"A ideia de que é um voto de protesto e que tão depressa como veio, tão depressa iria embora, já era difícil de acreditar. Depois destas eleições, tornou-se ainda mais difícil acreditar nisso", defendeu o politólogo Vicente Valentim, especialista na área da extrema-direita e professor na IE University, em declarações à Lusa.
A ascensão do Chega, defende Vicente Valentim, resulta da existência de um "apoio latente" na sociedade portuguesa a ideias que o partido representa, mas que, até ao surgimento de André Ventura, não tinham expressão política capaz de as traduzir em votos.
Vicente Valentim diz que "há muito tempo que havia estudos que mostravam que havia muito racismo em Portugal" e "muita abertura do eleitorado a partido populistas", faltando apenas algum partido com "capacidade de captar esse voto".
Por isso, o investigador considera que, apesar das vitórias do Chega em zonas historicamente de esquerda, é prematuro falar num realinhamento ideológico ou numa migração de votos da esquerda para a direita.
"É uma narrativa que se tem feito muito no debate público nos últimos dias (...), mas a verdade é que a resposta mais rigorosa é que não sabemos. (...) O que nós sabemos é que nas eleições anteriores a maior parte dos votos no Chega não vinham da esquerda, vinham de pessoas que antes se abstinham ou votavam no centro-direita", afirmou.
Não tendo responsabilidades governativas e a caminho de se tornar o principal partido da oposição, o Chega "está na melhor posição possível" para crescer, considera Valentim, acrescentando que o partido de Ventura não tem neste momento "muito incentivo para se moderar".
Valentim admite que esse cenário de moderação só se colocará mais à frente, no caso de um novo crescimento eleitoral, e alerta para o risco de que uma moderação excessiva abra espaço a partidos ainda mais à direita. "Se o partido começar a moderar-se muito e a tentar captar votos mais ao centro, é possível que em algum momento apareça um partido mais à sua direita", argumenta.
O investigador alerta que a resposta dos partidos do sistema ao crescimento do Chega não deve passar por "aproximação à posição destes partidos", mas sim por "traçar linhas claras" e "dizer muito claramente que as soluções que estes partidos propõem não são as soluções que o país deve procurar".
Apesar de não esperar que o Chega estivesse já a disputar o lugar de segundo partido com maior representação parlamentar, o politólogo considera que esta ascensão pode estar associada a um contexto de instabilidade política "que muitas vezes potencia este tipo de partidos", bem como o foco da campanha no tema da imigração.
Valentim considera que a extrema-direita beneficia de campanhas centradas na imigração "independentemente de quais é que são as posições dos outros partidos", porque quanto mais abordado é o tema, mais os eleitores o valorizam no momento do voto - e, caso se oponham à imigração, tendem a escolher partidos como o Chega.
O investigador observa ainda que houve uma tentativa do PSD de se "aproximar um pouco das posições do Chega" em questões como a imigração, mas acrescentou que "isso normalmente não funciona" eleitoralmente, apesar de ser essa a perceção dos líderes partidários.
Quanto ao papel das redes sociais no crescimento do Chega, relativiza a sua importância: "As redes sociais ajudam, mas não foram as redes sociais que criaram estes partidos."
O Chega conseguiu eleger 58 deputados nas eleições legislativas de domingo, mais oito do que em 2024, tendo o melhor resultado de sempre, e pode tornar-se na segunda força política, ultrapassando o PS.
Os resultados, numa altura em que falta contabilizar os votos dos dois círculos da emigração, que elegem quatro deputados, indicam que o Chega conseguiu 22,56% dos votos (1.345.575) e 58 eleitos no território nacional.
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