A situação tem gerado contestação nesse concelho do distrito de Aveiro e da Área Metropolitana do Porto porque, embora o estado de conservação da espécie Ciconia ciconia seja pouco preocupante, o ninho em causa foi instalado numa antiga chaminé industrial da cidade por iniciativa de um grupo local de estudantes, professores e bombeiros -- que, passadas três décadas, se incluem entres os críticos da situação.
A Câmara Municipal diz que, no processo de licenciamento do novo supermercado, "impôs a manutenção da chaminé e alertou (...) para a preservação do ninho", mas, cerca de duas semanas após a remoção do abrigo das cegonhas pelo Lidl, nem a guarida das aves voltou a ser instalada na chaminé -- que foi preservada no parque de estacionamento da nova superfície comercial -- nem outra estrutura foi criada em local próximo, para evitar a migração dos pássaros.
É por isso que a associação Iris afirma agora em comunicado: "A intervenção condenável do Lidl sustentou-se numa licença emitida pelo ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas), datada do princípio de dezembro e elaborada por um técnico de Vila Real, que não se deslocou ao local. A licença autorizava a empresa a remover temporariamente o ninho, para eventuais obras de manutenção da chaminé, desde que esse ainda não estivesse ocupado".
Embora reconhecendo que a empresa tem "até fins do próximo mês de fevereiro" para proceder à "reposição obrigatória do ninho", a Iris declara que a remoção do abrigo das cegonhas não se podia ter verificado porque esse estava ocupado pelas aves. "No dia da remoção do ninho, as cegonhas já o ocupavam e apresentavam todo o comportamento típico do 'namoro' preparatório e indispensável à postura e respetiva incubação dos ovos. No entanto, o ICNF, que, aquando do V Censo de Cegonha-Branca, entendia por ocupação a 'existência de um indivíduo ou casal pousado no ninho', pretende agora convencer-nos de que ocupação pressupõe a já existência de ovos e incubação, o que é cientificamente e eticamente indefensável", argumenta a associação.
O raciocínio de que o ninho foi removido para garantir a segurança da chaminé também suscita interrogações à Iris: "A estrutura está insegura e mesmo assim abre-se ao público o supermercado e o parque de estacionamento?".
A mesma associação adianta que, após uma reunião com o Lidl, a empresa mostrou "disponibilidade para promover a instalação urgente e imediata de três ninhos alternativos noutras tantas chaminés da envolvente", após o que a IRIS identificou as opções mais viáveis em fábricas próximas. No entanto, quando instada a concretizar a operação, a cadeia de supermercados ter-se-á "furtado a assumir a responsabilidade civil por danos ou acidentes, o que motivou a recusa da proprietária" da nova chaminé em aceitar a colocação.
"Gorou-se, assim, a colocação do ninho que seria uma verdadeira alternativa ao destruído, possibilitando a nidificação ainda este ano. Nessa conformidade, a Iris desvincula-se de todo este processo, exigindo que o Lidl cesse a utilização abusiva do nome da associação, sob pena de procedimento judicial, e pretendendo continuar a luta pela denúncia deste crime ambiental", conclui.
Contactado pela Lusa, o ICNF começa por admitir que "autorizou a remoção de um ninho de cegonha-branca, estabelecendo desde logo um conjunto de condicionantes, entre elas a reposição do mesmo até ao final do mês de fevereiro, por forma a garantir que o local possa ser novamente utilizado durante a presente época de reprodução".
Depois, informa que "serão instalados dois ninhos artificiais na proximidade" do supermercado, mas aponta o Lidl como "responsável pela colocação" dessas guaridas e realça que o abrigo original das aves também terá que ser "resposto na chaminé assim que forem concluídas as obras de reforço da estrutura".
Sobre a alegação de a licença para remoção do ninho ter sido emitida sem vistoria no local, como refere a Iris, e de a estrutura ter sido desmontada quando nela estavam aves a nidificar, como também diz a associação, o ICNF não fez comentários.
O Lidl, por sua vez, afirma que a chaminé do ninho original "não está em risco de queda imediata", mas, devido à sua antiguidade, precisa de ser reabilitada, o que garantirá "as condições de segurança da mesma, tanto para a população como para as cegonhas".
A empresa acrescenta que a autorização concedida pelo ICNF "exige que o ninho seja reposto até ao final do mês de fevereiro" e diz-se "a trabalhar ativamente" para reinstalar o abrigo das aves nesse prazo, "em condições melhores do que as verificadas inicialmente".
Quanto à disponibilidade para criar guaridas alternativas, o Lidl não comenta a acusação da Iris de que recusou assumir a responsabilidade pelas operações na fábrica disposta a acolher o novo abrigo e diz antes: "O Lidl propôs-se voluntariamente financiar a instalação de ninhos adicionais, estando até ao momento a aguardar a identificação, por parte das autoridades competentes, de localizações apropriadas e disponíveis para o efeito".
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