Com o final da temporada a chegar a passos largos e com tudo ainda por decidir, começa a existir a habitual especulação sobre o futuro dos clubes e dos respetivos treinadores. Se renovam, se são despedidos ou se lhes é dada uma oportunidade de colocar a equipa a seu gosto no mercado de transferências.
Incontornavelmente, os três 'grandes' da I Liga são sempre os mais mediáticos nesta questão em concreto, dado que vivem de títulos e objetivos que, se não forem atingidos, podem significar medidas fatais para a continuidade dos técnicos no leme das equipas, sendo que todos os timoneiros acabam por viver de resultados.
Em declarações exclusivas ao Desporto ao Minuto, Manuel Gomes, mais conhecido como Professor Neca no mundo do futebol, dá o seu parecer sobre os contextos de Martín Anselmi, no FC Porto, de Bruno Lage, no Benfica, assim como de Rui Borges, no Sporting.
Um cozinheiro tem de saltar para a cozinha e não tem de idealizar uma comida, tem de idealizar o que fazer em função daquilo que tem. A inteligência do treinador também se vê nesse prisma, porque senão não se consegue caminhar e os jogadores começam a duvidar das capacidades do treinador
O contexto que importa
A situação de Martín Anselmi no FC Porto não está nada famosa para justificar uma continuidade que vá além da próxima temporada na cidade Invicta. No entanto, é 'um pau de dois bicos', uma vez que ainda não tem um plantel montado a seu gosto mas também não tem sido bem sucedido na utilização do sistema que quer implementar no Estádio do Dragão.
"Treinador e resultados caminham juntos, portanto se não houver resultados, não há possibilidades de continuar. É inevitável. Durante 43 anos eu caminhei por muitas zonas e um dos princípios de treino e do treinador é ajustarmo-nos quando entramos num clube. Se entramos de início, podemos estruturar conforme aquilo que é a nossa ideia de jogo. A cultura de um clube é fundamental para nós percebermos aquilo que temos de fazer. Acho que a cultura do clube FC Porto sempre foi uma cultura de 4x3x3, de 4x4x2, de uma flexibilidade tática em que havia um histórico que era importante", começou por dizer o português.
FC Porto conta com uma percentagem de 47% de vitórias desde a chegada de Martín Anselmi.© Getty Images
"Acho que foi um choque com aquilo que eram as características da equipa. Parece-me que aí, a irreverência da juventude de Anselmi, que me parece estar a comunicar bem e tentar fazer um bom trabalho, naquele que é um contexto difícil de FC Porto, que se está a reajustar a um novo tempo, um trabalho que também acho excelente, mas precisa de tempo, de jogadores. Há um choque grande, mas aquilo que é o princípio do treinador são os resultados, que estão sempre umbilicalmente coligados", analisou o timoneiro da equipa do Rio Ave que foi campeã da II divisão nacional em 1984/85.
"É um contexto complexo porque se entra numa nova época e os resultados não forem os expectáveis logo de início, e vem aí um Mundial de Clubes… Se as coisas resultam ou não resultam… O treinador é muito o resultado. A capacidade de trabalho do treinador é refletida nos resultados. Um cozinheiro tem de saltar para a cozinha e não tem de idealizar uma comida, tem de idealizar o que fazer em função daquilo que tem. A inteligência do treinador também se vê nesse prisma, porque senão não se consegue caminhar e os jogadores começam a duvidar das capacidades do treinador", acrescentou.
Bruno Lage é o treinador melhor posicionado para ser treinador do Benfica
A certeza sobre uns...
Bruno Lage reaproximou o Benfica da liderança da I Liga e pode-se mesmo dizer que ressuscitou as águias na luta pelo título esta temporada, estando agora em igualdade pontual com o Sporting a três jornadas do fim do campeonato, quando estava a oito pontos do líder aquando da sua chegada após a saída de Roger Schmidt.
Bruno Lage guiou o Benfica aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, onde 'caiu' ante o Barcelona© Getty Images
"Na minha opinião, Bruno Lage é o treinador melhor posicionado para ser treinador do Benfica. Tem a sua formação enquanto treinador no Benfica, já tinha sido campeão nacional no Benfica e conhece o campeonato e os jogadores que ajudou a formar no Benfica melhor do que ninguém", afirmou Manuel Gomes, que foi adjunto nos encarnados de 1994/95 a 1995/96.
Rui Borges é filho de um ex-jogador meu, tem a cultura de futebol desde criança, logo está mais predisposto para ser jogador e treinador de futebol que qualquer outro, tal como Vítor Bruno e José Mourinho. São 'filhos' do futebol
... e a aposta ganha de outros
O Sporting ainda não perdeu na I Liga desde a chegada de Rui Borges ao comando técnico dos leões e, apesar de ter tido mais deslizes que Ruben Amorim até à sua saída nesta temporada, manteve o clube de Alvalade na luta em todas as frentes no contexto nacional, estando na disputa do título nacional, da Taça de Portugal, tendo também estado na final da Taça da Liga, o que acaba por dar um parecer positivo do seu trabalho.
"Rui Borges é filho de um ex-jogador meu - Manuel Borges -, tem a cultura de futebol desde criança, logo está mais predisposto para ser jogador e treinador de futebol que qualquer outro, tal como Vítor Bruno e José Mourinho. São 'filhos' do futebol. No caso de Rui Borges, teve o mérito no caminho percorrido e, como o próprio disse, a sorte de ter estado no momento certo no sítio certo para ir para o Sporting", iniciou.
Rui Borges chegou após uma fase conturbada de João Pereira no Sporting e ainda não perdeu na I Liga© Getty Images
"Uma escolha acertada a meu ver por parte do clube de Alvalade. Está a fazer um bom trabalho, com contextos progressivamente difíceis, de lesões, de ter tido flexibilidade mental de esquecer aquilo que vinha a fazer no Moreirense e no Vitória SC. No princípio, percebeu que não tinha o mesmo contexto que o Sporting tinha com Ruben Amorim, que enquadrou e estruturou a equipa em função da sua ideia de jogo, tinha de ser esse caminho que tinha de ser continuado e não perdeu muito tempo noutros sistemas e passou para aquilo que era a boa memória que estava registada na equipa do Sporting", completou o ex-técnico.
A qualidade do treinador português
O treinador português é reconhecido mundialmente como uma força de adaptabilidade e exemplos disso são os casos de sucesso no Brasil de Jorge Jesus, Abel Ferreira e Artur Jorge, fazendo com que o Professor Neca avalie este 'fenómeno' como um produto de qualidade.
"Sabemos que temos bom produto em Portugal. Se há coisa que nós fazemos muito bem é treinar e jogar futebol. Se temos bons jogadores é porque temos bons treinadores, e temos de melhorar sempre. Nunca me choca se é nacional ou se é estrangeiro", atirou o Professor.
"Temos treinadores de qualidade, assim como os há no exterior - em Espanha, Itália, França, Argentina, Brasil… onde há bom futebol -, o latino tem um jeito especial para treinar e jogar futebol. A questão aqui é a qualidade e a flexibilidade do treinador ver o contexto onde está, que é muito importante", concluiu.
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