"A nova Lei dos Solos tem potencial para aumentar a oferta habitacional e reduzir os preços da habitação, mas o seu sucesso dependerá de uma regulamentação eficaz e de políticas complementares", defende Ana Rodrigues, diretora executiva do Centro de Conhecimento de Ambiente da Nova SBE, à Lusa.
A especialista admite, no entanto, que "o efeito real nos preços não é garantido", já que "em mercados fortemente pressionados pelo turismo e pelo investimento estrangeiro, a simples disponibilização de mais terrenos pode não ser suficiente para travar a escalada dos preços, sobretudo se os custos de construção e a carga fiscal permanecerem elevados".
"Além disso, a reclassificação de terrenos pode incentivar a especulação imobiliária, permitindo que investidores adquiram terrenos na expectativa de valorização futura, sem garantias de que estes serão efetivamente convertidos em habitação acessível", acrescenta.
Já Leonardo Costa, docente e investigador da Católica Porto Business School, argumenta à Lusa que o impacto da lei irá variar consoante as zonas. Esta lei "como é costume no Estado central português, aborda o país como um todo homogéneo que o mesmo não é", opina.
"Dependendo dos territórios municipais estarem integrados em regiões urbanas/metropolitanas ou rurais, serem territórios de grande ou baixa densidade populacional, estarem bem ou mal servidos por redes de transportes, estarem muito ou pouco pressionados pela procura turística, a lei pode ter impactos muito diferentes no mercado de habitação dos referidos territórios", afirma.
Relativamente aos efeitos na oferta de habitação acessível, admite que "não venha a ter impacto nenhum", apenas "no valor dos terrenos que, no entretanto, sejam passíveis de urbanizar".
O especialista aponta ainda que "é discutível a ideia de que é pela falta de casas e/ou de solos para as construir que as classes médias não têm acesso a habitação a preços acessíveis nos territórios/cidades em que o problema se coloca e onde se assiste a um fenómeno de gentrificação e expulsão das mesmas".
Bento Aires, docente da Porto Business School, também indica à Lusa que "são se esperam grandes impactos no mercado de habitação", já que "da forma como foi desenvolvida, e discutida, bloqueou desde logo os efeitos práticos, admitindo que favorecerá processos pouco claros, quando na realidade o Governo quis proteger esta implementação com cintos e suspensórios, tornando quase impossível a sua aplicação".
O docente, que é também presidente da Ordem dos Engenheiros -- Região Norte, não prevê efeitos nos preços, ainda que admita "uma aplicabilidade reduzida em terrenos públicos", enquanto "para terrenos privados será difícil de aplicar e pouco atrativa".
O parlamento aprovou, com os votos do PSD, CDS-PP e PS, alterações ao diploma que permite reclassificar solos rústicos em urbanos, para habitação, em parte destinada para "arrendamento acessível" e construção a "custos controlados".
O decreto-lei que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, permitindo a reclassificação simplificada de terrenos rústicos em urbanos, para construção de habitação, entrou em vigor em 29 de janeiro.
Entre as principais propostas de alteração do PS aprovadas com entendimento do PSD está a substituição do conceito de habitação de "valor moderado" -- utilizado pelo Governo - por "arrendamento acessível" ou "a custos controlados".
O regime especial de reclassificação assegura que pelo menos 700/1.000 da área total de construção acima do solo se destina "a habitação pública, a arrendamento acessível" ou "habitação a custos controlados" e "existam ou sejam garantidas as infraestruturas gerais e locais".
Esta lei gerou uma polémica com origem na notícia de que Hernâni Dias, então secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, tinha criado duas empresas imobiliárias já enquanto governante, responsável pelo decreto que altera a lei dos solos, levando à sua demissão.
Os partidos identificaram mais governantes com ligações ao imobiliário e o próprio primeiro-ministro foi envolvido nesta polémica, com notícias que indicavam que a empresa Spinumviva, entre outras atividades, se dedicava à compra e venda de imóveis, numa altura em que o Governo estava a rever a lei, com possível impacto na valorização de terrenos e casas.
Na sequência desta polémica, o Governo decidiu avançar com uma moção de confiança, que deverá ser chumbada sem a viabilização do PS e Chega.
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