"As recordações são as piores e, por mais que queiramos apagar do pensamento, nunca vamos esquecê-las. O que foi inadmissível nesse dia é que o jogo continuou. Tínhamos acabado de assistir a uma morte no estádio. Independentemente do clube do adepto em causa, a final tinha de acabar ali, mas isso não aconteceu", criticou à agência Lusa o ex-médio, de 63 anos, que alinhou pelos 'leões' em dois períodos (1980-1991 e 1994-1996).
Em 18 de maio de 1996, sob arbitragem de Vítor Pereira, o Benfica ganhou por 3-1, com golos do argentino Mauro Airez (nove minutos) e do capitão João Vieira Pinto (39 e 67), sendo que o suplente Carlos Xavier reduziu de penálti (83), num lance em que o defesa central brasileiro Ricardo Gomes foi expulso com duplo cartão amarelo nos 'encarnados'.
"O Benfica começou melhor e nós entrámos taticamente mal. Demorámos a fazer ajustes e, quando reagimos, já era tarde. Foi o meu último jogo oficial e não pensaria terminar a carreira daquela maneira", admitiu Carlos Xavier, vencedor de seis troféus pelo Sporting, incluindo duas Taças de Portugal (1981/82 e 1994/95), por entre 334 partidas e 23 golos.
A superioridade do Benfica no relvado passaria para segundo plano antes do apito final, por causa da morte do adepto 'leonino' Rui Mendes, que foi atingido na bancada norte do Estádio Nacional, em Oeiras, por um foguete very light disparado a partir do topo sul por Hugo Inácio, homólogo 'encarnado', por ocasião dos festejos do tento inaugural de Mauro Airez.
"Estava no banco e ouvi o barulho de um foguete a passar. Foi tão rápido que nem vi a direção, mas pensávamos que iria para o ar ou coisa assim. De repente, olhámos para a esquerda, estava um burburinho na bancada do Sporting e percebemos que tinha havido um acidente grave. No final, aconteceu o impensável", rememorou o antigo internacional português, aposta na derradeira meia hora do então treinador 'leonino' Octávio Machado.
Usado como sinal de emergência ou para iluminação temporária, o artefacto pirotécnico sobrevoou o terreno de jogo a baixa altura e alojou-se no tórax da vítima, que tinha 36 anos, era pedreiro de profissão e vinha da Mealhada, tendo morrido quase de imediato.
"Sinceramente, não me apercebi de que tivesse havido alguma conversa entre capitães, treinadores ou presidentes para ser tomada alguma medida. Na altura, deviam ter dado a partida como suspensa e retomá-la mais tarde. Mas lá está, é o futebol que temos. Eu já cheguei a ir jogar a Chaves por dois minutos [precisamente na época 1995/96], porque faltou luz [nos holofotes do estádio]. É impensável. O que aconteceu foi ridículo", frisou.
Apesar dos pedidos de socorro nas hostes 'verde e brancas', com a multidão a rodear o corpo de Rui Mendes, posteriormente transportado para o hospital, e de uma reunião de emergência entre o então Presidente da República, Jorge Sampaio, e o primeiro-ministro António Guterres, a final da 56.ª edição da Taça decorreria sem paragens naquela tarde de sábado.
"Era complicado estar ao mesmo tempo com a cabeça no jogo e na bancada. Depois de sabermos das notícias, ficámos todos transtornados e tristes pela perda de um sócio do Sporting. Se fosse com um associado do Benfica, era igual. Eu acho que não há motivo algum para se continuar a jogar futebol depois de um acontecimento daqueles", insistiu.
Carlos Xavier não esteve no funeral, que foi custeado pelo Sporting, mas vinca que Rui Mendes "não sai do pensamento" do universo 'leonino' e espera que o futebol português tenha aprendido, mesmo que os artefactos pirotécnicos continuem a entrar nos recintos.
"Obviamente, o Benfica nunca estaria de acordo com aquilo nem creio que seja isso que faça ferver mais um dérbi. As alturas são diferentes, tal como as pessoas que lideram os clubes. Foi o momento mais negro dos dérbis, mas não acredito que se repetirá ou que tenha contribuído para um afastamento muito grande entre Benfica e Sporting", assumiu.
Passados 29 anos, e numa fase em que seguem em igualdade pontual na liderança da I Liga a quatro jornadas do fim, com supremacia 'verde e branca' no confronto direto e na diferença de golos, os rivais vão encontrar-se numa final da Taça de Portugal pela nona ocasião em 25 de maio, após seis triunfos 'encarnados' e dois dos campeões nacionais.
"Espero que seja um jogo agradável e que as pessoas que paguem o bilhete sintam que, no final, valeu a pena. Acima de tudo, que seja um jogo correto, sem casos e com muito 'fair play', o que é mais difícil nestes dias. Que se respeitem uns aos outros, que entrem apenas para jogar futebol, que ganhe o melhor e que o melhor seja o Sporting", desejou.
RTF // JP
Lusa/Fim