A poucos dias de o Parlamento discutir a moção de confiança ao Governo, a troca de acusações em torno da crise política faz-se fora do hemiciclo. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, não recua e diz não haver alternativa a eleições antecipadas, ao passo que o secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, assume uma posição definitiva, referindo que o Executivo "nunca terá a confiança" dos socialistas.
Enquanto Montenegro reitera que não cometeu qualquer ilegalidade e é sua responsabilidade "evitar que Portugal seja um país envolto em lama", Pedro Nuno Santos insiste que foi o também presidente do PSD "quem criou a lama", para onde quer "atirar o país".
Eleições antecipadas? "Parece que não há alternativa"
Foi num almoço do PSD, no âmbito do Dia da Mulher, na Maia, que Luís Montenegro partilhou esta posição. "A minha responsabilidade, [e] parece que não há alternativa a isso, é devolver aos portugueses a capacidade que só eles têm de escolher o que querem para Portugal", disse.
Abordando os "complexos" últimos dias, na sequência do caso envolvendo a empresa da sua família, e que recentemente foi passada aos filhos, o líder social-democrata disse que a sua responsabilidade era "evitar que Portugal seja um país envolto em lama", "que as instituições portuguesas sejam corroídas pela irresponsabilidade de quem quer manter o espaço público permanentemente enlameado".
"Nunca foi o meu desejo, nunca foi e tenho a noção que os portugueses nem sequer percebem porque é que isso vai acontecer, mas eu tenho a obrigação, pela responsabilidade que me está confiada, de saber antecipar os problemas", afirmou.
O líder do PSD e chefe do Governo rejeitou deixar o país a viver "um ano ou um ano e meio de instabilidade quando pode resolver essa instabilidade em dois meses".
Sem falar aos jornalistas quer à chegada, quer à saída da Quinta do Geraldino, na Maia, após o Observador ter noticiado na sexta-feira à noite que a empresa Spinumviva recebeu 194 mil euros do pai do candidato do PSD à Câmara de Braga, Luís Montenegro disse, porém, que está a preparar as respostas escritas ao BE e ao Chega sobre o caso da empresa.
"Até vou antecipar os prazos. Os 30 dias que estão à minha disposição serão antecipados, nomeadamente para estas últimas perguntas que dois partidos me remeteram. Espero ter tempo, no fim de semana, para poder terminar essas respostas", disse Montenegro durante o seu discurso.
Montenegro diz que "não fez nem mais nem menos do que faz qualquer português"
Ainda neste discurso, o primeiro-ministro defendeu que "não fez nem mais nem menos do que faz qualquer português", ironizando ao dizer que "que teve a responsabilidade de ter trabalhado".
"Acho que o primeiro-ministro não fez nem mais nem menos do que faz qualquer português", disse o líder do PSD ao concluir um raciocínio em que referiu não há parecer que fique mal "ter trabalhado", "dizer em que é que trabalhou" e que "tenha decidido que uma parte do trabalho que lançou possa ser legado a membros da sua família".
Montenegro afirmou-se ainda "pronto para ir terra a terra, português a português, responder" por tudo aquilo que tenha de responder.
"Montenegro está na lama e agora quer atirar o país para a lama"
Não demorou a que Pedro Nuno Santos reagisse a estas declarações. Além de acusar o primeiro-ministro de "estar na lama" para a qual arrastou PSD, Governo e agora querer levar também o país, voltou a sugerir que Montenegro "esteve avençado" durante quase um ano.
"Não deixa de ser caricato, porque quem criou a lama foi Luís Montenegro. Luís Montenegro está na lama, arrastou o PSD e o seu governo para a lama e agora quer atirar o país para a lama", acusou, em declarações aos jornalistas à entrada para a apresentação da candidatura à presidência da Câmara de Lisboa de Alexandra Leitão,
Pedro Nuno Santos considerou que Montenegro "só se pode mesmo queixar de si próprio e não é dos portugueses, não é dos partidos políticos".
"Tem que se deixar de vitimizar, assumir as responsabilidades, porque aquilo que nós precisamos é de um primeiro-ministro com coragem, com frontalidade, com transparência e não alguém que se esconda sempre atrás dos outros, que responsabiliza toda a gente e revela ainda não ter percebido que nós infelizmente estamos nesta situação por causa dele e de mais ninguém", acusou.
Questionado se também não vê alternativa a eleições antecipadas, o líder do PS acusou Luís Montenegro de fugir "do apuramento da verdade, como o diabo foge da cruz".
"E, portanto, tudo vale para evitar o inquérito, nomeadamente a Comissão Parlamentar de Inquérito e o esclarecimento. Já não basta dar respostas. É preciso conseguir convencer-nos a todos de que nós não tivemos, o que já é cada vez mais difícil, não tivemos um primeiro-ministro avançado durante quase um ano", avisou.
Executivo "incompetente e para minoria nunca terá a confiança do PS"
Mais tarde, ao discursar, o secretário-geral do PS acusou o Executivo PSD/CDS-PP de ser incompetente, sem visão e de governar para uma minoria", avisando que "nunca poderá ter a confiança" dos socialistas.
"Eu não precisava de falar dos últimos 15 dias para ser claro para todos nós que um governo sem visão, um governo incompetente e um governo que governa para a minoria nunca, nunca terá a confiança do Partido Socialista", disse.
PCP, Bloco, PAN e Livre unidos na responsabilização do primeiro-ministro
Também os líderes do PCP, Bloco de Esquerda, Livre e PAN defenderam ontem que o primeiro-ministro é o principal responsável pela crise política, considerando que o chefe de Governo criou instabilidade ao não dar explicações suficientes.
Falando aos jornalistas à margem de manifestações que assinalaram o Dia Internacional da Mulher, em Lisboa, os líderes destes partidos de esquerda vincaram que o principal responsável pela crise política é o primeiro-ministro, que não deu as explicações suficientes no tempo certo.
"O que se sabe hoje é suficiente para concluir que o primeiro-ministro teve uma atuação incompatível com o cargo de governação que tinha, e daí não querer explicar mais, porque há coisas que não têm explicação", disse Paulo Raimundo, que integrou a manifestação convocada pelo Movimento Democrático de Mulheres (MDM), em Lisboa.
"A solução era, no sábado passado, em vez de fazer propaganda, dizer que 'pus o pé na poça e demito-me', e saía de forma digna, mas assim só acrescentou um problema ao problema", afirmou o secretário-geral comunista.
Para Mariana Mortágua, "Luís Montenegro quis muito, procurou muito, um motivo, uma oportunidade para eleições, mas escolheu o pior momento para o fazer, porque é um motivo que põe em causa a sua própria legitimidade enquanto primeiro-ministro", disse a bloquista, à margem de uma manifestação convocada pela Plataforma Feminista e a Rede 8 de Março, no Marquês de Pombal, Lisboa.
Na mesma linha, a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, afirmou que Portugal "está a assistir a um braço de ferro entre Luís Montenegro de Pedro Nuno Santos" e lamentou "que o primeiro-ministro não tenha dado os esclarecimentos necessários ao país e ao Parlamento no tempo certo".
Para a líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, Luís Montenegro "escolheu não prestar esclarecimentos no tempo devido e deixou enrolar a situação, com mais dúvidas, e não esclareceu nem percebeu que tem um grande problema de confiança do país".
A empresa Spinumviva - detida até à semana passada pelos filhos e mulher de Luís Montenegro, com quem é casado em comunhão de adquiridos, e agora apenas pelos filhos, recebe uma avença mensal de 4.500 euros do grupo Solverde, noticiou o Expresso na semana passada. A empresa revelou depois que outros dos seus clientes foram o grupo Ferpinta, a Radio Popular ou o Colégio Luso-Internacional do Porto (CLIP).
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já admitiu a realização de eleições antecipadas em maio, após o primeiro-ministro, Luís Montenegro, ter anunciado uma moção de confiança ao Governo que será discutida no Parlamento na terça-feira e que tem chumbo anunciado pelos dois maiores partidos da oposição, PS e Chega, implicando a demissão do Executivo.
O voto de confiança foi anunciado por Luís Montenegro na terça-feira, no arranque do debate da moção de censura do PCP (rejeitada com a abstenção do PS), e em que voltou a garantir que "não foi avençado" nem violou deveres de exclusividade com a empresa familiar Spinumviva.
Se a moção for rejeitada, o chefe de Estado já disse que convocará os partidos ao Palácio de Belém "se possível para o dia seguinte" e o Conselho de Estado "para dois dias depois" - os dois passos obrigatórios antes da dissolução do parlamento -, e admitiu eleições a 11 ou 18 de maio, que seriam as terceiras Legislativas antecipadas em três anos.
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