"Na minha opinião, neste momento, a menos que as coisas mudem drasticamente, a NATO morreu, porque não há vínculo transatlântico. Como é que há vínculo transatlântico com uma pessoa que diz as coisas que o senhor Trump diz? Que o senhor Vance veio aqui à Europa dizer? O que o secretário da Defesa veio aqui à Europa dizer? Não há", defendeu o general Valença Pinto.
Em declarações à agência Lusa, o antigo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, entre 2006 e 2011, considerou que, atualmente, ninguém "pode assumir como tranquilo" que o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte -- que estabelece que um ataque contra um dos países-membros da NATO é um ataque contra todos - "está lá para ser acionado".
Este é um dos dois artigos que o general classificou como essenciais no tratado fundador da NATO. O outro, "também importante, mas não tão decisivo como este, é o artigo 4.º" relativo à "consulta entre aliados".
"Como é que há consulta entre aliados quando o clima é de absoluta disputa, quase de ofensa, quase de ultraje, vindo dos Estados Unidos?", questionou.
Na opinião do general Valença Pinto, a NATO "está lá, formalmente" e "o melhor que lhe pode acontecer é ficar mais uma vez congelada", considerando que tal é difícil no contexto atual.
"Neste momento, diferentemente do que se passava em 2017 e 2021, no primeiro mandato Trump, temos uma triste coisa, uma grave coisa, que se chama um conflito que a Rússia impôs à Ucrânia e, portanto, é muito difícil ficar-se congelado quando se tem uma coisa destas ao lado, no mesmo continente", salientou.
Interrogado sobre a afirmação do ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, que na quarta-feira, num debate sobre o tema na Assembleia da República, afirmou que a relação entre Portugal e os EUA é "absolutamente fundamental" e não depende de "contextos momentâneos", Valença Pinto considerou ser "uma afirmação de boa vontade".
O general salientou que Donald Trump tem um mandato de quatro anos, e "não parece que vá moderar a linguagem" ou a "atitude e comportamento", rejeitando que esteja em causa uma "situação de conjuntura".
"Não há nenhum pseudo-atlântismo que possa, a meu ver, - e digo com muita mágoa, - fundamentar a ideia de que isto é uma coisa passageira. Isto não é uma nuvem passageira, isto é uma tempestade de quatro anos e com grandes manifestações de borrasca", vaticinou.
Na opinião do antigo chefe militar, o facto de milhões de portugueses viverem em território norte-americano ou a relação comercial entre os dois países não pode "alterar ou condicionar" a visão de Portugal em relação aos EUA.
"A nossa visão tem que ser construída à luz da realidade. Como é que os Estados Unidos olham para o mundo e em particular para a Europa? (...) Olham para a Europa com desprezo e animosidade, ponto final. E o que nós mais podemos fazer é lamentar isso e a seguir trabalhar construtivamente com os nossos parceiros europeus. Não contra os EUA, é evidente, mas a favor da paz, dos direitos humanos, da liberdade, do direito de expressão, do primado da lei", argumentou.
Valença Pinto considerou que "está mais do que no tempo de a Europa, de uma vez por todas, cuidar da sua segurança e Defesa".
Afirmando que a ideia de um eventual exército europeu é apenas "um soundbite", o general realçou que a NATO também não tem um exército próprio, mas sim "um conjunto de forças que os países atribuem à Aliança Atlântica, com graus diferentes de vinculação, umas mais prontas, outras menos prontas".
Na opinião do general, "é isso que a União Europeia tem que fazer, um planeamento de Defesa".
"Estamos num tempo, aqui na Europa, em que, tal como noutras áreas do processo europeu, a Defesa vai ser sede de um processo de soberania partilhada e das duas, uma: ou Portugal quer ser parte desse processo de soberania partilhada, associando-se a outros ou, se não quiser, será completamente marginalizado e secundarizado no processo europeu", alertou.
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