O primeiro-ministro, Luís Montenegro, já se desfez da Spinumviva, que o colocou no centro de uma polémica que deitou o Governo abaixo e leva Portugal às urnas no próximo dia 18, mas parece que a empresa - que está agora em nome dos filhos - não deixa de ensombrar a sua liderança.
Em causa está a entrega da declaração de interesses de substituição à Entidade para a Transparência (EpT), entrega esta já confirmada e que, por sua vez, foi feita à última hora. Segundo as contas feitas pelo Expresso - e as declarações de Montenegro no debate frente ao líder da oposição, Pedro Nuno Santos, na terça-feira -, o pedido de esclarecimento solicitado pela EpT foi recebido pelo gabinete do primeiro-ministro a 30 de março. Já a legislação, aponta o semanário, diz que a declaração entregue por deputados fica 30 dias sem ser publicada. Era mesmo ao fim de um mês que, segundo contou fonte da AD ao jornal, Montenegro acreditava que esta seria publicada.
Spinumviva em 'roda vida'
A declaração, na qual são revelados novos clientes da Spinumviva, gerou ainda mais 'burburinho', dado que, após a notícia do Expresso, o secretário-geral do Partido Socialista (PS) considerou que Montenegro não tinha "idoneidade para o cargo que ocupa".
Depois, foi a vez do social-democrata Hugo Carneiro intervir: "Como membro do PSD [Partido Social Democrata] no Grupo de Trabalho do Registo de Interesses no Parlamento foi ontem [quarta-feira] aprovado a meu pedido às 14h30", divulgou o deputado, referindo-se ao pedido para que o Grupo de Trabalho pedisse à EpT "os registos informáticos de quem acedeu, no Parlamento", ao registo de interesses do primeiro-ministro entre 29 e 30 de abril.
Como membro do PSD no Grupo de Trabalho do Registo de Interesses no Parlamento foi ontem aprovado a meu pedido às 14.30h que o GT pedisse à EpT os registos informáticos de quem acedeu no Parlamento ao registo de interesses do PM entre 29 e 30 de abril.
— Hugo Carneiro (@hmscarneiro) May 1, 2025
Ainda na quinta-feira, Luís Montenegro assumiu que havia indícios de que o PS "tem muito mais a ver" com a divulgação dos clientes da empresa Spinumviva e reiterou que não difundiu nem promoveu a difusão do documento.
Após a situação, o deputado socialista Pedro Delgado Alves assumiu que teve acesso à informação sobre a declaração de interesses de Luís Montenegro e adiantou que a partilhou com o bloquista Fabian Figueiredo. No entanto, ambos negaram a divulgação à comunicação social.
O que dizem os partidos?
Após a tensão instalada, a semana chega ao fim com os partidos perfilados contra o Governo. Depois de falar da falta de "idoneidade" de Montenegro para ocupar o cargo de primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos apontou que atualmente já não se tratava de "tentar perceber como é que Luís Montenegro ainda é primeiro-ministro de Portugal", mas sim de "como é que Luís Montenegro ainda é candidato a primeiro-ministro de Portugal."
"Soubemos que fez tudo o que estava ao seu alcance para que a lista dos seus clientes fosse só conhecida depois das eleições", disse, acrescentado que dessa forma, Montenegro tentou "enganar os portugueses, omitindo informação que é relevante para fazermos o juízo e o escrutínio" da sua ação política.
E, numa nota de futuro, Pedro Nuno Santos considerou ainda que as últimas notícias têm vindo a mostrar "é que vamos continuar a ter surpresas graves e tristes sobre Luís Montenegro. E, se por acaso, Luís Montenegro vencesse as eleições, o risco de termos novas eleições em pouco tempo era enorme. Não podemos correr esse risco."
Também o presidente do Chega, André Ventura, considerou que Montenegro já não tinha condições para se recandidatar ao cargo.
"O primeiro-ministro quis esconder isto do ato eleitoral e quis escondê-lo das pessoas. Isso é grave. Como é que um primeiro-ministro pode ter autonomia e integridade quando sabemos agora que a sua empresa familiar estava a receber dinheiro de entidades que aumentaram a faturação?", questionou, considerando a situação "lamentável."
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, considerou que Montenegro "escondeu do país, em violação das suas obrigações legais e formais, a lista de clientes da sua empresa, da qual recebeu avenças enquanto era primeiro-ministro" e que, face à situação, "o PSD agora está de cabeça perdida."
"Luís Montenegro vai conseguir que fiquemos uma campanha inteira entretidos a discutir o 'diz que disse' do deputado que 'fez o que aconteceu', enquanto ninguém está a falar sobre as rendas que não se conseguem pagar, sobre o SNS que continua a ter maternidades e urgências fechadas, sobre o que se está a passar na Palestina, sobre os salários que não conseguem chegar ao fim do mês. E aqui estamos nós, numa campanha eleitoral, arrastados para o fundo pela empresa pessoal de Luís Montenegro e pelas suas falhas de transparência", criticou.
A Iniciativa Liberal (IL) criticou a situação, dizendo que "temos um comportamento de Luís Montenegro que atrasa sempre a prestação de informação e o esclarecimento dos portugueses."
Quanto a Carneiro ter sugerido às forças policiais que procurem revelar as fontes de informação que divulgaram os clientes da Spinumviva, o líder da IL, Rui Rocha, confessou-se chocado. "Defendemos, sem reservas, a liberdade de expressão, por isso choca-me profundamente que um deputado ponha sequer a hipótese de que haja algum tipo de tentativa de perseguição de quem fez o seu trabalho jornalístico", defendeu.
O líder do Livre, Rui Tavares, por sua vez, considerou também que Montenegro "não tem condições" para continuar no cargo de primeiro-ministro.
"Luís Montenegro pôs o país num túnel, ao fim do qual está uma chantagem na data destas eleições, a 18 de maio. Luís Montenegro quer fazer dos eleitores juízes e quer conseguir uma absolvição pelas urnas. Isto é uma subversão do que são as regras da separação do Estado de Direito, do que são as regras até da ética eleitoral da responsabilidade perante os eleitores", justificou.
Já a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, acusou hoje a AD de "desprezo pela liberdade de imprensa" e de "atacar jornalistas" para ocultar que o primeiro-ministro não "acautelou todas as obrigações legais" no seu registo de interesses.
Sobre a divulgação dos clientes da Spinumviva, a líder partidária considerou que as informações prestadas por Montenegro confirmam que "o PAN estava certo" ao defender que o primeiro-ministro "não cumpria com todas as obrigações" legais.
O que diz a imprensa?
Após as declarações de Hugo Carneiro, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) acusou o deputado social-democrata de ameaça à liberdade de imprensa, por sugerir às forças policiais que procurem revelar as fontes de informação que divulgaram clientes da empresa familiar do primeiro-ministro.
Em comunicado, o SJ condenou as declarações do deputado Hugo Carneiro, considerando que representam "uma tentativa clara de pressão que ameaça a liberdade de imprensa" e um "condicionamento do escrutínio aos poderes públicos".
"O SJ recorda o deputado do PSD que a legislação em vigor - Lei n.º 1/99 - consagra no 11.º artigo que 'sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, direta ou indireta'", referiu, na mesma nota.
Leia Também: Spinumviva abre guerra entre PSD/PS (e... BE): "Não fui eu". Quem acedeu?