"A casa onde eu vivia foi destruída pela água do rio La Leche. É justamente a casa que aparece atrás do vídeo no qual monsenhor Robert lança uma mensagem de apelo. Eu tinha perdido a minha casa, estava num momento de muita dificuldade, até que apareceu aquele pastor com palavras de incentivo. Só por vê-lo ao nosso lado, já sentíamos um alívio e chorávamos pela alegria da esperança", disse à Lusa Tenessee Cabrejos Valdivieso, de 62 anos, apontando para a casa agora reconstruída.
A 10 de março de 2023, o rio La Leche que atravessa Íllimo, pequena localidade de apenas 10 mil habitantes no Norte peruano, transbordou, arrastando tudo o que, com muito esforço, aquela população vulnerável conseguira ter.
Mais de 400 casas foram destruídas, 20% da população ficou com a água pela cintura, duas semanas sem energia elétrica nem água potável.
A rua de maior destruição foi a de Tenessee, onde vivem cerca de 300 pessoas. Agora, a humilde rua Vitoria será rebatizada como rua Papa Leão XIV, em homenagem àquele que apenas horas depois já estava no local a liderar a ajuda material e espiritual.
"Monsenhor Robert era mais um entre todos os moradores, a ponto que as pessoas não sabiam que fosse o próprio bispo de Chiclayo, tamanha era a humildade. Só se diferenciava de nós pelo crucifixo de metal", lembrou Tenessee, que dois anos depois da tragédia trabalha como segurança num centro de saúde, cuida de idosos e dedica-se ao trabalho pastoral social de Cáritas.
A repentina subida do rio foi causada pelo ciclone Yaku, no contexto do fenómeno El Niño, que provoca chuvas torrenciais e incessantes. As alterações climáticas têm castigado o Peru. Seis anos antes, em 2017, o mesmo fenómeno já tinha castigado esta zona do país, destruindo cidades, arrastando casas e vidas.
Enquanto as autoridades eram lentas em dar uma resposta aos desabrigados, o bispo Robert Prevost, com botas de chuva, já estava no local apenas horas depois, a distribuir alimentos e roupas e a lançar uma campanha em todo o país.
"Esta é uma das minhas últimas mensagens, antes da próxima mudança, daqui de Íllimo, um dos povoados que mais danos está a sofrer devido à inundação", disse o bispo Prevost ao lançar a campanha "Peru dá as mãos", pouco antes de deixar a diocese de Chiclayo, rumo ao Vaticano.
"Infelizmente, por parte das autoridades, não houve muita preparação. A resposta foi nula ou muito lenta. Nós estávamos a ajudar até onde dava. Não é a primeira vez que há chuvas deste tipo. A prevenção não foi boa. A falta de resposta é muito grave", criticou.
O presidente da Câmara de Íllimo, Juan Pablo Santa María, tinha começado o mandato em janeiro de 2023, apenas dois meses antes da tragédia. Os meteorologistas previram um verão de pouca chuva, mas as alterações climáticas surpreenderam.
"O Papa deu-nos uma grande lição, sobretudo aos políticos que não apareceram quando eram mais necessários. As autoridades de socorro que deviam ter chegado com rapidez, não vieram. Mas o Papa, apenas algumas horas depois, apareceu com uma tonelada de alimentos, de roupa e com uma palavra de esperança", comparou Santa María em declarações à Lusa.
O então bispo, atual Leão XIV, regressou mais três vezes ao local naquele mês de março com outras toneladas de ajuda.
A exemplo do "Laudato Si" (Louvado Sejas), a encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado do planeta como a "casa comum", na qual critica o consumismo e o desenvolvimento irresponsável e defende a Natureza contra a degradação ambiental, o novo Papa defende o combate às alterações climáticas que afetam, sobretudo, as populações mais vulneráveis.
"O nosso Papa demonstrou muita preocupação com o ambiente. Sabia perfeitamente que o que acontece nesta região deve-se às alterações climáticas. Teve sempre uma preocupação maior com esse aspeto. Dizia-nos sempre que precisávamos proteger as áreas ribeirinhas, que devíamos trabalhar com a prevenção, que devíamos ter atenção com o desenvolvimento dos povoados", descreveu Santa María.
A catástrofe de 2023 só não foi maior porque a subida das águas do rio ocorreu pelas 09:00 (hora local), dando tempo de residentes avisarem os restantes, evitando mortes.
"Tenho plena certeza de que ele vai impulsionar grandes ações a favor do ambiente para evitar desastres naturais. O que ele fez aqui em Íllimo será agora feito no plano mundial. Essa será a grande missão do Papa em relação ao cuidado do planeta", considerou Santa María.
A ajuda de Robert Prevost foi canalizada através de Cáritas. O secretário-geral da organização, padre José Alejandro Castillo Vera, contou à Lusa que pouca gente sabe, mas o atual Papa também promoveu ações de reflorestamento.
"O Papa demonstrou a importância de arborizar áreas das cidades não apenas por uma questão de purificar o ambiente, mas de prevenir desastres ambientais. Em vez de lixo, árvores. Estamos agora a tentar recuperar todos os projetos que ele nos deixou e que seguramente vai aplicar à frente do Vaticano", concluiu o padre.
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