"Azagaia foi o rastilho que deu início a toda esta revolução que hoje temos no nosso país", declarou Stewart Sukuma, em entrevista à Lusa, em Maputo.
Nascido em 06 de maio de 1984, Azagaia, o "rapper do povo", foi encontrado morto, em casa, em 09 de março de 2023, após uma crise de epilepsia, segundo a família, consternando milhares de fãs em Moçambique e em quase toda a lusofonia, onde o seu nome era conhecido.
Para Stewart Sukuma, além de lançar as bases para o movimento de contestação popular que hoje o país atravessa, Azagaia foi uma referência para uma geração, uma peça fundamental para o surgimento de pensamento crítico dentro de uma sociedade que há muito precisava.
"Tenho muito orgulho que isso tenha saído de um artista, um músico", frisou.
Alguns dias após a sua morte, um grupo de jovens moçambicanos tentou organizar marchas em homenagem ao seu legado na manhã de 18 de março de 2023, um sábado, mas agentes da polícia moçambicana alegaram ter "ordens superiores", nunca esclarecidas, para dispersar, com balas de borracha e gás lacrimogéneo, o grupo de ativistas, numa iniciativa que tinha sido já anunciada às autoridades municipais em vários pontos do país.
A repressão policial, que ocorreu sobretudo em Maputo, deixou vários feridos e detidos, tendo posteriormente os organizadores das marchas submetido recursos às autoridades nacionais e estrangeiras para responsabilização face ao que classificaram como força desproporcionada exercida por aquela corporação.
"Aquela marcha foi o rastilho porque as pessoas perceberam que as músicas do Azagaia disseram tudo o que havia para dizer em relação ao que iria acontecer. O resto são repetições, somos nós a ir buscar palavras e pedaços das coisas que Azagaia foi dizendo", acrescentou Sukuma.
Hoje, Moçambique atravessa a maior contestação aos resultados eleitorais que o país conheceu desde as primeiras eleições, em 1994, com protestos de rua contra problemas sociais e contra os 50 anos de governação da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), manifestações em que, muitas vezes, versos e músicas de Azagaia são lembrados.
Edson da Luz, de nome artístico Azagaia, célebre pela crítica aberta à governação, de tal forma que, em 2008, na sequência de três dias de violentas manifestações que paralisaram a capital, foi chamado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), após lançar o tema "Povo no Poder", uma música gravada pouco depois dos episódios, alertando para a possibilidade de uma paralisação geral face à subida de preços de produtos básicos no país.
Mas o trabalho que deu corpo à sua carreira foi mesmo o `single´ "As Mentiras da Verdade", de 2007, por muitos classificado como "manifesto crítico" à narrativa oficial da história de Moçambique, em que o músico chegou a questionar as causas da morte do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel.
A faixa, banida na altura na rádio e TV públicas, surgiria no seu primeiro álbum: 'Babalaze' (que significa "ressaca" na língua changana), uma adaptação da obra poética 'Babalaze das Hienas', do escritor moçambicano José Craveirinha.
O `rapper´ moçambicano lançaria mais um álbum em 2013: 'Cubaliwa', último de uma carreira de quase 20 anos que começou no grupo 'Dinastia Bantu'.
Os últimos anos da sua vida foram marcados por aparições mais tímidas, embora continuasse a lançar músicas, destacando-se temas como 'Ai de Nós' (2021), uma crítica à "inércia" da sociedade moçambicana face à crise humanitária provocada por uma luta armada que desde 2017 assola a província de Cabo Delgado.
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