Conhecida pela sigla em inglês MSC, a conferência, que decorre até domingo, reúne todos os anos a elite geopolítica mundial na capital da Baviera, no sudeste da Alemanha.
A reunião deste ano realiza-se num contexto particularmente agitado, logo após a posse da administração de Donald Trump e da nova Comissão Europeia.
Decorre ainda numa altura de tensão entre Israel e o Hamas, com a ameaça do fim do cessar-fogo, e no contexto da proposta de Trump de transformar Gaza numa "Riviera do Médio Oriente", mas sem os palestinianos.
Uma das expectativas da reunião é a possibilidade de se conhecer um plano de paz dos Estados Unidos da América (EUA) para a Ucrânia, apesar da ausência de representantes da Rússia, que não foram convidados.
"O lema da conferência é a paz através do diálogo. Mas enquanto [o Presidente Vladimir] Putin não reconhecer o Governo de Zelensky, acreditamos que não há base para o diálogo", justificou o presidente da MSC, Christoph Heusgen, citado pela EFE.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, estará presente, bem como o vice-presidente norte-americano, James David Vance, mais conhecido por JC Vance, assim como o enviado especial de Trump para a Ucrânia, Keith Kellogg.
Na quinta-feira, Zelensky, disse ter falado ao telefone com o homólogo norte-americano, Donald Trump, sobre as "possibilidades de alcançar a paz" na Ucrânia, após um telefonema anterior entre Trump e o líder russo, Vladimir Putin.
"Falámos longamente sobre as possibilidades de alcançar a paz", declarou Zelensky, acrescentando que Trump partilhou com ele os "pormenores da sua conversa com Putin", numa chamada telefónica que durou cerca de uma hora.
"Como disse o Presidente Trump, vamos a isso", escreveu Zelensky nas suas redes sociais, ao relatar o conteúdo da conversa, que aconteceu pouco depois de Trump ter acordado por telefone com o Presidente russo, Vladimir Putin, impulsionar o processo de paz que o novo Governo norte-americano está a promover, para acabar com a guerra na Ucrânia.
"Presumimos que as discussões [sobre a Ucrânia] vão decorrer em paralelo", admitiu Heusgen.
Se os encontros à margem permitem discutir questões particulares, o debate nos três dias da MSC, em que participam também mais de uma centena de ministros, tem por base o documento "Multipolarização", preparado por um grupo de peritos.
O relatório mostra um mundo polarizado e cheio de incertezas, com um grande número de atores com capacidade para influenciar os assuntos globais e com o liberalismo político e económico a ser posto em causa em muitas partes do mundo.
Assiste-se também a uma tensão ideológica entre democracias e autocracias.
"É discutível se estamos num mundo multipolar, mas é claro que estamos a assistir a uma multipolarização", disse Tobias Bunge, um dos autores do relatório.
Há uma visão otimista, segundo os peritos, que vê a possibilidade de uma maior governação global e de uma maior resistência ao poder dos EUA.
A leitura pessimista considera que a multipolarização aumenta o risco de desordem e de conflito e reduz as possibilidades de uma cooperação efetiva.
"É claramente percetível uma mudança de poder em curso no sentido de um maior número de Estados a competir por influência", afirmam.
O regresso de Trump, argumentam, representa o fim do consenso da política externa dos EUA do pós-guerra, segundo o qual o internacionalismo liberal era o que melhor servia os interesses norte-americanos.
Para Trump e muitos dos seus apoiantes, a ordem internacional criada pelos EUA é "um mau negócio".
Como consequência, os EUA podem estar a abdicar do papel histórico de garante da segurança da Europa, com a sua política externa nos próximos anos a poder ser moldada pela disputa bipolar com Pequim.
A China, segundo os peritos, "é o mais proeminente e poderoso defensor mundial de uma ordem multipolar, apresentando-se como um defensor dos países do chamado Sul Global".
Os peritos consideram que a União Europeia (UE), "que encarna a ordem internacional liberal", está a enfrentar desafios difíceis, como a agressão russa contra a Ucrânia e o crescimento do populismo nacionalista.
A reeleição de Trump pode intensificar os desafios e reavivar o debate sobre a necessidade de a UE se tornar um polo autónomo na política internacional.
Mas também pode fortalecer movimentos populistas que aprofundariam a divisão interna da Europa e prejudicariam a capacidade da UE de lidar com crises, advertem.
Os peritos consideram que a Rússia foi o país que mais esforços fez neste século "para subverter a ordem internacional" a favor de uma ordem multipolar composta por "Estados civilizacionais", tal como se vê a si própria.
A Índia é outro país à procura de um lugar entre as principais potências mundiais, e o Brasil vê uma oportunidade para reformar estruturas de poder desatualizadas.
Outro país crítico da ordem mundial é a África do Sul, vista como o "líder natural" de África, enquanto o Japão "está especialmente perturbado" com o fim do momento unipolar, a ascensão da China e a perspetiva de uma nova ordem multipolar.
"No entanto, Tóquio também se tem vindo a preparar há mais tempo do que a maioria para estas mudanças geopolíticas", afirmam os peritos.
Perante tal quadro, os autores do relatório da MSC consideram ser "cada vez mais difícil adaptar a ordem existente de forma pacífica".
Isso implica ser difícil evitar novas corridas ao armamento, prevenir conflitos violentos dentro e entre Estados, permitir um crescimento económico mais inclusivo e enfrentar em conjunto ameaças comuns como as alterações climáticas.
"Penso que raramente participámos numa Conferência de Segurança numa situação tão tensa, se olharmos para todos os conflitos existentes no mundo. Para encontrar uma situação semelhante, teríamos de recuar até (...) à crise cubana ou à construção do Muro de Berlim", sintetizou o presidente da MSC.
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