À ciência foram feitos grandes pedidos e dados grandes meios. Mobilizou-se como nunca o tinha feito antes. Os resultados estão à vista para quem os queira ver", afirma, à Lusa, o físico e comunicador de ciência Carlos Fiolhais, coautor de 'Apanhados pelo vírus - Factos e mitos acerca da covid-19'
A covid-19, doença respiratória causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que começou por ser detetado na China em finais de 2019, foi declarada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020.
A poucos dias de se completarem cinco anos sobre a declaração de pandemia, a Lusa auscultou cientistas portugueses de várias áreas sobre o papel da ciência no combate à doença que, de acordo com dados reportados à OMS, já matou mais de sete milhões de pessoas, entre os mais de 700 milhões infetados.
"A ciência cumpriu, efetivamente, o seu papel na plenitude", sublinha o parasitologista Miguel Prudêncio, envolvido no estudo da malária, que elenca como feitos científicos o "desenvolvimento de vacinas eficazes e seguras em tempo recorde", os testes de diagnóstico, os tratamentos e o "conhecimento adquirido com o estudo" do SARS-CoV-2.
"Tudo isto só foi possível graças à partilha de informação científica entre inúmeros laboratórios e ao esforço de toda uma comunidade que se uniu num desígnio comum", salienta o docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular.
Para a geneticista Luísa Pereira, "foi essencial que os cientistas chineses tivessem publicado muito cedo a sequência" genética do coronavírus, permitindo "o rápido desenvolvimento de 'kits' de diagnóstico específicos".
"Um dos aspetos científicos mais surpreendentes foi a rapidez dos testes e a produção em larga escala de vacinas (...). Claro que a investigação de base levava já várias décadas, mas a emergência da pandemia acelerou radicalmente a sua aplicação e produção", adianta.
Hoje, a "demonstração da segurança" das vacinas contra a covid-19, baseadas na tecnologia de ARN mensageiro, "está a ser aproveitada para a sua aplicação a muitas outras doenças, nomeadamente no cancro", destaca a investigadora do i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, que lidera o grupo que trabalha sobre diversidade genética.
Apesar de tudo, poderia a ciência ter feito mais e melhor?
"Claro que podia ter feito. Pode-se sempre fazer mais e melhor, mas isto é fácil de dizer depois e não na altura, sob a pressão dos acontecimentos", responde Carlos Fiolhais, professor jubilado da Universidade de Coimbra.
Segundo a geneticista Luísa Pereira, "faz parte da atitude científica querer saber mais, melhorar procedimentos, desenvolver novas tecnologias e estabelecer tratamentos mais avançados".
Só que "esta atitude é muitas vezes mal percecionada pelo público em geral e políticos, sendo confundida com insegurança e incerteza", lamenta.
A imunologista Helena Soares considera que "a ciência foi exemplar durante a pandemia".
"Partilhou abertamente o conhecimento, o que permitiu o desenvolvimento rápido das vacinas e dos testes" de despistagem da infeção, justifica, realçando que os cientistas trabalharam "em uníssono para a resolução de um problema de saúde mundial".
"Essa união foi refletida pela população na sua adesão às medidas de contenção, o que foi essencial para debelar a pandemia", frisa.
No entanto, para a investigadora do laboratório de Imunobiologia e Patogénese Humana da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, "algo que a ciência tem de continuar a trabalhar é em comunicar melhor sem alienar ninguém".
"Todos teremos a ganhar com a ciência como fonte de conhecimento idóneo e apolítico partilhado de modo acessível a todos", argumenta.
"Todos poderíamos ter feito mais e melhor", assume o bioquímico Miguel Castanho.
"Se tivéssemos tido um apoio constante ao longo dos anos para compreender melhor os microrganismos, a infeção, as doenças infetocontagiosas e o desenvolvimento de fármacos nesta área, estaríamos em muito melhor posição", invoca.
Para o docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular, que tem estudado a bioquímica de fármacos, "a tendência em todo o mundo, desde meados do século XX até à pandemia de covid-19, foi sempre reduzir os apoios, incluindo financiamento a esta área".
Pelo que "os avanços foram marginais quando comparados com os de outras áreas da farmacologia, como doenças cardiovasculares ou cancro", aponta.
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