Depois de a Comissão Europeia ter decidido levar Portugal, e mais seis Estados-membros, a tribunal por falhas na transposição da diretiva sobre créditos não produtivos (NPL, na sigla inglesa), o deputado do PSD, Martin Syder, revelou hoje que o atual Governo já está a trabalhar na transposição das regras europeias na legislação nacional, algo que deveria ter sido concretizado até 29 de dezembro de 2023, ou seja, no governo PS.
"Este governo já está a trabalhar na redação deste documento", assegurou Martin Syder durante o debate relativo a três projetos de resolução - do Livre, PAN e PS - e um projeto de lei do BE sobre o tema, que decorreu hoje na Assembleia da República.
A necessidade e urgência de se avançar com medidas nacionais de execução da diretiva sobre crédito malparado - que acontece quando um cliente bancário deixa de pagar as prestações de um empréstimo e, posteriormente, o banco pode vender essa dívida a entidades terceiras - reuniu consenso durante o debate, mas alguns pontos propostos pelos partidos da esquerda nem tanto.
O deputado do Livre Jorge Pinto começou por sublinhar a "importância de proteger os cidadãos que têm dívidas aos bancos", e referiu ser "vergonhoso" a diretiva ainda não ter sido transposta, uma mensagem dirigida ao PS e PSD/CDS.
Jorge Pinto destacou a "opacidade" do processo de transferência da dívida dos cidadãos a empresas terceiras. E dando um exemplo concreto, mostrou como a dívida inicial de um consumidor duplicou quando foi contactado pela empresa a quem o banco tinha vendido o crédito malparado.
"Depois de ir para tribunal, já ia no quádruplo, mas, felizmente, venceu [o processo]", contou.
"É uma matriosca que a cada nova boneca traz mais opacidade e menos direitos para os cidadãos", comentou o deputado.
Por sua vez, o projeto de lei do BE, que votou contra a transposição da diretiva europeia por considerar que não responde aos problemas de proteção dos consumidores, como lembrou a deputada Isabel Pires, pretende "ir mais longe".
A proposta do BE inclui pontos como a obrigatoriedade dos bancos informarem os devedores dos detalhes da venda do crédito, incluindo a quem, e a possibilidade de o devedor se opor à alienação da dívida.
Além disso, também propõe que as entidades que compram malparado passem a ser supervisionadas pelo Banco de Portugal.
Uma medida também apoiada pelo PS, como explicou Carlos Pereira, que aproveitou para defender a falta de transposição da diretiva europeia durante o governo de António Costa com as "crises políticas".
O projeto de resolução do PS propõe ainda que, "em determinadas circunstâncias e para determinado público-alvo, aqueles com mais dificuldades financeiras, possam, de alguma maneira, ter direito de preferência quando acontece a alienação do crédito", ou seja, "ter um desconto significativo" como quando os bancos vendem às entidades terceiras especializadas, explicou Carlos Pereira.
Esta proposta mereceu críticas, com o deputado da Iniciativa Liberal André Abrantes Amaral a considerar que "nem o BE, Livre e PAN conseguiram ir tão longe".
Por fim, para defender a sua recomendação da criação de mecanismos de proteção e salvaguarda de detentores de créditos não produtivos, a deputada do PAN Inês Sousa Real lembrou ainda que algumas "destas entidades terceiras entram em contacto com devedores e recorrem até a métodos predatórios".
A proposta do PAN prevê ainda a criação de uma "sociedade de gestão de ativos nacionais para trazer mais transparência para estas negociações".
"Está na altura de equilibrar uma balança que claramente está desequilibrada", reforçou Inês Sousa Real.
O deputado do CDS-PP, Paulo Núncio, anunciou que apoia as recomendações para a transposição da diretiva europeia, mas não com as "entorses da esquerda contra o grande capital".
O PCP e o Chega também defenderam a necessidade de avançar com a transposição da diretiva europeia.
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