinar e no dia do jogo para ir jogar. Os jogadores não estavam com cabeça para jogar. O ambiente estava pesado, as coisas estavam complicadas e depois, obviamente, tudo o que se passou no jogo foi perfeitamente perceptível. Da nossa parte, não é só pelo facto de termos perdido. As pessoas dizem que perdemos e agora estamos a dizer isto. Não é nada disso. Quem viveu aquela situação percebe perfeitamente que é impossível realizar um jogo quando a equipa nem sequer treinou durante a semana. Não estavam reunidas condições, mas tivemos a hipótese daquele jogo ter ido para prolongamento.
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