Há perigo de Trump anexar os Açores? Os cenários (e investidas da China)

Um especialista em Relações Internacionais e o secretário-geral da SEDES Europa refletem sobre as pretensões da administração Trump em aumentar o território dos Estados Unidos.

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© Martin Zwick/REDA/Universal Images Group via Getty Images

Cátia Carmo
05/05/2025 09:04 ‧ há 4 horas por Cátia Carmo

País

Açores

Desde o início do mandato, em janeiro, que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem demonstrado interesse em anexar a Gronelândia ao território norte-americano e aumentar o controlo sobre o Canal do Panamá. A Dinamarca demonstrou não estar interessada em ceder esse território autónomo, mas o chefe de Estado continua a pressionar.

 

Em Portugal, os Estados Unidos têm alguma influência nos Açores, onde têm uma base militar, na Ilha Terceira. Há perigo de Trump querer anexar também este território português ao país que governa? Para já, os especialistas nacionais consideram que "não existe perigo" e é apenas uma "hipótese teórica".

Adérito Vicente, professor auxiliar de Relações Internacionais na Faculdade de Direito da Universidade Lusíada do Porto e investigador da Universidade Nova de Lisboa, justifica a resposta com três razões: a "relação histórica" entre Portugal e os Estados Unidos, a "ausência de barreiras às rotas comerciais de caráter estratégico" e a ameaça chinesa que, embora seja "crescente", ainda "não justifica medidas extremas".

"A aliança entre os Estados Unidos e Portugal nos Açores é histórica e remonta ao período anterior à criação da NATO, em 1949. Trata-se de uma das relações mais antigas ao nível da política externa. Portugal foi a primeira nação neutra, em 1791, mantendo simultaneamente uma aliança com o Reino Unido. O consulado norte-americano em Ponta Delgada, por exemplo, tem um valor simbólico, pois é o mais antigo em funcionamento contínuo no mundo”, explica Adérito Vicente ao Notícias ao Minuto.

Ao contrário do que acontece com a Gronelândia e o Canal do Panamá, os Açores também não interferem nas rotas comerciais em que são estratégicas para os Estados Unidos.

"Os Açores não impõem restrições comerciais específicas aos navios norte-americanos, como confirmado pelo histórico de acordos bilaterais como, por exemplo, o Acordo Técnico e Laboral das Lajes e acordo militar de 1951. A sua importância geoestratégica reside principalmente na logística militar, incluindo o apoio a operações navais e aéreas e não no controlo de rotas comerciais transatlânticas, que são livres", justifica o professor de Relações Internacionais.

Trump quer Gronelândia e não descarta usar exército. Quais são as razões?

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A anexação da Gronelândia aos Estados Unidos não é uma ideia nova para Donald Trump. Já o tinha mencionado em 2019, durante o seu primeiro mandato na Casa Branca. Fique a par das motivações do chefe de Estado norte-americano.

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Já Vítor Gabriel Oliveira, secretário-geral da SEDES Europa, considera que as questões da Gronelândia e dos Açores "são, acima de tudo, situações diferentes", mas a anexação do arquipélago português por parte dos Estados Unidos "é sempre uma hipótese teórica, como já foi avançado e público".

"Os EUA têm cerca de 750 bases militares fora do continente americano. Precisam de aliados e apoio fora do país para serem a grande potência que são. Além de terem armas, precisam de outra coisa: localização para poder estacionar essas armas. Se entrassem numa deriva de querer as cerca de 750 bases militares fora do seu território, o mundo era diferente daquele que conhecemos hoje", defende Vítor Gabriel Oliveira.

Dá os exemplos da Índia e de Madagáscar, onde os Estados Unidos também têm bases militares para onde têm deslocado bombardeiros, já a prever um possível conflito com o Irão.

"Só conseguem ter essa projeção a partir daquele local porque têm lá essa base e contam também com parceiros locais. Nos Açores é extremamente importante haver uma coordenação, ao mais alto nível, com as autoridades portuguesas, como a Marinha, que garante aos Estados Unidos uma maior capacidade de ação. Não é só ter lá a base para aterrar aeronaves e ter material militar, precisam de ter aliados para projetar a sua força", ressalva o secretário-geral da SEDES Europa.

O especialista acredita que, embora Portugal "seja pequeno em termos territoriais", tem a mais-valia de possuir "uma grande amplitude de relações" com diferentes países.

“Conseguimos chegar desde a China aos Estados Unidos, desde o Médio Oriente a África ou à América Latina. Portugal deve manter esse papel e reforçá-lo na CPLP, mas também deve reforçar a sua operacionalidade para a visão atlântica. Há mais de 20 anos que um líder de um Governo português, um primeiro-ministro, não visita, oficialmente, a presidência americana. Tivemos um Presidente, mas um primeiro-ministro não. É importante darmos um sinal de que os Estados Unidos continuam a ser o nosso principal parceiro e mantermos esse papel e porta aberta, dialogando, mesmo que seja difícil isso acontecer com Donald Trump”, defende.

China aumentou investimentos nos Açores: "Podem ter potencial militar"

Com a redução da presença norte-americana na Base das Lajes, nos Açores, a influência da China na região tem vindo a crescer através de investimentos em centros de logística, investigação e até agropecuária.

"Um caso ilustrativo é o do projeto para o porto da Praia da Vitória, na ilha Terceira, onde havia interesse local em aceitar investimento chinês. Contudo, devido à influência norte-americana, o projeto não avançou. Washington preocupa-se com as implicações estratégicas dos investimentos chineses em infraestruturas nos Açores. Existem receios de que estes investimentos, embora apresentados como comerciais, possam ter potencial militar, semelhante às atividades chinesas em Gwadar, no Paquistão", conta o investigador da Universidade Nova de Lisboa.

A ilha de Santa Maria, que pretende tornar-se num hub para o lançamento de foguetões e satélites para o espaço, já tem um projeto em que os chineses "investiram 50 milhões de euros" para a construção de uma "plataforma de lançamento de microsatélites".

"O projeto representa uma significativa colaboração científica e tecnológica entre a China e Portugal no setor espacial, aproveitando a localização geoestratégica dos Açores", revela Adérito Vicente.

Um interesse que se estende ao setor da agropecuária, com a compra de terrenos e investimento na produção de carne bovina por parte dos chineses.

"Ainda que tal iniciativa não seja, por si só, suficiente para satisfazer as necessidades globais do mercado chinês", remata.

Futuro da Gronelândia divide especialistas

O professor de Relações Internacionais aponta dois planos que podem ser adotados pelos Estados Unidos para anexar a Gronelândia. O plano A passa por persuadir a Dinamarca a vender o território.

"Algo que a Gronelândia rejeita. Legalmente, a Carta das Nações Unidas não proíbe a compra de territórios, desde que não implique violação da soberania. No entanto, um processo abrupto poderia afetar a coesão da NATO, já que a Dinamarca é membro da Aliança", afirma Adérito Vicente.

Um plano B poderia focar-se noutra estratégia, já referida pelo jornal norte-americano The New York Times, de persuasão, em vez da tão falada invasão.

"Persuadir Gronelândia a desvincular-se gradualmente da Dinamarca, iniciando uma futura negociação para aproximação política aos Estados Unidos. O processo deverá ser faseado, pois mesmo o partido mais votado na Gronelândia prefere uma autonomia alargada, sem rutura total com a Dinamarca", ressalva o investigador.

Opinião diferente tem Vítor Gabriel Oliveira, que acredita que "a Gronelândia não será tomada pelos Estados Unidos".

"Acredito que os EUA possam ter uma presença militar muito maior do que a que têm hoje, a Dinamarca já mostrou abertura para isso", admite Vítor Gabriel Oliveira.

No entanto, considera as pretensões de Trump para o Canal do Panamá "mais sensíveis" por estarem muito ligadas ao comércio direto dos Estados Unidos.

"Donald Trump quer ter muito mais controlo. Sabemos que há bancos de investimento a negociarem a compra, por parte dos Estados Unidos, da empresa que gere o Canal do Panamá. A China mostrou bastante desconforto com essa pressão, tornaram-se num player que tem crescido nas últimas duas décadas, aproximando-se muito do top mundial", acrescenta o secretário-geral da SEDES Europa.

Leia Também: Gronelândia? "Nunca seremos uma propriedade que alguém possa comprar"

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